ELIANI
GRACEZ NEDEL
REPRESENTAÇÃO E CONHECIMENTO
EM ARTHUR SCHOPENHAUER: Influência dos Vedas, Kant e Platão
CANOAS,
2008
ELIANI GRACEZ NEDEL
REPRESENTAÇÃO E CONHECIMENTO
EM ARTHUR SCHOPENHAUER: Influência dos Vedas, Kant e
Platão
Trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora
do curso de Filosofia do UNILASALLE – Centro Universitário La Salle, como
exigência parcial para a obtenção do grau de Licenciatura em Filosofia, sob
orientação do Prof. Ms. Roberto Lauxen.
CANOAS, 2008
TERMO DE APROVAÇÃO
ELIANI GRACEZ
NEDEL
REPRESENTAÇÃO E CONHECIMENTO
EM ARTHUR SCHOPENHAUER: Influência dos Vedas, Kant e Platão
Trabalho de conclusão apresentado
a banca examinadora aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de
Licenciatura m Filosofia do curso de Filosofia do Centro Universitário La
Salle – UNILASALLE, pela seguinte banca avaliadora:
Prof. Dr. Luís
Evandro Hinrichsen
UNILASALLE
Prof. Ms. João Miguel Bach
UNILASALLE
Prof.
Ms. Roberto Roque Lauxen
UNILASALLE
Canoas,
26 de junho de 2008.
RESUMO
A presente monografia tematiza a teoria do conhecimento de
Arthur Schopenhauer que compreende a primeira parte de sua obra principal O mundo como vontade e representação.
Apresenta as condições que deram origem a esta compreensão, desde a elucidação
biográfica até a herança deste pensamento com os Vedas, Kant e Platão. Apresenta
a estrutura principal da teoria do conhecimento de Schopenhauer fundada sobre
tais influências.
Palavra chave:
Representação. Entendimento. Razão.
ABSTRACT
The present monograph presents the theory of
knowledge by Arthur Schopenhauer that is the first part of his main work THE
WORLD AS WILL AND REPRESENTATION. It presents the conditions that had given
origin to this understanding, since the biographical briefing until the
inheritance of this thought with Vedas, Kant and Plato. It presents the main
structure of the theory of knowledge by Schopenhauer established on such
influences.
Key-Word: Representation. Understanding.
Reason.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................
07
2 ELEMENTOS HISTÓRICOS GESTORES DA TEORIA DO CONHECIMENTO DE ARTHUR
SHOPENHAUER
...............................................................................................
09
2.1 A vida de Shopenhauer ...................................................................................................
09
2.2 O contexto do século XVIII: Revolução francesa, industrial, Iluminismo
................ 10
2.3 Os anos de estudo e as posições teóricas assumidas .....................................................
12
2.4 Contra o idealismo Alemão e o materialismo
............................................................... 12 2.5 Contexto histórico e gestação de O mundo como vontade e representação
................. 14
2.6 A carreira universitária e a polêmica com Hegel sobre a intuição .............................
16
2.7 A glória tardia .................................................................................................................
17
3 TEORIA DO CONHECIMENTO
DE SCHOPENHAUER: INFLUÊNCIAS ............ 19
3.1 Influências
védicas ..........................................................................................................
19
3.2 A influência Kantiana .....................................................................................................
26
3.2.1 O Idealismo transcendental de
Kant ..............................................................................
26
3.2.2
Diferenças teóricas entre Kant e Schopenhauer
............................................................ 28
3.2.3 A redução da ordem categorial
de Kant em Schopenhauer ........................................... 30
3.2.4 A coisa-em-si e o fenômeno
...........................................................................................
32
3.3 A influência platônica .....................................................................................................
34
4 O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO .......................................................................
38
4.1 Sujeito e objeto ................................................................................................................
40
4.2 Espaço e tempo ................................................................................................................
42
4.3 Vida e sonho .....................................................................................................................
44
4.4 O entendimento
...............................................................................................................
46
4.5 O conhecimento do corpo ...............................................................................................
47
4.6 Representações intuitivas e abstrata .............................................................................
48
4.7 Crítica ao cientificismo ...................................................................................................
50
4.8 Crítica a filosofia .............................................................................................................
52
4.9 O saber .............................................................................................................................
53
4.10 Razão e conceito ............................................................................................................
53
4.11 O conceito e o erro ........................................................................................................
55
4.12 A consciência e a ciência ...............................................................................................
56
4.13 Razão Prática ................................................................................................................
56
5 CONCLUSÃO ....................................................................................................................
58
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................
60
1 INTRODUÇÃO
Arthur Schopenhauer
é autor de uma obra só, tal consideração é reconhecida por ele próprio ao
nomear seus trabalhos posteriores de complementos ou em latim Parerga e paraliponema. O mundo como vontade e como representação
é um tratado inteiro de filosofia que possui uma teoria do conhecimento, uma
filosofia da natureza, uma estética e uma ética.
Este trabalho
de pesquisa pretende pesquisar um dos aspectos fundamentais da primeira parte
do livro O mundo como vontade e como
representação de Schopenhauer, onde
se encontra a teoria do conhecimento representativo do autor, que traz a
luz da reflexão filosófica sua teoria do conhecimento. Uma investigação para
estabelecer como se formam as representações e como acontece a construção do
objeto no intelecto do sujeito. Um
empreendimento investigativo realizado no livro O mundo como vontade e como representação, na vida de Schopenhauer
e em seus pressupostos.
O título da
obra de Schopenhauer sugere duas formas de compreensão da realidade ou do
mundo, uma forma é a representação individual, a outra forma é da vontade. Esta
apresentação pode ser remetida a Kant quando ele separa o mundo fenomênico e o
mundo em-si, no caso de Schopenhauer, o mundo da representação e o mundo da
vontade.
O mundo como
representação é organizado segundo o princípio de razão e obedece a uma certa
ordem teórica e categorial sob a qual haverá um embate nesta pesquisa. Deixando
de lado, portanto, as considerações sobre o mundo em si ou as considerações
metafísicas que percorrem os demais temas da obra.
A partir
desta delimitação segue-se, em primeiro lugar, uma abordagem apresentando a
biografia e as influências teóricas que o autor sofreu. Este abordagem
compreende os capítulos dois e três desta pesquisa e segue, sobretudo, o método
histórico de abordagem.
No capítulo
dois consta a biografia de Schopenhauer com alguns elementos históricos que
deram origem à construção do seu pensamento .
No capítulo três se
faz uma análise de alguns dos pressupostos teóricos da teoria do conhecimento de
Schopenhauer. Estes pressupostos podem ser reunidos em três grupos de
influências que serão analisados separadamente, embora eles se inter-relacionem
entre si: os Vedas, Kant e Platão. É claro que outras influências poderiam ser
apontadas, mas serão levadas em consideração apenas as principais, embora se
dedique, mais pausadamente e com maior cuidado, à influência kantiana onde se
procura ao mesmo tempo apresentar alguns elementos teóricos do idealismo
transcendental de Kant, comparando-o com a filosofia de Schopenhauer.
Em um segundo
passo tem início a argumentação do autor a partir de um enfrentamento interno
abordando a ordem categorial e sistemática da teoria do conhecimento
representativo de Schopenhauer. Este quarto capítulo é central em nossa
análise, trata-se de um trabalho conceitual dentro do método dialético. Uma
abordagem do mundo fenomênico que se manifesta no tempo, espaço e causalidade,
ou seja, o mundo dos objetos de experiência para um sujeito que os representa.
2 ELEMENTOS HISTÓRICOS GESTORES DA TEORIA
DO CONHECIMENTO DE ARTHUR SHOPENHAUER
Na seqüência serão apresentados alguns fundamentos históricos da teoria
do conhecimento representativo de Schopenhauer. O presente capítulo, sobre a
vida de Schopenhauer, aponta para alguns elementos históricos gestores de suas
posições teóricas assumidas na exposição de sua obra. São referencias apenas os
pressupostos históricos de sua teoria do conhecimento, embora em certos
momentos não se possa fazer um recorte tão estridente.
2.1 A vida de Schopenhauer
O escritor de Memória sobre a
liberdade da vontade Humana, A
Metafísica como representação, Metafísica do amor, A morte, A arte, O
homem e a sociedade, A quádrupla raiz do princípio de razão
suficiente, Parerga e Paralipomena, Os dois problemas da ética, e outros
tantos livros. Mas foi com O
mundo como vontade e como representação, obra que Schopenhauer terminou de
escrever aos trinta anos de idade, que
ele ficou conhecido.
Primogênito de família ilustre, Schopenhauer veio ao mundo em 22 de
fevereiro de 1788 na cidade de Dantzig.
Nasceu sobre o signo da revolução francesa e industrial. Seu pai, Heinrich
Floris Schopenhauer,
um
comerciante
rico, queria fazer do
filho seu sucessor nos negócios. Aos 15 anos de idade Schopenhauer ganha, do
pai, uma viagem pela Europa: Alemanha, França, Holanda, Suíça, Itália, Áustria
e Inglaterra, em troca da viagem Schopenhauer em seu retorno se dedicaria ao
comércio, como era de vontade de seu pai.
Durante a viagem, Schopenhauer conheceu montes altos onde pode contemplar
a vastidão dos rios, vales e povoados. A contemplação passa a ser sua marca
registrada para o resto de sua vida, onde o interior do observador se confunde
com o exterior, num só sentimento de felicidade, liberdade e comunhão com o
divino.
Com a morte do pai, sua mãe,
Johanna Henriette Trosina,
romancista, rapidamente vende a empresa dos Schopenhauer e se muda para Weimar
onde funda um salão literário freqüentado por Goethe. Schopenhauer estava então
com dezesseis anos, mas sua mãe e ele jamais se deram bem, trocaram cartas
ásperas e cheias de ofensas.
Na velhice veio o reconhecimento pela sua obra, e a morte lhe foi
tranqüila. Morreu na companhia de seu cachorro a quem ele chamava de Atma.
Em
sua sala havia uma estatueta de Buda e outra de Kant.
2.2 O contexto do século XVIII: Revolução
francesa, industrial, Iluminismo
Arthur Schopenhauer veio ao mundo em
uma época em que a Alemanha era um aglomerado de pequenos estados
independentes. Schopenhauer nasceu junto com a luta pela unificação da
Alemanha.
No século XVIII o regime político
absolutista entra em decadência. Com a atividade principal voltada para o
comércio surge a burguesia composta principalmente por mercadores. Esta nova
classe social entra em choque com a nobreza da época que se caracterizava por
um poder ilimitado, centralização administrativa e uma economia voltada para o
acúmulo de recursos mercantis. Heinrich Floris, comerciante, pai de
Schopenhauer, pertencia a essa nova classe social que organizava duas
revoluções: francesa e industrial.
Em toda a Europa o ideal econômico
burguês aconteceu com ascensão ao poder de Napoleão Bonaparte, que após um
golpe de estado incorporou o ideal da burguesia. Foram anos de conflitos e
sofrimento por todos os lados. Nesta época, surge também a classe operária reivindicando seus
direitos. Embora o cenário tenha sido desolador, Schopenhauer jamais aceitou
que a origem de seu pensamento tenha relação com o sofrimento circunstancial
daquela época.
Para Schopenhauer a filosofia é metafísica,
porque vai além da física, não tendo nada a ver com historicidade.
Embora Hegel, seu contemporâneo, afirmasse justamente o contrário. Para Hegel a
filosofia é filha de seu tempo.
Somente no final do século XVIII
consolidou-se a revolução industrial contemporânea à revolução francesa.
Com a revolução industrial surgiram fábricas
nos grandes centros urbanos. Assim a burguesia instala seu meio de produção, empregando
operários que recebiam salário mínimo, por um turno de até dezesseis horas. O
século XVIII foi o berço de uma nova era. Com o emprego de mão-de-obra barata,
surgem ferrovias e locomotivas a vapor, soma-se a isso a descoberta de novas
teorias atômicas.
A deteriorização da
qualidade de vida é causa de problemas existenciais, resultando em reflexões
filosóficas no campo social, a exemplo disso surge Karl Marx.
Uma
das características do século XVIII, herdeiro do iluminismo, foi o
esclarecimento
dos homens em vários
aspectos. Os teóricos do iluminismo colocavam na razão a tarefa de iluminar o
espírito dos homens e livrá-los da ignorância deixada pela tradição escolástica
que os antecedeu. O iluminista depositava na razão toda sua fé, visto que ela é
comum a todos os seres humanos. A razão, segundo Kant (1724-1804) era empírica
e racionalista ao mesmo tempo, pois nunca se pode ir além da experiência
possível, portanto o limite é o mundo empírico.
Os iluministas voltavam seu olhar para
a ciência. A física de Newton recebia consagração e sua obra veneração.
Schopenhauer por um lado aceitara a crítica à superstição e à ignorância da
tradição, por outro lado denunciara a fé irrestrita para com a razão, a ciência
e a história.
Para
ele o mundo é cópia
de um universo
originário, portanto a história não pode ser vista como ordenadora dos fatos, não
pode ser confundida com ciência. Quanto à razão, ela é simples conseqüência da
intuição. A razão necessita de dados empíricos, como poderia então ser ela o
ponto principal da conduta humana? A ciência guiada somente pela razão não é
metafísica, deixando o homem sem respostas para os grandes enigmas.
2.3 Os anos de estudo e as posições teóricas assumidas
Com o tempo Schopenhauer se instala como quem se acomoda para passar
muito tempo em um só lugar. Busca abrigo em um lugar sossegado e adquiri objetos
que irão lhe acompanhar por toda sua existência: obras de Platão e Kant, um
busto de Sócrates e o retrato de Goethe. Nessa época Schopenhauer adquire um
cão e deu a ele o nome de Atman, este cão o acompanhou até a sua morte com 72
anos de idade, sobrevivendo ao próprio dono. O cachorro Atman, ao morrer, era
substituído por um novo cachorro que sempre recebia o mesmo nome e as mesmas
regalias de seu dono.
Schopenhauer, com esse gesto, caracteriza um eterno retorno da alma do mundo,
Atman.
2.4 Contra o idealismo Alemão e o
materialismo
De
1811 a 1813,
então com 23 e 25 anos de idade,
Schopenhauer estuda na
Universidade
de Berlim, lá freqüenta os cursos de Fichte, pensando encontrar solidificação
para a visão de mundo. Decepcionado nega o idealismo de Fichte.
Fichte procurava um princípio
unificador das três críticas de Kant, que fosse ao mesmo tempo um princípio a
partir do qual toda a realidade pudesse ser explicada. A novidade de Fichte foi
ter transformado o
Eu penso kantiano
em
Eu puro, entendido por ele como
intuição pura que se auto-cria, criando assim toda a realidade; na essência
desse
Eu está a liberdade. Ao colocar
o
Eu como princípio primeiro e
absoluto, e dele deduzir toda a realidade, Fichte cria o idealismo Alemão a partir
de um
Eu que cria a si mesmo. Não
havendo, nesse sentido, identidade entre o sujeito e o objeto. Existindo tão
somente ligação lógica pelo
Eu que
pensa sua própria lógica indo além de si e com isso criando a si mesmo, nesse
caso, o objeto é uma idealização do sujeito. Schopenhauer via nessa doutrina um
dogmatismo que despreza a coisa-em-si kantiana, partindo de um Eu absoluto para
construir o objeto que é, nesse caso, um Não-Eu.
Schopenhauer via nessa teoria um
idealismo que nega a
coisa-em-si de
Kant. A natureza exterior da qual o idealismo de Fichte está assentado,
precisa, em primeiro lugar, ser deduzido do
Eu
absoluto, isto é deduzir o não-
Eu do
Eu, e não da
coisa-em-si. Assim desaparece a essência do mundo. Fichte com isso,
segundo Schopenhauer, despreza a maior descoberta filosófica, a
coisa-em-si.
Para Schopenhauer sujeito e objeto possuem existência um para o outro, ambos são
inseparáveis para a representação, um só tem existência com a outra metade. A
representação não pode ser separada do objeto visto que elas são uma coisa só.
Schopenhauer também nega o
materialismo por considerar a representação um efeito do objeto. Do sistema
materialista partiram Tales e os jônicos, Demócrito, Epicuro, Giordano Bruno
entre outros tantos. Este sistema não leva em consideração a relação do sujeito
com o objeto, nem mesmo pensa o fato de que as coisas só têm existência para o
sujeito. Por não dar importância ao sujeito, também desconsidera o entendimento
e a lei de causalidade. E assim tenta encontrar o mais simples estado da
matéria e dele desenvolver todo um sistema. Esse absurdo fundamental consiste
em explicar a matéria a partir da objetivação de um princípio último. A matéria
aqui é pensada como algo existente em si, independente da existência ou não do
sujeito.
Portanto, a ciência da natureza é tão
somente um materialismo levado ao extremo. Schopenhauer considera tanto o
idealismo quanto o materialismo, teorias errôneas. Para corrigir esse erro ele
parte do conhecimento representativo que implica, simultaneamente, sujeito e
objeto. Ao pensar no objeto, necessariamente se está pensando no sujeito. Não é
possível pensar em um sem pensar no outro; pois os dois conceitos estão ligados
analiticamente. O conhecimento assim se acontece com a relação do sujeito que
conhece, com suas categoria do conhecimento, e o objeto a ser conhecido pelo
sujeito. Ser-objeto é ser conhecido por um sujeito. Ser-sujeito é conhecer o
objeto.
2.5 Contexto histórico e gestação de O mundo como vontade e como representação
O
jovem Arthur em 1813, por causa da guerra dos prussianos contra os franceses,
foge para Berlin. Hospeda-se em um hotel em Rudolstadt, nos arredores de
Weimar. Ali escreve sua tese de doutorado: Sobre
a quádrupla raiz do princípio de razão suficiente. Contendo os princípios
de sua teoria do conhecimento. Uma tentativa em compreender o desempenho dos
sentidos e do intelecto e sua relação com a realidade.
Em Rudolstadt não redige tão somente
sua tese de doutorado, mas também sua filosofia com pressupostos baseados na
tradição dos antigos, em Kant, e por anotações feitas em sua viagem pela
Europa. A filosofia Schopenhauriana faz um exame quase anatômico dos sentidos.
Em
1814 Schopenhauer se instala em Dresde. Havia antes disso passado um tempo em
Weimar, onde conviveu com literatos, e um tempo em Berlim. Dresde é a cidade das
artes. “Os cultivadores do belo ali se iniciam ou se aperfeiçoam na pintura, na
música e na escultura.”
Dresde possui uma das mais ricas bibliotecas do país, e Schopenhauer
passa ali boa parte do seu tempo estudando velhos livros indianos. Está no
apogeu de sua atividade intelectual. Escreve O Mundo como vontade e como representação e descreve o homem como
escravo do desejo.
Nos dias e nas horas em que os impulsos sexuais são
mais fortes, chegando às raias da volúpia ardente, também as forças do espírito
atingem seu máximo potencial ... Resta-nos não permitir que o objeto de nosso
prazer se assenhoreie da consciência ... Precisamos reagir, canalizar essas
energias para as vias superiores da atividade espiritual intensa e consciente.
Tal é o primado da luz. E não permitir que enveredem pelo caminho da volúpia
torturante, escravizante, desesperadora: o primado das trevas...
Um mês após sua chegada a Dresde, Schopenhauer começa a reunir material e
apontamentos que, a princípio, parecem sem nexo. Somente em 1817 é que ele
começa a dar forma a sua obra, ordenando as idéias. Estava então no apogeu de
suas forças, revelações lhe vinham por todos os lados, fazendo brotar em seu
cérebro uma série de idéias. Uma obra assim só poderia surgir no vigor da
mocidade e com inspiração superior. Em 1818, Schopenhauer inclui seu
doutoramento em O mundo como vontade e
como representação. Obra essa que é composta por quatro livros. O primeiro,
sobre a teoria do conhecimento. O segundo, sobre filosofia da natureza. O
terceiro, sobre filosofia da arte. O quarto, sobre moralidade. Esse foi um
período febril.
Schopenhauer faz jus a fama de louco, certa vez em uma flora da cidade,
ele perguntou as plantas qual seria o motivo de tantas cores e diversidade.
“Que me dizem esses vegetais com suas conformações esquisitas? Qual será a
essência íntima, e qual a vontade que se manifesta nessas folhas e nessas
flores?!”
Fazia a
pergunta para os vegetais em voz alta.
Schopenhauer termina O mundo como
vontade e como representação antes de completar trinta anos. O próprio
Schopenhauer dizia ser essa a obra de uma vida inteira, pois não acreditava
produzir no futuro algo melhor. Sua obra é um novo sistema filosófico, um
sistema de idéias coerentes. Schopenhauer dizia:
Em sua essência, as idéias que compõem
já estavam em minha cabeça há quatro anos. Durante esse período, não fiz outra
coisa senão elaborar meu sistema e consultar obras que lhe diziam respeito. Mas
não foi senão de um ano para cá que comecei a redação definitiva, seguida e
compreensível a todos...
O mundo como vontade e como representação,
possui um estilo próprio, isto significa
dizer que seu autor é dono de idéias próprias. O livro tem uma abordagem
que leva a compreensão da
contemporaneidade, pois a sexualidade é, para Schopenhauer, o elemento
que define o homem, esse pensamento tem repercussão em Freud. A arte como sendo
o espaço privilegiado da verdade, influenciará inúmeros artistas. A noção de
vontade dará seguimento ao pensamento de Nietzsche. A paixão como fundamento
da moral e inspiradora de
Horkheimer,
membro
da
escola
de
Frankfurt.
O mundo como vontade e como
representação, a princípio teve uma
tiragem de oitocentos exemplares.
2.6 A carreira universitária e a polêmica
com Hegel sobre a intuição
Em
1819, aos 31 anos de idade, Schopenhauer tenta a carreira universitária em Berlim. No
entanto, fracassa por não possuir alunos. Suas aulas eram ministradas no mesmo
horário das aulas de Hegel ― famoso desde aquela época.
O ponto de partida de Hegel é a
história, pois é na história que o espírito humano atinge a auto-realização, e o
devir traz consigo a verdade e o essencial para o “gênero humano”.
Segundo Hegel, “o grande conteúdo da história do mundo é racional, e deve ser
racional.”
Alem
disso, a moralidade hegeliana do indivíduo se dá no cumprimento do dever, de
acordo com a posição social ocupada pelo indivíduo. Hegel acreditava que tudo o
que o homem é, ele deve ao Estado, pois dentro dele está o seu ser.
Schopenhauer contra-ataca Hegel em sua
obra
Parerga e paralipomena, dizendo que
esse ponto de vista eleva os apreciadores do Estado. Schopenhauer os chamava de
burguesia de espírito vulgar, sem necessidades espirituais, que possuem como
fim supremo o Estado.
Outro
ponto em que os dois filósofos discordaram, é sobre a intuição. Segundo Hegel,
existe no saber uma certeza imediata, portanto intuitiva, que afasta do sujeito
o conceito, trata-se de uma pobreza para a sabedoria verdadeira, pois o
imediato não contém a consciência, apenas o ser da coisa. Eu sou apenas o
este, e a coisa, nesse caso, é um
isto, não havendo a compreensão do que a
coisa é, portanto, ausência de consciência e de relação em si e para com o
outro. Nesse caso, não se estabelece uma relação verdadeira entre o
Eu e
A
Coisa. Em Hegel, a mediação está na relação um para com o outro, em outro
momento, a relação se dá onde um é para o outro, o eu que sabe do objeto e que
está ai para ele. É necessário então saber se o objeto é verdadeiro, se é ele a
essência que lhe foi atribuída. Para avaliar
essa essência é preciso rever o conceito a ela atribuído, essa proposta tem
sua viabilidade através da
Fenomenologia
onde o espírito perpassa a história desse objeto para verificar a veracidade de
sua essência. Não se deve questionar o objeto, mas sim a certeza sensível que
se tem nele,
a certeza de um saber que
afasta o seu conceito.
A
fenomenologia faz um movimento ingênuo com a consciência em direção do saber
absoluto, pois há no pensamento que subjaz tanto na consciência quanto no
objeto algo de universal, desfazendo assim a estrutura tradicional de um
sujeito que está frente ao objeto.
Schopenhauer nega a possibilidade de um conhecimento que tenha por objeto
a história. Para ele o conhecimento acontece pela intuição, no momento atual e
na vida experienciada. Afirmar a história é o mesmo que negar todo o
conhecimento intuitivo que só pode acontecer no presente. Hegel e Schopenhauer discordam quanto à intuição,
para Hegel há no saber imediato (intuitivo) uma ausência de consciência, uma
pobreza de conceito. Hegel demonstra que todo ser é relacional, portanto
racional, e a intuição aceita verdades que não demonstram essas relações para a
comprovação de suas verdades. Mas, para Schopenhauer, existe na intuição um
saber que está compreendido na própria essência do todo condicionado ao sujeito
que representa o mundo.
Schopenhauer desiste da carreira
universitária em 1822, com 34 anos de idade, e vai para a Itália descansar. Queria
se livrar dos aborrecimentos, consolando-se com as obras de arte e com as
paisagens daquele lugar. Ao retornar, um ano após, deprime-se com a decadência
da carreira universitária. Reinava na filosofia acadêmica Hegel, a quem ele
considerava um farsante.
2.7 A glória tardia
Schopenhauer queria a consagração pública. Sentia-se elevado a um lugar
que jamais poderia imaginar, mas tudo que recebeu da vida foi a solidão. Queria
conhecer uma criatura humana, no entanto, sua vontade se mostrou inútil, continuava
a se sentir só. Schopenhauer jamais repeliu alguém, não fugiu de pessoa de bom
coração e digna de ser humana, apenas não encontrou tal criatura. Tudo o que
ele encontrou pela vida foram miseráveis de mentalidade baixa, com exceção de
Goethe. Schopenhauer percebeu a diferença que existia entre ele próprio e os
demais homens. Contentava-se em ser uma exceção em meio a uma natureza precária
que institui os homens. Aprendeu a suportar com paciência a solidão que somente
os reis possuem.
O reconhecimento pela obra de Schopenhauer, vem quando ele escreve o Ensaio sobre a liberdade da vontade, em
1821. Nesta ocasião recebe uma premiação concedida pela Real Sociedade de
Ciências da Noruega. A glória chega aos 63 anos de idade. Quando alcança a fama
está morando em Frankfurt, e é importunado pelos turistas desejosos em conhecer
o filósofo das dores do mundo. Schopenhauer tocava flauta doce todos os dias
após as refeições, reverenciava Mozart,
Rafael, Goethe e Kant.
No final da vida recusou a proposta de ingressar na academia de Ciências
de Berlim, disse que teria vivido bem até então sem esta honraria, não seria
agora que precisaria dela. Morreu
aos 21
de setembro de 1860 com semblante tranqüilo.
Schopenhauer morreu deixando à
posteridade um legado filosófico que influenciou Nietzsche, Freud, Thomas Mann
e outros tantos. A representação que Schopenhauer fez do mundo demonstra que
foi pela ótica do indivíduo que ele construiu sua teoria do conhecimento. Sua
filosofia resulta de uma intuição de mundo ancorada nos conceito de Platão,
Kant e dos Vedas.
3 TEORIA DO CONHECIMENTO DE SCHOPENHAUER: INFLUÊNCIAS
A proposta deste capítulo é a de
analisar alguns pressupostos teóricos da teoria do conhecimento do autor. Estes
pressupostos podem ser reunidos em três grupos de influências que serão
analisados separadamente, embora eles se inter-relacionem entre si: os Vedas,
Platão e Kant. É claro que outras influências poderiam ser apontadas aqui, no
entanto, este trabalho visa tão somente as influências consideradas de maior
relevância para a teoria do conhecimento representativo.
3.1 Influências védicas
Na seqüência serão apresentados alguns
elementos históricos e teóricos da perspectiva indiana, baseada nos Veda e nos livros inspirados pelos Vedas chamados de vedanta, que tem por
fio condutor o mundo fenomênico e sua causa. Com isso será possível compreender
melhor a origem da teoria do conhecimento representativo de Artur Schopenhauer.
O mundo exterior se apresenta à
Schopenhauer, somente como representação. Mas há um ponto, onde os impulsos
agem, onde o desejo e o prazer se mostram como algo real nas ações dos corpos
humanos, esse ponto se presta à reflexão. Somente no homem existe essa dupla
reflexão: mundo interior e mundo exterior. Há no mundo exterior um interior que
é acessível pela representação de um sujeito.
Com este pensamento, Schopenhauer desde
de 1814 estuda os Upanixades, lê com regularidade os artigos do Asiatischen Magazin, procurando saber
tudo sobre a Índia. Os Upanixades chamam de Maya
ao devir e as mais variadas formas de vida. Schopenhauer escreve em 1814:
El ser humano... es presa de la ilusión y esta ilusión es tan real como a vida,
como el miesmo mundo de los sentidos, posto que és uma sola cosa com el
(La Maya de los hindúes): todos nuestros deseos y pasiones se fundam em ella y
son a sua vez expresión de la vida, Del miesmo modo que la vida es expresión de
la ilusion.
Não existe um consenso entre os historiadores, sobre a origem dos
Vedas. A maioria dos comentadores se limita
a dizer que se trata de uma sabedoria muito antiga, outros nem mesmo falam de
sua origem.
Os que
propõem alguma data estabelecem para os
Brahmanas,
no início de 600 a.C., e os
Upanixade 800-300 a.C.
Todos esses saberes formam uma famosa coletânea composta de textos místicos e
esotéricos conhecidos como
vedanta. No entanto, os elementos
dessa visão, estão dispersos nas diferentes partes da literatura védica, por
isso foi preciso ampliar o estudo com obras que foram escritas inspiradas pelos
Vedas, nesse caso vedanta, visto que
os próprios
Vedas, são hinários e
ensinamentos sobre rituais.
Os brâmanes, antecessores ao budismo, se preocupavam em solucionar o
problema da existência humana, em seus fundamentos podem ser encontrados
sacrifícios, rituais e oferendas aos deuses. Assim como os deuses Gregos, os
deuses védicos
também
influenciam nos assuntos humanos. Indra é um deus guerreiro; Brahma representa
o universo, o verbo, com ele Atma a alma individual tenta se harmonizar.
A
história dos vedas inicia relatando uma briga entre os deuses e a raça Ariana.
Os deuses venceram a luta, mas Arjuna, tendo Deus a seu lado, apiedou-se dos
Arianos, mesmo tendo eles a seu lado a cobiça.
Os
Upanixades servem de base para um dos seis sistemas rígidos do
pensamento hindu, neles estão contidos conceitos básicos sobre o certo e o
errado, e sobre o destino humano. Os
Upanixades trazem a noção de
Brahma
― o Princípio Supremo e fundamento do Universo. O impulso mantenedor desta
ordem é o Karma de cada homem.
O
Karma é conseqüência dos atos, dos pensamentos, de palavras proferidas por cada
indivíduo e
sentimentos experienciados
em existências passadas. Existe a idéia de que todas as ações de vidas
anteriores têm conseqüência para a existência atual, uma relação de causa e
efeito que tem por resultado o Karma ou causalidade. No presente o homem colhe
aquilo que semeou no passado, sendo somente o homem responsável pela sua
existência e não o divino. Nesse contexto, são explicadas as diferenças entre
as pessoas, cada indivíduo é o resultado de várias existências, interligando
dharma (código de conduta) e karma (ação, pensamento e sentimento).
O
homem védico possui livre-arbítrio em sua existência atual, lançando as bases
para melhorar a existência futura. Nos
Vedas
e
Puranas, as pessoas são
influenciadas por Maia, à Ilusão, o mundo da aparência é inconstante e
inessencial destituído de ser, comparável a ilusão e ao sonho, exercendo efeito
mágico sobre as pessoas, um véu que envolve a consciência humana. Algo que é
igualmente falso e igualmente verdadeiro. E assim o Homem védico fundamenta
suas afirmações a partir de uma intuição geral de mundo exposta pela
consciência de forma mítica e poética.
O
Bhagavad-Gîtâ é um conjunto
harmonioso da doutrina Pantanjali, Kapila e
Vedas.
Ele
inicia com o relato de uma guerra liderada por Arjuna, exatamente como nos
Vedas. Nessa guerra, Arjuna tem que
lutar contra seus próprios parentes, mais do que isso, ele tem que lutar contra
o egoísmo de seus parentes, seus prazeres e de suas paixões. O egoísmo, os
prazeres e as paixões formam o exército de ilusões. A tarefa de Arjuna é a de
vencê-los para chegar ao conhecimento de sua verdadeira essência divina. No
entanto, muitas dessas ilusões se tornaram agradáveis, por isso, vencer a luta,
tornou-se tarefa difícil de ser realizada.
Na batalha, Arjuna se encontra rodeado de ilusões que pertencem a sua natureza
inferior.
O livro
Bhagavad-Gîtâ começa
com o que parece ser uma luta entre povos, no entanto, aos poucos, é possível
perceber que Arjuna luta contra sua própria ilusão.
O
Eu superior luta contra a ilusão do
Eu inferior, luta contra as formas
existentes no mundo fenomênico em contraste com o
Ser eterno.
Nessa obra, os sentidos estão relacionados a certas faculdades mentais, assim é
possível sentir calor, frio, prazer e dor. Estes sentidos vão e vêm por
pertencerem ao tempo. Mas o homem que não se atormenta por estas coisas e se
mantém inabalável no meio do prazer e da dor, conservando seu ânimo, esse
entrou no caminho da imortalidade.
Existem dois caminhos para atingir a imortalidade, um é o caminho do
conhecimento, o outro é o da ação. Porém, do “alto”, ambos são um só caminho.
Quem pensa escapar da ação, permanecendo na inatividade, não encontra a paz
eterna. “Quem nada começa, não pode entrar no estado da Paz Eterna; a
inatividade não conduz a perfeição.”
A ação é geradora da lei de causa e efeito. A ação tanto pode dar início
à perfeição de uma pessoa, como levá-la ao sofrimento em sua próxima
existência. A vida atual sofre influência da vida passada. Assim as leis de
causa, efeito e causalidade, em todo o vedismo, estão presentes no mesmo
sentido em que Schopenhauer
as descreve.
Para ele a essência da matéria
é fazer
efeito, o tempo passado influencia o momento presente, e o presente influencia
o futuro, portanto, a causa do presente está no tempo passado. A ação é tratada
por Schopenhauer em sua tese de doutorado,
Sobre
a quádrupla raiz do princípio de razão suficiente chamado de princípio de
atuar, onde se estabelece a razão das ações e das decisões que conduzem a uma
determinada ação. A ação, tanto para Schopenhauer quanto para o hinduísmo é
causalidade. Também é possível encontrar presentes no hinduismo outros dois
princípios de razão Schopenhauerianos: o princípio do devir ou da causalidade,
e o princípio de razão de ser. Nesse último se fundamenta toda a matéria e sua
relação entre si. Com esses princípios Schopenhauer justifica todos os
fenômenos, porque segundo ele, tudo tem uma razão de ser. Esses três princípios
de razão, nos
Vedas estão sintetizados
na lei de Karma e Darma. Quanto ao princípio de conhecer, contemplado por
Schopenhauer, os
Vedas apenas o
pressupõe, ou seja, o conhecimento é algo que subjaz ao texto, pois, se é
possível conhecer a causa a partir de seu efeito, então, quais são as leis do
conhecimento, como esse conhecimento é possível? No entanto, como ele não é
tratado objetivamente nos livros do hinduísmo, levando em consideração que em
Schopenhauer esse princípio trata de juízos que tornam possíveis a verdade de
qualquer conclusão, referido princípio de razão ficou a margem desse trabalho. Outra
semelhança de pensamento entre o hinduísmo e Schopenhauer, é quanto ao
Ser superior que Schopenhauer nomeou de
Sujeito. “Aquele que tudo conhece mas não é conhecido por ninguém é o sujeito”.
Para o hinduísmo, o
Ser ou
Eu superior, é aquele que tudo conhece
mas não é conhecido por ninguém.
Mas de todos os seres, passados presentes ou futuros,
nenhum Me conhece plenamente. Eu os tenho todos em minha mente, mas as suas mentes
não podem conter-Me em minha essência.
Os que em Mim se refugiam e a mim pertencem,
repousando em Mim como a criança no seio da mãe, esforçam-se por se libertar
dos vínculos da mortalidade e reconhecer-Me como Brama, como o EU Real, o
infinito, O Eterno, o Absoluto. Eles sabem que eu sou Adhyâtman (a alma das
almas), Karma (a lei da causalidade),
Adhibhûta (Princípio universal da vida), Adhidaiva (Deus dos Deuses, a Deidade
suprema) e Adhiyajña (o Supremo sacrifício). Quem assim Me conhece, e com o coração
cheio de amor e com a mente firme em Mim pensa, na hora da morte comigo se
unirá para sempre.
Schopenhauer diz ser o homem um microcosmo análogo a um grande organismo.
No
Bhadavad-Gîtâ está escrito: “este
universo de matéria é a minha matriz, em que ponho o germe de que provêm todos
os seres”.
Também
é bom salientar, embora claro já esteja, que tanto para Schopenhauer quanto
para o hinduísmo existem dois mundos, um é sensível, instável e fenomênico, o
outro é um mundo inteligível, sendo ele a causa do mundo sensível. Semelhante
doutrina pode ser encontrada em Platão.
O pensamento védico encontra seu eco no budismo, e a idéia de uma morte
seguida de nascimento (doutrina da reencarnação), aparece no budismo como
conseqüência dos
vedas. Essa doutrina
recebe o nome, no budismo, de doutrina do
Samsara,
uma espécie de migração circular sem fim.
O
renascimento pode acontecer em um corpo animal ou humano, nas mais variadas
condições sociais e de acordo com os méritos dos atos passados.
A doutrina de Buda
parte do princípio da extirpação das causas do sofrimento que estão em todos os
seres humanos
. A libertação resulta
de uma compreensão sobre a experiência de vida de cada indivíduo, pois é com a
experiência que se conhece o
Eu ou o
Ego.
Em sua segunda pregação, Buda mostra as três características de toda a
realidade fora do Nirvana: “ela é instável, por isso sofredora, e ainda por
isso representa o não-eu, o não-meu. Se fosse algo meu, estaria sobre o meu
poder, por isso livre da dor (eu
a
evitaria), e ainda por isso estável, pois a instabilidade é que gera a dor da
privação
.”
Certa
vez, quando Buda se dirigia para Benares, encontrou um homem que viajara com
sua amante, mas no meio da viajem ela fugiu levando seus pertences, e por isso
todos a procuravam. Perguntou então a Buda se ele a encontrara. Buda respondeu:
― Farias melhor procurando o ego em vez da mulher ― o homem se fez discípulo de
Buda. Na doutrina de Buda é importante a renúncia de si mesmo e aniquilar o
egoísmo pela supremacia de um Eu superior.
Buda
continuou caminhando acompanhado de mil discípulos, pregou a reis, bramares e
chefes de família sobre a “
Lei eterna”.
Falou
que tudo aquilo que tem um início, também terá um fim. “De tudo que teve uma
origem causal, aquele que achou a verdade mostrou a causa; e de todas estas
coisas, o grande asceta igualmente explicou a cessação”.
Tudo está implicado nessa
proposição, sendo ela um resumo de toda doutrina budista, pois nela está
contido a compreensão e a retirada das causas do devir, do desaparecimento do
desejo, do ressentimento e da ilusão.
O homem
egoísta de Buda em Schopenhauer representa o mundo. O egoísta diz isto é meu,
minha propriedade, meus filhos, minha mulher, minha casa etc, o mundo do “meu”
é o mundo do egoísta. “O mundo é minha representação”,
diz Schopenhauer.
Em Buda
a pluralidade acontece pela multiplicidade de desejos do ego que os homens
carregam pela vida, em Schopenhauer a pluralidade toma sua forma pela
efetivação da vontade egoísta em vários níveis da natureza. Para Buda o homem
não é um homem superior, mas sim um conjunto de egos inferiores com um Eu superior; o homem Schopenhauriano é
uma representação do sujeito e não coisa-em-si.
Tanto
Schopenhauer quanto Buda partem do mal para edificar seu pensamento, ambos
falam de algo que está para além da pluralidade, um
Eu superior, um sujeito, uma
coisa-em-si.
Dois homens compartilhando o mesmo ponto de vista, o do mal. O pensamento
existencial de Schopenhauer fez dele um budista contemporâneo, nascido na
Alemanha.
Schopenhauer fala de um ponto de vista
védico oriundo do budismo, dos Vedas,
Puranas, e, segundo Barbosa, do Taoísmo.
― Se, no entanto, o leitor já freqüentou a escola do
divino Platão, estará ainda mais preparado e receptivo para me ouvir. Mas se,
além disso, iniciou-se no pensamento dos Vedas
(cujo acesso permitido pelo Upanixade,
aos meus olhos, é a grande vantagem que este século ainda jovem tem a mostrar
aos anteriores, pois penso que a influência da literatura sânscrita não será
menos importante que o renascimento da literatura grega no século XV), se
recebeu e assimilou o espírito da milenar sabedoria indiana, então estará
preparado da melhor maneira possível para ouvir o que tenho a dizer. Gostaria
até de afirmar, caso não soe muito orgulho, que cada aforismo isolado e
disperso que constituem o Upanixade
pode ser deduzido como conseqüência do pensamento comunicado por mim, embora
este, inversamente, não esteja lá de modo algum já contido.
Os
Upanixadse fazem parte dos
livros sagrados da sabedoria védica, eles datam de VIII-IV a.C.
Neles encontra-se a doutrina de que por trás dos acontecimentos da vida,
conforme a experienciamos pelos sentidos, existe uma realidade ulterior e
verdadeira, associada ao tempo, espaço e causalidade, essa realidade é
inalterável, eterna e imortal. Seu nome é Brahma ou Atma.
Schopenhauer insiste que seu pensamento será melhor compreendido se o
leitor tiver conhecimento do hinduismo e da escola do divino “Platão”.
Do induismo Schopenhauer assimilou os dois mundos, um visível ao sensível,
outro real e invisível.
Ele também assimilou da sabedoria oriental a relação causal que existe entre os
dois mundos: o mundo invisível é a causa do mundo sensível.
O mundo está envolto no véu da representação, o mundo que aparece é uma
ilusão. A filosofia Schopenhauriana, após denunciar a ilusão do mundo submetido
a incontáveis mudanças, aponta a imortalidade da essência intima do mundo, a
vontade. Demonstra o erro em se pensar na morte como um mal; a morte não é o
fim, ela é apenas o desaparecimento do fenômeno corporal.
A filosofia de Schopenhauer é um eco do budismo que contém os
ensinamentos do Buda Siddharta Gottama, nascido na Ásia central. Os dois
sábios, Buda e Schopenhauer, consideravam a vida uma jornada de dores. O
sofrimento é resultado dos desejos incessantes. Para que estes desejos cessem
se faz necessário renunciar a satisfação com os prazeres da vida, assim se
atinge o Nirvana, pela negação da
vontade.
3.2 A Influência Kantiana
Serão apresentados na seqüência, alguns elementos teóricos do idealismo
transcendental de Kant, para em seguida comparar esta filosofia com a teoria do
conhecimento representativo de Schopenhauer. Demonstrar assim as influências
desta filosofia de Kant em relação a Schopenhauer. Posteriormente se fará uma
dissertação de como se processa a redução realizada por Schopenhauer da ordem
categorial kantiana das doze categorias para apenas uma em Schopenhauer.
3.2.1 O
idealismo transcendental em Kant
O conhecimento, até então, desde os
gregos, sempre fora explicado pelo Ser
presente nos objetos ― o Ser do
objeto se apresenta à razão para ser conhecido por ela. Conhecer, era conhecer
o Ser. O centro de gravidade, nesse
caso, estava no objeto, pois ele continha o Ser.
Com a revolução copernicana feita por Kant, o sujeito constrói o objeto a
partir da razão pura, conseqüentemente, o centro de gravidade não está mais no
objeto, mas sim na razão que procura conhecer o objeto. “Só conhecemos a priori
das coisas o que nós mesmos nelas pomos.” Cada
sujeito conhece com sua razão aquilo que se mostra a ele; isso só é possível
porque no sujeito se encontram as categorias do entendimento, que possibilitam
o conhecimento. Com
isso tem origem o idealismo transcendental e a pergunta pela possibilidade de
um conhecimento a priori.
Com a revolução copernicana Kant estabelece seus pressupostos básicos: 1)
a metafísica está para além de toda a possibilidade de experiência; 2) somente
aquilo que se sabe antes de toda experiência pode alcançar mais do que a
própria experiência possível; 3) em nossa razão se encontram princípios do
conhecimento daquilo que é dado a priori a partir da razão pura, como formas do
intelecto e leis da representação que o sujeito faz da existência das coisas.
Na
Crítica da razão pura, Kant
faz um estudo sobre os conceitos a priori e as formas puras da intuição
empírica, nesse caso, a pergunta que Kant tenta resolver é: como são possíveis
juízos sintéticos a priori.
Kant chamou de transcendental a filosofia que expõe os princípios sintéticos a
priori.
Todo conhecimento começa no tempo, é através da experiência realizada no
tempo que se adquire conhecimento do objeto que também está no tempo, aguçando
desta forma nossos sentidos e inteligência. No tempo todo conhecimento decorre
da experiência.
Nosso
conhecimento
empírico advém das
impressões e das faculdades cognoscitivas. Mas não é só no tempo que adquirimos
conhecimento. Em Kant existem dois tipos de conhecimento: um a priori com
origem no conhecimento que não vem da experiência e dos sentidos, mas sim da
universalidade e da necessidade, e outro a posteriori com origem na
experiência.
Se algo é necessário e universal, então é a priori. Já a experiência diz
que algo é assim, mas não diz que poderia ser diferente; ela também não faz
juízos universais, e sim indutivos, pois sua análise é parcial, não levando em
consideração que toda regra tem sua exceção, e um juízo universal não admite a
exceção.
Alguns conceitos de objetos não fornecidos pela experiência, separam-se
dela, estendendo, ao que parece, seu juízo para além de seus próprios limites,
é o caso de Deus, liberdade e imortalidade, esses são assuntos para a
metafísica que é dogmática e um constante tatear envolto em confusão,
permanecendo em uma fase pré-científica.
A metafísica é
indispensável à natureza da razão humana embora seja ela tão somente um ensaio.
Na crítica da razão é preciso
determinar quais são os limites para o conhecimento, com isso encontrar aquilo
que está fora do alcance da experiência. Tudo que se tem até agora em termos de
metafísica é mera decomposição ineficaz de conceitos dogmáticos, quando o
intento verdadeiro consiste em compreender o conhecimento científico a priori.
Assim será necessária muita firmeza de propósito para não nos afastarmos desta
ciência tão importante a razão humana. Nesse sentido, Schopenhauer estabelece
limites para o conhecimento, diferenciando aquilo que pode ser conhecido pela
razão daquilo que está fora dela, exatamente como Kant desejava. Schopenhauer
diferenciou o conhecimento representativo, do conhecimento da vontade, nesse
último repousa a metafísica schopenhauriana.
3.2.2
Diferenças teóricas entre Kant e Schopenhauer
Neste item serão explicitados os
principais pressupostos kantianos que deram origem ao pensamento de
Schopenhauer. Mas Schopenhauer alerta que é bem mais fácil apontar as falhas na
obra de um gênio do que dar continuidade a ela, pois é difícil dar seguimento
ao pensamento de um grande espírito. Há na obra do gênio, um selo que garante
sua excelência e vigor sobre todo o gênero humano.
O
que Schopenhauer quer com seu pensamento no tocante a Kant, é justificar sua
própria doutrina ao refutar alguns pontos da doutrina kantiana. Em outros
pontos, a doutrina Schopenhauriana fica inteiramente sobre a influência
kantiana, a pressupõe necessariamente, ficando assim sobre a impressão da obra
de Kant, ao lado do mundo intuitivo dos hindus e da doutrina platônica. Kant é
considerado por Schopenhauer
o filósofo
por excelência.
Schopenhauer aceita o transcendental de Kant na medida em que no sujeito estão
as categorias para o conhecimento, ou segundo Schopenhauer a categoria da
causalidade, que nada mais é do que a capacidade que o sujeito tem de
relacionar o efeito a sua causa. Assim o conhecimento se torna relativo a
condição humana. Embora alguns comentadores afirmem com isso um idealismo em
Schopenhauer, é preciso lembrar que no conhecimento representativo, sujeito e
objetos são duas metades inseparáveis e a priori para o conhecimento. Onde o
objeto não é uma construção mental, mas sim uma relação entre as duas metades: sujeito
e objeto. Na representação, o objeto não é causado pelo sujeito, não se deduz
do sujeito o objeto.
A
representação é uma síntese entre sujeito e objeto.
É com o conhecimento representativo, e com a doutrina da sensibilidade e
das formas puras da intuição, que Kant e Schopenhauer se assemelham. Embora,
para Kant a intuição é empírica, enquanto Schopenhauer a intuição é intelectual.
Kant faz uma crítica da razão pura, Schopenhauer faz sua crítica aos erros
cometidos pelo desprezo pela intuição e dos erros cometidos em nome desse
desprezo. Schopenhauer entende que a razão tem uma única função, ligar
conceitos.
A revolução copernicana é um marco no
pensamento moderno; a partir de Kant a pergunta pelo conhecimento se tornou a
pergunta pelas condições que possibilitam o conhecimento. Schopenhauer, nesse
sentido, deu continuidade ao pensamento kantiano, no entanto, algumas
diferenças existem entre o mestre e o discípulo: Para Schopenhauer, Kant na
Crítica da razão pura se ocupa mais com
o conhecimento abstrato do que com o conhecimento intuitivo, ao contrário de
Schopenhauer que valoriza o conhecimento intuitivo.
Segundo Schopenhauer a filosofia kantiana é uma abstração de
conceitos do objeto, um conhecimento reflexivo peculiar à razão e sem
valorização da intuição intelectual. Para Kant o conhecimento relativo à
sensibilidade e ao entendimento é todo o conhecimento possível. Para
Schopenhauer, o mundo como representação é fenomênico, sendo assim ele é
ilusório, mera aparência enganadora, porque no tempo e no espaço, onde se
manifesta o fenômeno, há um incessante
fluxo, aquilo
que agora é, logo deixa de ser. O conhecimento em Schopenhauer tem
origem na intuição, e dela chega-se diretamente ao conceito. Em Kant a intuição
é sensível, mas em Schopenhauer a sensibilidade é responsável pela coleta de
dados para o entendimento que, pela intuição intelectual, relaciona o efeito a
sua causa. Nesse sentido, segundo Schopenhauer, Kant salta por cima do mundo
intuitivo
e se
detém nas formas do pensamento abstrato.A
abstração não é negada por Schopenhauer, afinal o conhecimento científico se
vale dela para sua sabedoria, no entanto, a ciência por desconsiderar o
conhecimento intuitivo e somente levar em consideração a abstração, comete
erros grosseiros. Por isso, embora Schopenhauer tenha sofrido influência de Kant
em seu pensamento, ele tenta supera seu mestre com a pretensão de corrigir os
erros cometidos por Kant. Nessa nova perspectiva Schopenhauer descarta onze das
doze categorias kantianas do entendimento, permanecendo somente com a
causalidade.
A herança primordial de Kant em
Schopenhauer é a
coisa-em-si que
subjaz a todo fenômeno. A natureza toda está submetida à lei de causalidade,
qualquer ação de uma pessoa, seja para fechar uma janela, sair às compras ou
para o trabalho, acontece por um motivo. Não existe ação sem motivo correlato.
Todo agir, necessariamente, possui uma causa específica, embora seja o motivo
uma representação e não à vontade em si.
Assim cada homem pode penetrar, como que por traição, no castelo de sua própria
causalidade. Conhecer os motivos de sua ação, conhecer a si mesmo, ser objeto
de seu conhecimento. O homem é um microcosmo análogo a um grande organismo. O
mundo tanto pode ser conhecido internamente como externamente, através do empirismo
sensorial.
Esta
abertura ao metafísico que está presente em todo fenômeno é o principal avanço
que a filosofia de Schopenhauer irá percorrer na direção contrária e para além
de Kant, embora Schopenhauer mantenha a intuição original de seu mestre de que
o mundo pode ser descrito tanto pelo princípio de razão (
fenômeno) como pela vontade (
coisa-em-si).
3.2.3
A redução da ordem categorial de Kant em Schopenhauer
As categorias kantianas são condições
que possibilitam o conhecimento pela experiência.
Na experiência os objetos
são conhecidos de acordo com formas
a
priori, a isso Kant chamou de
dedução transcendental. A
lógica geral trabalha por abstração do conteúdo do conhecimento. Essa abstração
leva à formação de representações e de conceitos. O espaço e o tempo fornecem
conteúdo
para esse tipo de conceito que
se forma através da representação.
A
lógica transcendental, no entanto, depara-se com uma imensidade de
“sensibilidade
a priori”
fornecida pela estética transcendental para os conceitos puros do entendimento.
“O tempo e o espaço contêm uma diversidade de elementos da intuição pura
a priori.”
Esses elementos estão relacionados a espontaneidade
de receber e processar representações de objetos
e
de formar conceitos que o sujeito
possui, a isso Kant chamou de síntese. Síntese, tradicionalmente falando, é o
ato de unir as coisas umas às outras, ou ainda, unir representações para formar
um conhecimento. A síntese kantiana, fornece conceitos puros para o
entendimento, e seu fundamento pode ser encontrado naquilo que Kant chamou de
a priori.
Síntese é a capacidade que o
entendimento tem em, ao lidar com a multiplicidade, formar uma unidade no
pensamento. A unidade é possível quando o sujeito pela sensibilidade forma
representações que vêm acompanhadas de consciência. A consciência age
objetivamente ao ligar as representações para dar unidade a ela mesma, ou
unidade sintética da consciência. Embora a consciência deva agir objetivamente
para dar unidade a representação, não tem ela valor de juízo objetivo.
A sensibilidade é receptividade e
composta das formas
a priori do tempo
e espaço, onde acontece a intuição empírica, onde os objetos são vistos e
pensados. Já o entendimento é composto por formas puras do conhecimento
denominadas de
categorias que são em
número de doze:
Unidade, pluralidade, totalidade, realidade, negação, limitação, inerência e
subsistência, causalidade e dependência, comunidade, possibilidade e
impossibilidade, existência e não existência, necessidade e contingência, são
as doze categorias kantianas das quais derivam todos os conceitos.
Na
Estética transcendental, segundo
Schopenhauer, encontra-se um conhecimento que não pode ser percebido pela
experiência, visto que “são formas originárias do intelecto”,
estas formas são: espaço, tempo e causalidade. Kant valorizou duas formas do
conhecimento
a priori ou “intuições
puras”, tempo e espaço. Quanto a causalidade, Kant só trata dela na
Lógica transcendental com as doze
categorias do entendimento. Dessas doze categorias Schopenhauer mantém a que
resulta da relação da causa com o efeito: a causalidade. As demais categorias
kantianas são excluídas por serem consideradas por Schopenhauer fruto do gosto
“gótico” de Kant, não passando de inutilidade.
Assim, em Schopenhauer, o entendimento fica reduzido a causalidade que é uma
síntese do tempo e do espaço, pois nem o tempo e nem o espaço podem mostrar
sozinhos seus conteúdos, nesse caso os objetos se apresentam ao entendimento
através do tempo e do espaço. Existe uma convivência espacial a partir do
fenômeno e sua sucessão no tempo. ― É o fenômeno que dá o conteúdo ao tempo e ao
espaço; sendo o momento atual do fenômeno colocado no tempo e no espaço, a
causa do momento posterior. Causalidade é síntese e tem seu começo no momento
anterior influenciando o momento atual. Essa influência é a ação da causalidade
que se formou pela reunião do tempo, do espaço, e de seu conteúdo. Assim o
efeito está ligado a sua causa, existindo para cada ação uma reação como algo
determinado e sem explicação, pois a causa não explica o efeito, ela apenas o
determina.
Segundo Kant o juízo sintético a priori
é extenso unindo, ao mesmo tempo, universalidade, necessidade, a sinteticidade.
É o caso dos juízos matemáticos. O juízo 5 + 7 = 12 não é analítico e sim
sintético. O número doze é a reunião do número cinco com o número sete, os dois
números estão contidos em um só, no doze. Embora no conceito de doze não se
pense na união desses dois números. Para se chegar ao doze é necessário usar da
intuição empírica e adicionar um-a-um os números da operação até chegar ao
número doze. Doze é a síntese da soma.
O
mesmo acontece com a causalidade, ela estabelece algo a priori, uma relação
necessária, universal e sintética.
A teoria do conhecimento em Schopenhauer
perpassa a relação de causa, efeito e causalidade. Conhecer é conhecer o efeito
e sua relação causal para formar conceitos corretos e não equivocados como
aqueles formados baseados apenas no efeito, sem o conhecimento da causa.
A relação causa e efeito deve ser
estudado a luz do entendimento. O entendimento usa dos sentidos para o
conhecimento dos fenômenos. Os sentidos percebem a matéria que, segundo
Schopenhauer, contém causalidade. Existe na matéria uma relação causal que deve
ser conhecida pelo entendimento, pois somente o entendimento pode relacionar
causa, efeito e causalidade.
3.2.4
A coisa-em-si e o fenômeno
Levando em consideração a importância
de uma diferenciação entre coisa-em-si
e fenômeno, para que não haja de espécie alguma confusão entre estes dois
conceitos, foi necessário incluir esse item, embora o conhecimento
representativo se dê a partir do fenômeno, uma diferenciação para melhor
entendimento sobre o que é o fenômeno e que é coisa-em-si.
Segundo Schopenhauer, o grande mérito de
Kant foi a distinção entre fenômeno e
coisa-em-si.
Para esta distinção, Kant teve que diferenciar conhecimento a priori do
conhecimento a posteriori, uma distinção entre o real e o ideal.
Ele demonstrou que as leis que regem a necessidade da existência não podem ser
encontradas na dedução, também não são encontradas mediante a experiência visto
que são a priori e não a posteriori. “Kant mostrou que aquelas leis,
conseqüentemente o mundo todo mesmo, são condicionados pelo modo de conhecer do
sujeito.”
Kant demonstrou que o mundo fenomênico
está condicionado pelo objeto e pelo sujeito, eles são o limite um para o
outro, por isso não é possível conhecer a essência do mundo, ou a
coisa-em-si. O mundo objetivo não
pertence a essência das
coisas-em-si,
mas sim o fenômeno delas que estão condicionados pelas formas a priori no
cérebro humano. Kant, segundo Schopenhauer, não formulou bem a questão sobre a
coisa-em-si, não deduziu dela a vontade.
Schopenhauer a partir da coisa-em-si faz uma metafísica imanente.
A coisa-em-si para Schopenhauer é a
vontade que se manifesta em toda natureza, podendo ser contemplada
intuitivamente. Com isso ele procura decifrar aquilo que está para além das
aparências, para além do fenômeno.
Na significação do mundo apresentada
por Schopenhauer, o sujeito deposita suas raízes neste mundo a partir de sua
própria individualidade, e desta forma representa o mundo de si e para si. Tudo
lhe seria estranho se aos seus olhos os objetos não tivessem um significado. O
enigma se apresenta ao indivíduo de forma igualmente individual. Tal enigma
para Schopenhauer se chama Vontade. E
assim em seu próprio fenômeno reside a chave para sua significação, mostrando
seu ser e seu agir guiado pela sua vontade. Os atos de vontade e de ação estão
unidos em seu corpo pelo nexo da causalidade. Nessa perspectiva, a ação do
corpo é movida pela vontade. Querer agir desperta um movimento ― o querer
desperta impulsos geradores de movimento. Desta forma, vontade e ação são uma
coisa só, embora aconteçam em momentos diferentes. Em um primeiro momento
acontece a vontade, em um momento posterior ocorre à ação. E isso não é
captável pelo princípio de razão, mas sim pela intuição direta e imediata.
Portanto, um ato de vontade é logo em seguida fenômeno do corpo que passa a ser
“visibilidade da vontade.”
Mas há na consciência de cada
indivíduo alguma coisa que difere seu corpo dos demais pela sua representação.
Existe no corpo algo que reflete sua vontade, seu sofrimento, não como
representação, mas sim como algo em si. Embora seja o corpo do indivíduo,
fora
de sua vontade, apenas representação,
pois sua vontade é o outro de si mesmo que, ao ser retirada, sobra tão somente
sua representação. Porém, unido a essa vontade seu corpo se torna único como
indivíduo. A vontade diferencia os indivíduos, tornando assim único cada ser em
sua espécie.
A vontade, para Schopenhauer, é a
coisa-em-si de Kant. A
coisa-em-si é o númeno para Kant. O
mundo mumênico não pode ser conhecido, segundo Kant, dele se conhece apenas seu
fenômeno. O númeno não pode ser acessado pela intuição sensível, por isso não
pode ser conhecido porque está fora da faculdade cognoscitiva. O conceito de
númeno é problemático, no sentido em que, mesmo não contendo contradição, não é
possível conhecê-lo e sim tão somente pensá-lo, o númeno não é objeto dos sentidos.
Para os homens, não é possível nem mesmo se dar de conta de sua existência.
Assim, tanto Kant como Schopenhauer falam da coisa em si; para Kant a
coisa-em-si não pode ser conhecida,
somente pensada. Para Schopenhauer ela é conhecida pela objetivação da vontade.
A vontade não tem origem no fenômeno, não pertence à
categoria da representação intuitiva, provém da interioridade, da consciência
do indivíduo. A vontade é a
coisa-em-si
livre das formas do fenômeno, livre do tempo e do espaço. Ela constrói a
realidade a partir de si e não da representação, não é do que
vem a ser que a
coisa-em-si se alimenta, pois não está no tempo.
Ela jamais pode ser fundamentada, porque não pode ser remetida a mera forma. Já
o fenômeno tem sua manifestação no tempo e no espaço, podendo ser conhecido a
partir da sensibilidade do sujeito.
Schopenhauer, além da influência kantiana, com relação a
coisa-em-si, também sofre no mesmo
sentido, influência platônica, ou seja, da coisa-em-si,
como pode ser observado no próximo item.
3.3 A influência
platônica
A
teoria das
Idéias de Platão, forneceu a Schopenhauer um intermediário teórico entre
vontade e fenômeno, um caminho entre o uno e o múltiplo. Schopenhauer permanece
ligado ao Platão da contemplação mística, ao Platão que descreve como as asas
da alma se agitam diante da beleza de um objeto, ao Platão que vê os homens
como sendo prisioneiros deste mundo e que propõe sua libertação.
Platão nasceu em Atenas na Grécia. Foi discípulo de
Crátilo que foi discípulo de Heráclito, por último Platão foi discípulo de
Sócrates. Com a morte de seu mestre Sócrates, Platão teve de fugir para a
Itália (Cecília), lá foi vendido como escravo por Dionísio da corte de Górgias,
sendo salvo por um amigo. E assim, ficou claro para Platão, a contradição que
por vezes existe entre as relações da sociedade e a vida ideal. Ao voltar para
Atenas, funda sua academia em um bosque chamado “Academo”, em homenagem a um
herói grego.
Após a morte de Sócrates, Platão dá um rumo próprio a
sua filosofia. Tem início a linguagem das idéias em meio a multiplicidade das
sensações, encontrando sua unidade no raciocínio. Estabelecendo com isto uma
relação entre conceito e realidade. Se por um lado tudo é imutável e eterno, de
outro lado é individual, ilusório e transitório. Portanto existe além do mundo
sensível dos fenômenos um outro mundo com os mesmos conceitos e idéias. Para
Platão os ideais não são representações mentais, e sim formas reais, modelos e
protótipos eternos e imutáveis, sendo que o mundo sensível é apenas cópia de um
exemplar original. Portanto, da idéia perfeita de homem somos apenas cópias
imperfeitas e mal acabadas.
A idéia platônica, para Schopenhauer, não é outra coisa se não “os graus
de objetivação da vontade.”
Estes graus se relacionam com coisas particulares e sua forma ou protótipos.
“Platão ensina que as Idéias da natureza existem como protótipos, já as demais
coisas apenas se assemelham a elas e são suas cópias.”
Os cavalos da realidade só existem enquanto cópia de uma idéia de cavalo
imutável. A humanidade é também uma idéia eterna, embora seu fenômeno seja
passageiro. A idéia assim se tornou fenômeno no mundo de seres que a
representa, no mundo real. A idéia desta forma se torna manifestação.
A vontade não é a causa da idéia, a vontade se manifesta na idéia. Cada
ser humano é uma forma da idéia de humano. “É uma vontade dentro da vontade.”
Com a linguagem das idéias tem início a
multiplicidade das sensações, encontrando sua unidade no raciocínio,
estabelecendo com isso uma relação entre conceito e realidade. Se por um lado
tudo é imutável e eterno, por outro lado é individual, ilusório e transitório.
Portanto existe além do mundo sensível dos fenômenos um outro mundo com os
mesmos conceitos e idéias. Para Platão os ideais não são representações
mentais, mas sim formas reais, modelos e protótipos eternos e imutáveis. O
mundo sensível é apenas cópia de um exemplar original. Da idéia perfeita de
homem, os homens são apenas cópias imperfeitas e mal acabadas. O mundo das
idéias é inteligível e está na esfera celestial, e o ideal supremo é a idéia de
bem de onde surgem todas as demais idéias, inclusive as do mundo sensível.
Portanto, é do ser que se explica o vir-à-ser.
Tudo no mundo físico flui, dizia Platão, demonstrando
com isso sua herança heraclidiana, não havendo um elemento básico, como
afirmavam alguns filósofos pré-socráticos. Se tudo flui tudo é passível de
desintegração. Quando alguma coisa ou pessoa morre ou se desintegra no mundo
sensível, o que sobra dele é a idéia que é eterna e imutável, e por ser
imutável é comum aos seres e coisas da mesma espécie. Por exemplo: o ideal de
um gato é único e imutável, de onde surgem todos os gatos no mundo físico, da
mesma forma o ideal de homem é um e igualmente único, de onde surgem todos os homens.
Segundo a doutrina platônica, o homem conhece o igual antes de nascer e até mesmo antes do primeiro
pensamento. ― Só é possível pensar sobre aquilo que já se conhece. O que não é
conhecido, não pode ser pensado. Todo pensamento almeja o igual. Antes de usar
o sentido é preciso conhecer o igual em si, para então traçar uma comparação,
buscando assim ser igual ao real.
Logo após o
nascimento, a criança começa a fazer uso dos sentidos, isso porque conheceu o
igual antes de nascer, bem como o menor e o maior, tudo o que é da mesma espécie,
ou seja, a realidade em si.
A principal novidade da filosofia platônica, reside na existência de uma idéia acima do mundo sensível, uma
dimensão metafísica do ser.
Os naturalistas, antecessores
a Platão, partiram de uma causa física para explicar o fenômeno. Anaxágoras,
por exemplo, percebeu a necessidade de uma inteligência universal para explicar
as coisas. Platão usa o termo “segunda navegação” para definir aquela que
acorre quando o vento pára, e as velas não funcionam mais, recorrendo-se assim ao
remo. A primeira navegação simboliza o percurso que o filósofo percorre com a
vela tocada pelo vento da filosofia naturalista. A “segunda navegação” é quando
o filósofo emprega esforço para remar o barco, esta navegação conduz ao
supra-sensível do ser inteligível.
É possível perceber a
existência de uma causa ulterior, não sensível, mas sim inteligível. Sendo esta
a idéia ou forma pura do belo em si.
Platão determina idéia como causa não
física. As idéias não são simples
conceitos ou representação mental, mas aquilo que o pensamento pensa quando
livre do sensível. Platão também usa o termo em si para identificar as idéias.
Em Fédon ele usa também o termo hiperurânio
(lugar acima do céu), para designar o conjunto de idéias.
Esses são os pressupostos platônicos que deram origem ao pensamento de
Schopenhauer: a existência de uma causa ulterior que Platão denominou de idéia.
A idéia está para além do tempo e do espaço, ela é imutável, incorruptível,
universal, o mundo das idéias é o mundo da perfeição e da verdadeira ciência.
Schopenhauer critica a ciência que se baseia somente em fenômenos, porque a
ciência está para além do fenômeno. No mundo sensível se manifesta o fenômeno.
É o mundo da aparência, da degeneração, da multiplicidade e da particularidade
de um sujeito que através da superficialidade da representação, forma sua
opinião. É o mundo de uma ciência, como veremos mais adiante, que não vai às
origens das coisas. A idéia assim como a vontade schopenhauriana está em outra
dimensão. A idéia e a vontade, não são representações mentais,
mas sim aquilo que está livre do sensível.
A frase de abertura do livro O mundo como vontade e como representação
é “o mundo é minha representação”,
também sugere a contestação de duas formas tradicionais de conhecimento: o
realismo e o idealismo.
No realismo estão as eleatas, pitagóricos, espinozanos e escolásticos. Os
realistas estabelecem o ponto de partida para o conhecimento no objeto. No
idealismo, cujo principal expoente é Fichte, o ponto de partida para o conhecimento
é o sujeito, e dele se deduz o objeto.
Estes são alguns entre outros autores que também influenciaram o pensamento de
Schopenhauer. Outras influências poderiam ser apontadas neste item, no entanto
foram apresentadas apenas as principais e de relevância vital na construção da
teoria do conhecimento representativo em Schopenhauer.
4 O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO
Após análise das influências ou pressupostos históricos e teóricos da
teoria do conhecimento de Schopenhauer, se fará, neste presente capítulo, um estudo
mais detalhado e sistemático da teoria do conhecimento representativo do autor,
um exame de como se constroem as imagens do mundo para o nosso entendimento.
O ponto de vista adotado por
Schopenhauer abre um caminho ilimitado para o conhecimento. Schopenhauer remete
a representação ao fenomênico, e não a coisa-em-si. Onde a coisa-em-si começa
termina o fenômeno, e assim também a representação e a compreensão.
O mundo é representação do sujeito
ordenado pelo espaço, tempo e causalidade, submetido ao princípio de razão do
devir. O intelecto ordena os dados da intuição espacial e temporal através da
categoria da causalidade, apreendendo assim a coerência existente entre os
objetos. Mas esse conhecimento não ultrapassa o mundo sensível. O mundo, é puro
conhecimento de um sujeito com suas percepções sensoriais e interpretação
racional.
“O mundo é minha representação”
e somente o homem pode refletir sobre essa verdade com clarividência
filosófica, diz schopenhauer. Não se conhece o sol ou alguma terra, pois o que
se vê, é visto
através de alguma coisa,
“como uma mão que toca uma terra, ou um olho que vê o sol”.
O mundo que cerca os homens é tão somente
representação de relações entre o objeto e o sujeito. O mundo inteiro só existe
como representação.
Tal consideração unilateral e
arbitrária
só existe devido a uma
“resistência interior”
de cada pessoa, que aceita o mundo como sua representação. Mas é preciso
separar o mundo cognoscível ou mundo do objeto, tratando-o como representação,
inclusive o próprio corpo deve ser trado separado do mundo da vontade, pois
esse constitui o outro lado do mundo. Assim o mundo da matéria ou fenomênico é
representação, e outro lado do mundo é vontade.
O
mundo, nesse caso, é tão somente representação de cada sujeito que o
representa, é percepção de cada indivíduo que o percebe, é o ponto de vista de
cada pessoa. Por esse motivo a apreensão do mundo fenomênico é, necessariamente,
de modo fragmentado, parcial e individual. Nisso está contido toda
possibilidade de experiência, pois existe na representação algo mais universal
do que o tempo, espaço e causalidade: o princípio de razão, que só pode ser
compreendido separando sujeito e objeto.
Schopenhauer em sua tese doutoral faz
uma dissertação sobre o princípio de razão suficiente, um princípio que
justifica um porquê ser de todas as coisas. Os fenômenos têm uma razão de ser
no mundo. Uma tempestade tem sua causa, a construção de um edifício tem sua
razão de ser. As coisas têm, um porquê de sua existência, um motivo pelo qual
existem, uma razão para estarem no mundo.
O princípio de razão possui quatro
formas a saber: O primeiro princípio é o princípio de razão suficiente do
devir, se apresenta como lei de causalidade, uma síntese entre o tempo e o
espaço fornecendo a causalidade ou o devir. Com o princípio de razão e a
causalidade, Schopenhauer tenta explicar toda representação fenomênica do
mundo. O segundo princípio é o do conhecer, suas leis servem de fundamento para
todo o conhecimento e juízos que tornam possíveis a verdade de qualquer
conclusão, esta é uma categoria que só o homem possui, pois somente ele pode
conhecer. O terceiro princípio é o de razão de ser, nele se fundamenta toda a
matéria e sua relação entre si, com esse princípio é possível encontrar o sentido
das partes. O quarto princípio é o princípio da razão de atuar, onde se
estabelece a razão das ações e das decisões que conduzem a uma determinada
ação, neste princípio se discute sobre a liberdade humana.
Os
objetos reais ou representações intuitivas, que mais adiante serão estudadas
neste trabalho, estão regidos pelo princípio de razão do devir, sua lei é a
causalidade. Assim os objetos devem reder tributo a este princípio pelo fato de
terem vindo-a-ser, por ter surgido como efeito de uma causa.
Todo conhecimento a priori está contido dentro dos quatro
princípios de razão. São leis que estabelecem uma relação necessária entre o
fenômeno e sua relação com aquilo que causa o fenômeno.
Com a representação, Schopenhauer
estabelece o ponto de partida para o conhecimento.
A representação do mundo material se
apresenta como figura para o entendimento, uma forma para a razão do sujeito,
sem núcleo, sem essência e por isso ilusória. A representação se alimenta dos sentidos
que levam a ela informações do mundo empírico, passando então por um
sofisticado processo mental. Tudo isso pode ser comparado com o artesão que
elabora sua obra e que é dono de três formas inatas do conhecimento, pois estão
com ele desde seu nascimento: tempo, espaço e causalidade.
Estas três formas nos ajudam a ver as representações, possibilitando o
conhecimento. Esse é um ponto de vista ilimitado, onde toda compreensão é um
ato que pertence ao campo da representação e somente nela permanece. Tudo,
deste modo, pode ser compreendido através da representação, até mesmo o dogma
pode ser justificado pela representação. No entanto, a representação só mostra
o fenômeno, e não a coisa-em-si.
Para Schopenhauer a representação é
uma atividade de ver com a totalidade da faculdade
perceptiva e cognoscitiva dos sentidos. O
trabalho de representar o mundo aparente é inconsciente e automático, sem
nenhuma intenção por parte do indivíduo. É um processo que acontece
naturalmente, e tem seu fim quando percebemos com clareza o objeto. É quando o
entendimento se serve da causalidade, pois considera a sensação que lhe foi
fornecida como sendo um efeito. Com o auxílio do tempo sai a procura da causa
e, ao encontrá-la, serve-se do espaço para situá-la. Após esse processo o
objeto torna-se uma imagem na consciência. “Eis porque se pode dizer que o
objeto, para Schopenhauer, é uma “conclusão do entendimento”
4.1 Sujeito e
objeto
Com a frase “o mundo é minha
representação”
Schopenhauer tenta livrar-se de duas formas tradicionais de conhecimento:
realismo e idealismo. Pertencem ao realismo os materialista, eleatas,
pitagóricos, spinozanos, escolásticos e filosofia chinesa do Y-King. Para eles
o ponto de partida para o conhecimento está no objeto, e dele se deduz o
sujeito. O idealismo representado por Fichte, ao contrário dos realistas, deduz
o objeto a partir do sujeito. Schopenhauer considera as duas teorias um erro.
Seu ponto de partida para o conhecimento é a noção de representação que
pressupõe o envolvimento simultâneo entre sujeito e objeto. Para que haja
representação são necessárias duas metades inseparáveis, uma delas é o objeto
com suas formas no tempo e no espaço, a outra é o sujeito que não está nem no
tempo, nem no espaço, mas sim indiviso em cada indivíduo que o representa.
Os objetos estão para serem
conhecidos pelo sujeito mediante uma relação entre eles. Em suma, existe um
mundo inteiro para conhecer, o Homem como sujeito e o mundo como objeto. Desta
relação surge à representação que pode acontecer no passado e no futuro, visto
que se dá no tempo, e também naquilo que está próximo ou distante.
Desta forma, tudo está condicionado ao
sujeito que conhece, pois é ele quem vê o mundo e o representa; nesse sentido,
somente aquilo que acessa aos sentidos pode ser conhecido e representado por
“aquele que tudo conhece mas não é conhecido por ninguém”
− o sujeito.
Cada pessoa se reconhece como este
sujeito na medida em que deseja conhecer, não como objeto do conhecimento, mas
sim como sujeito de sua ação. Onde seu corpo também é objeto para o
conhecimento, por isso este sujeito, abrigado pelo corpo, está submetido às
leis do objeto, no tempo e no espaço
onde se dá a pluralidade, não sendo ele plural, pois, por não ser conhecido,
não pode ser representado, estando, nesse caso, para além da representação.
Como o sujeito não é o objeto, porque nunca é conhecido, assim não incide nele
a pluralidade fruto da representação, ficando, deste modo, fora do tempo e do
espaço, “indiviso, inteiro em cada ser que o representa.”
Portanto, claro está que o corpo é a
representação do sujeito no tempo e no espaço para a compreensão dos objetos
deste mundo que, como representação, possui duas metades inseparáveis e
necessárias: uma, é o objeto com forma no espaço e no tempo mediante a
pluralidade, e a outra metade é sujeito que se encontra fora do espaço e do
tempo. Estas metades são inseparáveis pois uma necessita da outra para que o
mundo seja representado. No entanto, se por acaso um deixasse de existir, o
mundo não teria como ser representado. ― Estas duas metades só existem uma para
a outra.
A representação tem sua origem em duas
metades que se complementam e se correspondem, sujeito e objeto. Ela está
condicionada ao objeto que se apresenta ao sujeito. As duas metades, embora
distintas uma da outra são, necessariamente, inseparáveis para a representação.
― É o sujeito com “modos de apreensão”
que forma a representação do objeto que se lhe apresenta. O mundo é
representação do sujeito.
O sujeito, embora não seja
conhecido, é aquele que conhece sendo ele encontrado dentro do próprio homem,
isso diferencia corpo e sujeito enquanto tal. Já o objeto, é aquele que não
pode conhecer e está para o sujeito como algo a ser conhecido. Assim todos os
objetos estão para serem conhecidos pelo sujeito, e a multiplicidade dos
objetos fornece uma espetacular riqueza de conhecimento recíproco, onde um está
para o outro. Mas isso só é possível no tempo e no espaço onde acontece o
fenômeno, e os objetos estão para serem conhecidos pelo sujeito com um corpo
sensível ao conhecimento.
4.2 Espaço e tempo
Tanto para Schopenhauer quanto para
Kant, a intuição envolve espaço e tempo. A intuição faz parte da experiência em
perfeita harmonia com suas leis, o sentido externo é próprio ao espírito do
homem, e assim os objetos que são representados estão lançados no espaço.
Existe, nesse sentido, uma relação do interno com o externo, através do tempo e
do espaço. Esta relação são modos e funções do sujeito, formas puras da
intuição e princípio do conhecimento. O espaço tem sua representação, não a
partir do fenômeno, mas sim mediante existência a priori sendo ele forma da
intuição e não coisa em si. Schopenhauer considera tempo e espaço como algo
intuído vazio de conteúdo, uma representação que existe por si mesma. O espaço
é efetivação da matéria onde se manifesta a relação entre os corpos, onde o
fazer efeito é sua essência. A matéria é efetividade ou causalidade e essa
efetivação no espaço está no cérebro. É assim que todos os fenômenos podem
existir no espaço infinito. O tempo é uma sucessão de aniquilamento do momento
anterior, a morte do que passou para se depositar o presente, por sua vez, o
presente também morre para que novamente algo seja depositado em seu lugar, uma
sucessão de colocar, aniquilar e colocar de novo; e o presente é um
intermediário entre o passado e o futuro, mas tudo será igualmente aniquilado
na sucessão do tempo, até mesmo o futuro.
O
presente impõe o fim do momento anterior. Nesse sentido, pode se dizer que o
presente extermina aquilo que já foi presente um dia, até mesmo o futuro
deixará de ser, não existindo mais a eternidade, e sim o limite e o fim. No
tempo são depositadas as representações que serão substituídas por outras representações,
desta forma o tempo determina a finitude da representação, pois o que agora é,
em instantes deixará de ser. O tempo é sucessão. Schopenhauer quer demonstrar a
nulidade de tudo o que acontece no espaço e no tempo,
até mesmo as representações são finitas, pois é possível substituí-las por
novas representações. Com isso ele demonstra a instabilidade de todo
conhecimento representativo, inclusive o conhecimento científico.
Pensando assim, Schopenhauer, através da sucessão, deu
ao tempo caráter de infinitude.
O tempo é um eterno deixar de ser, e portanto nulo, algo imaginário. Uma forma
de apreensão do sujeito para a medida dos movimentos.
Até mesmo as representações são finitas no tempo, dando assim instabilidade ao
conhecimento, pois é possível substituí-las por novas representações. Também os
conceitos são representações abstratas finitas no tempo e no espaço. Para ser
mais exato, causa e motivo estão intimamente relacionados às representações no
tempo, possuindo existência relativa um para o outro, o mesmo acontece com
sujeito e objeto que tem sua existência um para o outro, pois um é a causa do
outro. Um fluir incessante, um devir no mundo da possibilidade, onde cada ser
representa seu próprio mundo a partir de conceitos instáveis.
Mas tempo e espaço não estão separados, não sobrevive cada um por si, na
união de ambos reside sua essência: no fazer-efeito ou na causalidade.
Todos os fenômenos no tempo e no espaço adquirem, com isso, caráter inumerável,
e sem limite. ― Inumeráveis finitos compondo o infinito. Esta é a essência da
matéria, fazer-efeito. Uma relação de causa e motivo que Schopenhauer também
chama de causalidade e que está relacionada ao princípio de razão suficiente do
devir. Existe, para a matéria, uma relação necessária entre espaço e tempo, por
isso eles são a essência da matéria,
não podendo existir por si, mas sim um para o outro.
No entanto, a lei de causalidade adquire a sua
significação e necessidade unicamente pelo fato de a essência da mudança não
consistir apenas na alteração de estados em si, mas antes no fato de NO MESMO
LUGAR do espaço haver agora UM estado, em seguida OUTRO e, NUM ÚNICO e mesmo
tempo determinado, haver AQUI este estado, LÁ outro.
Tudo isso deve ser estudado à luz do entendimento que nada mais é do que
a capacidade de ordenar, unificar e fazer síntese para conhecer a causalidade,
estabelecendo assim novas relações de causa e efeito. Se toda matéria, ou
fenômeno, está no tempo e no espaço, e da relação necessária entre eles surge à
causalidade que deve ser estudada pelo entendimento, então toda matéria deve
ser estudada também pelo entendimento. Pois da relação da matéria com o
espaço/tempo surge à causalidade que é estudada a luz do entendimento. Schopenhauer
diferencia razão e entendimento, o princípio de razão está sujeito a sucessão
que o tempo impõe, tendo por única função elaborar conceitos e representações
abstratas, por esse motivo não pode fornecer um conhecimento absoluto mas sim
relativo a causa e ao efeito. A função do entendimento é o conhecimento
imediato pela relação de causa e efeito.
4.3
Vida e sonho
Schopenhauer questiona se não seria
toda vida um sonho e quais são os critérios para diferenciar o sonho da
realidade, porque tanto a realidade quanto o sono, estão sujeitos às leis de causalidade.
Ambos estão colocados no espaço submetidos ao efeito, havendo neles sucessão de
imagens. Em sua natureza sono e vigília não se diferenciam. Portanto, não seria
a vida um grande sonho?, questiona Schopenhauer. A vida e os sonhos são páginas
do mesmo livro. Por isso Schopenhauer admitia a veracidade de alguns sonhos e a
possibilidade de se sonhar com o final da obra, ou seria melhor dizer com o
futuro. Schopenhauer concorda com os poetas que diziam, “vida é sonho.”
A vida e os sonhos são folhas de um mesmo
livro. A leitura encadeada se chama vida real. Quando, porém, finda a hora da
leitura habitual ― o dia ― e chega o tempo de descanso e recuperação, ainda se
folheia com freqüência descontraída, sem ordem e encadeamento, ora uma folha
aqui, ora outra ali. Muitas vezes se trata de uma folha já lida, outras de uma
desconhecida, mas sempre folhas do mesmo livro.
Depoimento evidente a esse respeito
encontra-se em
Leviatã de Hobbes no
segundo capítulo: facilmente se confunde com a realidade e adormece o sujeito
assim vestido, a isso se soma o fato de que, por vezes, projetos e negócios
tomam conta de todo seu pensamento, nesse caso, para piorar, existe um
discernimento equivocado da realidade, não
sabe ele se está indo dormir ou acordando.
Nesse momento, a solução kantiana parece ser
a melhor: “O encadeamento das representações entre si, conforme a lei da
causalidade diferencia a vida do sonho.”
Para Schopenhauer:
[...] o único critério seguro para diferenciação entre
os dois não é outro senão o inteiramente empírico do despertar, através do
qual, com certeza, o encadeamento causal entre os acontecimentos sonhados e os
da vida desperta são // sensível e expressamente rompidos.
Os sonhos são tão ilusórios e passageiros quanto a vida. Vida e sonho
estão no tempo e no espaço, por isso sujeitos ao devir que nada mais é do que
causalidade. As representações estão submetidas ao princípio de razão que, por
sua vez, se submetem ao devir, ao tempo e espaço, para logo deixar de ser.
Schopenhauer não considerou vantajoso
possuir a razão, pois vê nela fonte de inúmeros sofrimentos dos quais os
animais, por não possuir razão, estão livres. Com a razão vem o desenvolvimento
da consciência,
e tanto mais os homens se tornam suscetíveis às dores do mundo, mais possibilidades
e teoria a lhes provocar temores, este é o caso do pensamento sobre a morte,
pois percebe o homem que vai desaparecer um dia.
Com essa ilusão tudo nasce e perece, cada momento anula o momento que o gerou,
assim tudo se torna não essencial. No tempo tudo está repleto de nulidade,
imperando a ilusão.
Trata-se de MAIA, o véu da ilusão, que
envolve os olhos dos mortais, deixando-lhes ver um mundo do qual não se pode
falar que é nem que não é, pois assemelha-se ao sonho, ou ao reflexo do sol
sobre a areia tomada a distância pelo andarilho como água, ou pedaço de corda
no chão que ele toma como uma serpente.
Esta
visão já estava contida no pensamento de Heráclito que afirmava o fluxo eterno
das coisas. O fluxo eterno de Heráclito em Schopenhauer é o mundo como representação.
4.4 O entendimento
A relação causa e efeito é uma relação necessária e deve ser estudada a
luz do entendimento. O entendimento usa dos sentidos para o conhecimento
imediato, intuitivo, com expressão objetiva nos efeitos entre os corpos, e com
expressão subjetiva no intuir causa e efeito. Mas é o entendimento que torna a
intuição antes de tudo possível, pois é dele que ela se origina. Assim como os
objetos em geral só têm permanência para o sujeito como representação, do mesmo
modo cada classe específica de representação tem determinação especial do
sujeito, a isso se nomeia “faculdade do conhecimento.”
O entendimento é o correlato da
matéria ou da causalidade.
Conhecer a causalidade é a função específica do entendimento. “Por seu turno,
toda a causalidade, portanto toda a matéria, logo a efetividade inteira, existe
só para o entendimento, através do entendimento, no entendimento.”
O entendimento é a capacidade de relacionar o efeito a sua causa, uma causa que
liga motivo e ação. O entendimento em toda parte possui uma fórmula simples,
sendo ele o mesmo nos animais e nos homens: “conhecimento da causalidade,
passagem do efeito à causa e desta ao efeito, e nada mais.”
O primeiro contato com o objeto se dá pelos sentidos que levam uma imagem ao
entendimento para formar o conceito, que posteriormente deve ser estudado e
unido a outros conceitos a luz da razão, pois é para isso que serve a razão,
para unir conceitos. O entendimento age objetivamente entre os corpos pela
capacidade que eles têm de fazer efeito, e subjetivamente pela intuição.
Mas é com a carência de entendimento
que acontece a “estupidez”,
mediante a incapacidade de reunir causa e efeito. Falta, nesse caso, “argúcia
espiritual, rapidez”
dificuldade no uso da lei de causa e efeito. Mas o grau de astúcia e de
conhecimento é diverso e inclui o grau mais baixo em uma relação de causa e
efeito, a intuição do corpo no espaço, bem como o mais elevado que estabelece
uma relação mediata entre os corpos, e ligações de causa e efeito com a
natureza. Esta última modalidade pertence ao entendimento e não a razão.
Cada força e lei natural, não
importa onde se exteriorize, tem de primeiro ser conhecida imediatamente pelo
entendimento, apreendida intuitivamente, antes de aparecer
in abstracto para a razão na consciência refletida.
A
teologia das causas finais é a indivisibilidade da vontade, pois a vontade se
manifesta como natureza em seus vários graus de objetivação. A idéia, vontade,
enfim, a coisa em si, é una e está alheia a multiplicidade. Schopenhauer
garante uma idéia de harmonia na natureza, afirmada por uma ligação entre os
graus de objetivação da vontade, existindo variações do mesmo ser vivente.
Nesse caso, o entendimento não está no princípio do mundo, mas sim no irracional
que se identifica com a vontade de viver, sendo à vontade o que há de mais
íntimo no mundo, e a pluralidade não passa de sua manifestação.
4.5 O conhecimento do corpo
Do próprio corpo surge a instituição
do mundo, por isso o corpo também deve ser estudado do ponto de vista da
representação. O princípio de razão procura uma razão de ser para o fenômeno,
uma experiência, um fundamento. Essa procura dá origem as várias ciências.
O corpo é o ponto inicial para estudar
os passos do cérebro para formar uma imagem, porque fornece ao entendimento a
causalidade, a essência da matéria constitui em seu fazer-efeito. Nesse sentido
causa e efeito existem tão somente para o entendimento. São duas as alternativas
de conhecer o corpo, a primeira é a capacidade que os corpos possuem de fazer
efeito uns sobre os outros, produzindo mudanças entre si. A outra condição é a
sensibilidade dos corpos animais que se torna objeto imediato para o sujeito.
O corpo é objeto imediato para o
conhecimento porque fornece, pela causalidade, os primeiros dados para o
entendimento.
Portanto, o corpo como objeto propriamente dito, ou
seja, de uma representação intuível no espaço, só é conhecido, justamente como
os demais objetos, de maneira mediata, pelo uso da lei de causalidade na ação
de uma de suas partes sobre a outra, logo, na medida em que o olho vê o corpo,
a mão o toca.
Assim o conhecimento do mundo tem seu
início com a teoria da percepção como fonte de conteúdo para o conhecimento,
esse é seu ponto de partida. A percepção dá origem a consciência das coisas a partir das sensações. Mas é
preciso levar em consideração que as sensações visuais, auditivas, táteis etc.,
fornecem tão somente matéria prima para a percepção, sendo assim algo sentido
com relação ao objeto imediato. Com isso Schopenhauer nega a intuição sensível,
afirmada por Kant, afirmando somente existir intuição intelectual.
4.6 Representações intuitivas e abstrata
O que o olho vê e a mão toca são
apenas informações.
Schopenhauer vê na descoberta da lei de
gravitação por R. Hookes, confirmada mais tarde por Newton, algo concebido pela
intuição imediata do entendimento. O mesmo aconteceu com Lavoisier e a
descoberta do oxigênio na natureza, e Goethe com a origem das cores físicas.
Todas essas descobertas estão relacionadas a intuição do efeito sobre a causa,
e a exteriorização do entendimento na ciência da natureza e na vida prática.
Com essas descobertas é possível criar máquinas, manipular pessoas que, como
maquina, levando em consideração suas motivações, são conduzidas a um fim.
Nesse caso, uma ausência estúpida de entendimento, uma incapacidade de reunir
causa e efeito ou motivo e ação inteligentemente. Por vezes, os conceitos não
são bem definidos, deste modo estão sujeitos
a favorecer aquele que precisa persuadir alguém ou a uma falsa
avaliação. Um exemplo sobre isso pode ser encontrado, segundo Schopenhauer, na
causa do enfraquecimento do brilho da lua e das estrelas, alguém pode pensar
que isso acontece devido ao distanciamento, quando o fato ocorre pela densidade
do ar no horizonte.
Razão e entendimento estão separados, “a
razão sempre pode apenas SABER; unicamente ao entendimento, livre de toda
influência da razão, é permitido intuir.”
Existem dois tipos de representações: intuitivas e abstratas. A sensação
que se tem na passagem do efeito para a causa, a isso Schopenhauer denominou de
intuição
. A intuição do mundo efetivo
é a forma primeira e mais simples do entendimento. Pela intuição se conhece a
causa a partir do seu efeito, essa relação causal não é uma conclusão abstrata,
não ocorre por reflexão e nem é arbitrária, mas sim necessária e imediata, um
modo do conhecimento do entendimento. Sem entendimento não haveria intuição.
Por esse motivo “toda intuição é intelectual”.
Mas não seria possível a intuição se o efeito não fosse conhecido
imediatamente.
As mudanças que cada corpo animal sofre são
imediatamente conhecidas, isto é, sentidas, e, na medida em que esse efeito é
de imediato relacionado à sua causa, origina-se a intuição desta última como um
objeto. Tal relação não é uma conclusão em conceitos abstratos, não ocorre por
reflexão, nem arbítrio, mas é imediata, necessária, certa.
O olho, a mão, o ouvido, fornecem
informações, mas da passagem do efeito para a causa é que acontece a intuição
em sua forma pura do entendimento. As sensações existem tão somente para serem
objeto imediato do sujeito intuitivo, e assim a reflexão reproduz e representa
o conhecimento intuitivo, algumas vezes já adulterado pela reflexão, e outras
vezes em sua forma pura do entendimento.
O entendimento sem a intuição seria insignificante, uma consciência
abafada. “O olho, o ouvido e a mão sentem não é intuição; são meros dados”,
que levados ao entendimento, passam do efeito para a causa através da intuição no
tempo e no espaço que representam a matéria. Assim o mundo como representação
acontece tão somente para o entendimento.
Todos os conceitos são representações
abstratas nomeados de
Razão,
eles formam uma classe particular de representação encontrada somente no homem.
Diferente do conhecimento intuitivo, tal representação jamais conhece a
essência da coisa, sendo um conhecimento abstrato e discursivo.
É o caso da linguagem e da ciência que
permitem ao homem tão somente pensar e não intuir. O discurso, nesse caso, é
intelectual, concebido e determinado de maneira precisa. Uma razão falando para
outra razão comunicando conceitos abstratos dos incontestáveis objetos. Tudo
isso só é possível porque a representação possui um correlato subjetivo que é a
razão. A razão se alimenta de percepções sensoriais externas, por meio dos
sentidos recebe as impressões e elabora as sensações, por isso é limitada.
Já as representações intuitivas abrangem tudo aquilo que é visível, aparente e
fenomênico, elas existem por si mesma à luz da reflexão e com conteúdo
referente ao conhecimento intuitivo. No momento da intuição não existe erro,
nem mesmo dúvida, visto que nela inexiste a opinião que está sujeita ao erro.
Ela é uma luz refletida imediatamente no objeto, garantindo sua
auto-suficiência. Enquanto uma pessoa está intuindo, tudo é claro. O intuidor,
nesse momento, é calmo e certo. ― “A intuição se basta a si mesma.”
Os filhos da intuição são como águias
rebeldes que voam altaneiras até o inefável; livres da tirania, sem medo e sem
angústia. Livres da religião, escolas, teorias, fanatismo..., vivem
deliciosamente como água cristalina de augusta beleza. Como resultado, o homem
intuitivo sabe o reto pensar, o reto agir, o reto sentir, porque toda sabedoria
está no seu interior. A mente do intuidor é um cálice repleto de sabedoria. Sua
mente é repleta de amor, cheia de Nirvana. A intuição é o licor búdico dos
deuses imortais. A vida feia fundamentada em arquétipos da finitude sobre o véu
da ilusão, assume uma beleza refletida no rosto do intuidor, porque ele não
sofre com representações mentais, ele é livre e por isso belo.
O raciocinador transforma sua mente em
um campo de batalha repleto de prejulgamentos
e teorias. Esse lago turvo jamais poderá reproduzir o sol. Mas a mente do
intuitivo flui silenciosa longe da obscura batalha das antíteses.
A mente do raciocinador é como um
barco que anda de porto em porto, chamados de escolas, teorias, religiões,
fanatismo de pátria e de bandeira..., reage conforme preceitos já estabelecidos.
Segundo a mitologia grega, Íxion
era um simples mortal que, no Olimpo,
se encheu de desejo pela mulher de Zeus, Hera. O Deus supremo do Olimpo, não
gostando nada disso, mandou amarrar Íxion a uma roda de fogo alada cercada de
serpentes a girar incessantemente. No pensamento de Schopenhauer, a existência
é análoga a uma roda de Íxion repleta de desejos insatisfeitos. “Para cada
desejo satisfeito existem contra ele pelo menos dez que não são.”
4.7 Crítica ao cientificismo
Somente os efeitos são objetos para a
experiência, e não sua causa. Schopenhauer pensa que as representações
abstratas não mostram um saber verdadeiro ou científico, pois a natureza da
ciência é
sistemática por apresentar um
entrelaçamento de conhecimentos. Uma combinação infinita de conceitos formando
um sistema.
Este
tipo de representação é exclusivo dos homens, pois somente eles podem formar
conceitos e comunicá-los a outros homens que, junto com ele, se desenvolvem
tecnologicamente. A representação abstrata é representação da representação.
Isso significa dizer que a razão parte da representação que se tem do objeto
para formar uma nova representação.
Com a representação abstrata jamais se
conhece a coisa em si, porque trata
apenas dos conceitos. É o caso da linguagem e da ciência que permitem ao homem
tão somente pensar e não intuir. O discurso, nesse caso, é intelectual — uma
razão falando para outra razão comunicando conceitos abstraídos dos
incontestáveis objetos. Tudo isso só é possível porque a representação possui
um correlato subjetivo que é a razão. A razão se alimenta de percepção
sensorial externa e por meio dos sentidos recebe as impressões e elabora as
sensações. Ela é discursiva por natureza, não podendo agir sem a linguagem.
Este é o estilo do animal humano, a razão lhe difere dos outros animais.
A intuição é incomunicável, ao
contrario disso, a representação abstrata é comunicável a partir do conceito
pela linguagem de um sujeito único em sua compreensão. O conhecimento intuitivo
só pode ser aplicado a objetos particulares, onde o entendimento idealiza um
objeto de cada vez. Não existe assim um sistema, mas sim um conhecimento
imediato daquilo que se apresenta no momento da intuição, no agora. Por outro
lado, as atividades que estão entrelaçadas pelos conceitos, provêm do saber
abstrato. A razão necessita substituir, o que foi conhecido intuitivamente, por
conceitos, para comunicá-los aos outros
homens. O êxito virá se os conceitos forem corretos.
O
encadeamento do conhecimento que as ciências possuem vai do geral ao particular
e dos princípios às conseqüências. A lógica, por exemplo, é o saber geral sobre
as regras da razão, obtidas por abstração através de observação sobre um
conteúdo qualquer. O melhor, nesse caso, é deixar a razão tratar dos casos
particulares sem abstrair lei geral. O silogismo da lógica não dá origem a
nenhuma ciência, embora seja ela importante por ajudar na organização da razão,
ainda que sem utilidade prática. A
lógica deveria ser utilizada diretamente para o conhecimento da essência da
razão e dos conceitos, pois seu juízo e silogismo ligam os conceitos.
O que importa para Schopenhauer é
abalar a fé que filósofos e cientistas depositam na razão e nos conceitos
formulados por eles. ― Para Schopenhauer a razão é apenas algo secundário. Afirmar
que a razão garante a certeza para ele é no mínimo uma opinião equivocada, pois
no principio do conhecimento está a intuição e não a razão.
A intuição é o irracional que está no
princípio de toda ciência. Com a razão entram em cena conceitos duvidosos que
conduzem ao erro, e na vida prática levam a ansiedade e ao remorso.
A ciência não se origina na razão, mas
sim na intuição que a precede. Desta intuição, para que ela possa ser
comunicada, são elaborados conceitos abstratos ou racionais. O saber, ou
conhecimento abstrato, é tão somente uma parte do processo e não o todo. Quem
se dedica à ciência, obtém um conhecimento total abstrato sobre uma determinada
classe de objetos. Pelo conceito é possível isolar um objeto do todo. Desse conceito
é admissível pensar o todo traçando relações entre as partes. Se a ciência
desejasse conhecimento na totalidade a partir do conceito das partes, isso não
seria humanamente possível. Por tudo isso, a ciência serve tão somente a uma
necessidade intelectual. O fim da ciência não é a certeza mas sim o infindável
agrupamento ordenador do conhecimento. Por estar na esfera da razão, a ciência
só lida com fenômenos, não fornecendo sua essência última, permanecendo ainda
como os prisioneiros da caverna de Platão que só enxergam sombras; sem poder
ver direto a luz verdadeira dos objetos. A ciência fornece uma procura sem
jamais encontrar o segredo do objeto. Assim o consolo é partir do exterior para
o interior, quem sabe a
verdadeira
essência do mundo seja encontrada na subjetividade, na interioridade, no íntimo
de cada ser.
Schopenhauer teve especial interesse
pelas ciências que deveriam estudar o fenômeno até a última lei, a causalidade.
A missão da ciência é seguir o fenômeno sob a ótica da lei causal. Desfazer
seus enlaces até o último detalhe, sempre buscando uma causa ulterior e novos
encadeamentos. Assim poderá enriquecer seu saber e caminhar livremente. É
preciso saber que a ciência não basta por si só para chegar a uma concepção
definitiva de mundo, não somente porque a seqüência das coisas vai até o
infinito, mas sim porque toda a imagem do mundo é só representação e não
coisa-em-si. Assim o mundo todo está
para ser representado e conhecido através da ciência, no entanto, ela não vai
além do fenômeno.
4.8 Crítica a filosofia
A filosofia é o saber mais universal,
não há universalidade maior do que seus princípios. Ainda assim, o princípio de
não contradição não fornece conceitos, ele estabelece tão somente a
concordância entre os conceitos. O princípio de razão esclarece a relação entre
os fenômenos, mas não os fenômenos em si. Conseqüentemente, a filosofia não
pode partir de seus princípios em busca de uma causa final do mundo. A
filosofia schopenhaueriana não investiga de onde veio o mundo, mas sim que cada
um é o sujeito do conhecimento
in
concreto. A tarefa da filosofia é reproduzir
in abstracto as sucessivas intuições e o amplo conceito de
sentimento. Esta é a tarefa da filosofia, que tem de ser a expressão abstrata
da essência do mundo. Mas, para não se perder na diversidade de juízos
particulares, ela tem que se utilizar a abstração e pensar a parte na diferença
com o universal. Assim a filosofia consiste naquilo que Platão dizia: o
conhecimento do uno, do múltiplo, e do uno no múltiplo. Uma soma de juízos
universais a partir do próprio mundo. A filosofia será o reflexo do mundo em
conceitos abstratos, conceitos esses que serão idênticos ao
em si. Isso só será possível separando o
semelhante do dessemelhante.
4.9 O saber
O saber é a faculdade que o espírito
possui de julgar com fundamento suficiente para conhecer aquilo que é exterior
a si mesmo. Somente o conhecimento abstrato é um saber, porque nele se encontra
a capacidade que o espírito possui de julgar com sua razão, e condicionado por
ela. O saber não é intuição, é conhecimento abstrato das relações espaciais.
Os animais não possuem um saber, mas
sim conhecimento intuitivo. Se o saber é a capacidade de julgar com o espírito,
e disso deriva a consciência ou ciência — os animais por não saberem julgar,
não possuem consciência ou ciência e não formulam representações abstratas.
Somente no homem se encontra esta capacidade, porque é dono de uma consciência
abstrata. O homem sabe abstrair dos objetos seu conceito, sua essência.
4.10 Razão e conceito
O princípio de razão pressupõe o
sujeito como aquele que conhece o objeto intuindo a relação causa e efeito,
dessa relação causal ele forma a representação. Ele possui três aspectos
inerentes ao conhecimento: tempo, espaço e causalidade. A representação se
forma no sujeito que conhece, e não no objeto a ser conhecido. O objeto se
apresenta ao sujeito para representá-lo, e assim existe um mundo inteiro para
ser representado pelo sujeito. O princípio de razão faz ligações entre as
representações depois de, intuitivamente, ter levado tudo ao entendimento.
Então cria conceitos, pois a razão só tem essa finalidade ― criar
conceitos
para explicar os fenômenos
efetivos que se apresentam ao sujeito. A razão une conceitos do entendimento e
os transforma em idéias, da mesma forma o entendimento ume os mais variados
objetos em conceitos.
Assim existe uma única função para a
razão, a de formar conceitos ou representações abstratas. O conceito é uma
abstração daquilo que é essencial no objeto, simplificando desta forma a
representação intuitiva, diferente do entendimento cuja função é relacionar a
causa ao efeito. Todos os conceitos são representações abstratas nomeados de
Razão e originários das representações
intuitivas. Eles formam uma classe particular de representações encontradas
somente no homem. O princípio de razão determina tanto a experiência quanto as
leis de causalidade, motivação, e pensamento como forma de fundamentação dos
juízos, a estas figuras Schopenhauer nomeou de
princípio de razão de ser. A razão não pode fornecer
conhecimento sobre o absoluto por não ser uma
faculdade da
idéia ou da
coisa em si.
A abstração dos conceitos formados
pela razão, por conservar tão somente aquilo que é essencial, tem validade
apenas pela sua extensão, remetendo uma representação abstrata a outra
representação abstrata, uma espécie de remissão conceitual, tendo no final
desse jogo de conceitos o conhecimento intuitivo. Toda reflexão tem sua origem na intuição que é seu
ponto de partida.
A reflexão é cópia do mundo intuitivo,
por isso os conceitos são representação de representação, ou representação
abstrata. Em outros termos, os conceitos intuídos indiretamente são denominados
de abstracta, e aqueles com
fundamento direto no mundo intuitivo são denominados de concreta.
isso
Schopenhauer faz sua crítica à razão por ela não acessar a coisa e si, e por conseqüência, não decifrar os mistérios do mundo
e aquilo que está para além do fenômeno, o mundo em si, permanecendo somente na aparência do seu fenômeno. A crítica de
Schopenhauer à razão é severa, segundo ele, a razão não proporciona uma vida
feliz. A razão não evita o sofrimento, pois não há um meio termo entre a
voracidade e a abdicação.
4.11 O conceito e o erro
A intuição é fonte primeira de
qualquer evidência, e tão somente o que se refere a ela é verdade absoluta.
Os
vários conceitos são a maior fonte de erro, eles são mal produzidos e
imprecisos. Sempre que se constitui um juízo na forma sujeito-predicado do tipo
“a água é transparente”, a razão precisa saber se a frase possui fundamento e
conteúdo de base sólida dentro daquilo que é real. Se a razão verificar a
validade dessa frase, tem-se uma verdade, mas, por vezes, a razão falha nessa
verificação, é quando ocorre o erro.
De
tal modo que alguém que pratique a arte da persuasão, pode acomodá-los de
acordo com sua necessidade para chegar a finalidade a qual se propõe. Isto
acontece porque a razão que fornece conceito pode ser usada tanto para o bem
quanto para o mal. A razão quando começa a ser usada, está sujeita a erros de
juízo ao
ligar uma representação a
outra. A razão faz ligações entre as representações depois de, intuitivamente,
ter levado tudo ao entendimento para criar conceitos, pois a razão só tem essa
finalidade, criar conceitos
para
explicar os fenômenos efetivos que se apresentam ao sujeito. Na representação
abstrata, entram em cena a teoria e o erro. A conclusão estará correta quando o
fenômeno é relacionado a causa verdadeira, mas quem erra está supondo um
fundamento errado, uma causa errada para o fenômeno, nesse caso, existe uma
carência de entendimento, ou seja, uma incapacidade para conhecer a causa
partir do efeito. Atribuem uma causa errada ao fenômeno por incapacidade do
entendimento. Um exemplo disso é quando se diz
todas as vezes, sendo que isso é um conceito muito amplo e que
deveria ser substituído por
às vezes
ou ainda,
na maioria das vezes. Assim
a conclusão não seria errônea. O erro é semelhante a ilusão, um engano do
entendimento enganando a razão. A explicação não deve ter por fundamento o
encadeamento dedutivo, mas sim a relação entre a representação e seu princípio
de conhecimento (as quatro formas do princípio de razão), e a origem da
representação ou a coisa-em-si. Essas são as duas tentativas para explicar
alguma coisa.
“O
erro é o inimigo contra o qual os mais sábios espíritos de todos os tempos
travam uma batalha desigual e apenas o que nele conquistam se torna patrimônio
da humanidade.”
Esse é o lugar do erro, o ponto em que
tropeçam as inteligências fracas entre a intuição e a abstração.
Ou seja, da passagem da representação intuitiva para a representação abstrata.
Mais uma vez Schopenhauer repete que o exercício de deduzir conseqüências,
realizado pela razão, é um ato que o mais comum dos mortais, desde que tenha sã
consciência, pode realizar. No entanto julgar é imensamente mais difícil.
Segundo Schopenhauer raros são aqueles que possuem a capacidade de julgar.
Esses são os verdadeiros filósofos e sábios.
Mas nem tudo é negativo na razão, em seu
lado positivo, a razão torna o homem comedido e freia as paixões.
Schopenhauer está convencido de que o
lado irracional é fonte primeira de toda evidência, pois tão somente a
referência imediata é uma verdade absoluta. Negar a intuição e usar conceitos,
é como cortar as próprias pernas preferindo usar muletas, ou ainda, fugir da
beleza da natureza para contentar-se com a decoração de um teatro que a imita.
O destaque que Schopenhauer dá ao lado negativo da racionalidade chama a
atenção de seus leitores para o pessimismo e para a irracionalidade da
filosofia schopenhauriana.
4.12 A consciência e ciência
Consciência é um conceito derivado do
saber. Quem sabe tem a consciência de algo, isto é, tem ciência do saber. Para
corrigir o erro é que surgiu a consciência da reflexão, algo derivado da
intuição fornecendo ao homem clareza de consciência, e assim esse homem pensa e
sabe que pensa.
4.13 Razão prática
A razão não conduz somente ao
cientificismo, mas também a ação prática humana. Segundo Schopenhauer a
diferença entre o homem e o animal é que o homem formula conceitos abstratos em
sua consciência, o animal não.
Os conceitos são formas que interferem
decisivamente na existência do homem, já os animais, por ausência de razão,
estão limitados a objetos reais representados intuitivamente e imediatamente no
tempo. O homem, por causa do conhecimento abstrato, abrange também o passado e
o futuro e toda a possibilidade que decorre além da vida real. Por isso, no
homem, vida concreta e vida abstrata andam juntas. A primeira por levar em
consideração a realidade do presente, o sofrimento, a morte, etc. A segunda, a
partir da percepção racional, é o tranqüilo reflexo da vida concreta alheio ao momento, distante, onde o homem se
torna o observador da vida. O homem leva, portanto, uma vida dupla, a da
abstração e a concreta.
5 CONCLUSÃO
A teoria do conhecimento de Schopenhauer, começa a tomar forma a partir
dos anos de estudo e da viagem realizada na juventude à Europa. A pesquisa
realizada sobre os Vedas, em 1814 na
biblioteca de Dresde, deu a Schopenhauer suporte e organização ao seu
pensamento. Nos Vedas, este mundo é
causado por um outro mundo, o mundo de Atman,
ou como preferia dizer Schopenhauer, o mundo da Vontade. Atman, no vedismo, é o mundo da vontade eterna, a alma do mundo. Com
a vontade, a idéia platônica adquiriu
forma em um sujeito que representa o mundo com suas categorias. Categorias
estas, deduzidas a partir de Kant. A idéia assim se tornou manifesta em um
sujeito que, através de seus sentidos, percebe
os fenômenos do mundo. A idéia é objetivação da vontade.
A representação é o ponto de partida para o conhecimento em Schopenhauer.
Ela se forma no sujeito em contato com o objeto a ser conhecido, isso só é
possível mediante o uso dos sentidos, da causalidade, do entendimento e do
espaço/tempo. Essa é a forma mais simples que o sujeito tem de conhecimento. Trata-se
de um trabalho que chega a seu fim quando o objeto é percebido nitidamente, esse
é o momento que o objeto acaba de ser construído pelo sujeito, não lhe sendo
mais algo estranho, mas sim conhecido. O entendimento reconhece as informações
percebidas pelos sentidos como sendo um efeito. Com o auxílio do tempo ele
procura uma causa para este fenômeno, ao encontrá-la localiza-a no espaço. O
objeto assim está representando algo real para o sujeito.
Schopenhauer chamou de experiência direta à coleta de dados feita pelos
sentidos, pois se trata de uma experiência mediante os cinco sentidos em
contato com o objeto. A intuição intelectual acontece quando a partir dessa
coleta de dados se conhece a causa do efeito, fazendo uso, desta forma, da categoria
da causalidade. Assim a representação é fruto de uma intuição do mundo fenomênico
através do entendimento do sujeito cognoscente.
O conhecimento representativo só é possível no tempo e no espaço, pois os
sentidos somente captam formas daquilo que está lançado no tempo e no espaço.
Isso significa dizer que as pessoas já nascem com a possibilidade ou com os
sentidos apropriados para o conhecimento dos objetos. Uma estrutura de causa e
efeito possibilitando o conhecimento. Nesse sentido, o conhecimento é
causalidade visto que ele surge da relação do sujeito (causa do conhecimento)
com o objeto a ser conhecido (efeito), dando origem ao conhecimento
(causalidade). De um lado estão os objetos para serem conhecidos, do outro lado
está o corpo de um sujeito com esquema apropriado para o conhecimento. Quando o homem e seu
esquema são debilitados, o conhecimento por sua vez também é. Se alguém fosse
privado de seu entendimento, embora tivesse ainda os sentidos em perfeito
funcionamento, as imagens recebidas seriam como manchas disformes. Mas se essa pessoa recobrasse seu
entendimento, logo começaria a conhecer o mundo e aprenderia a usar a razão e a
entender o discurso, aprenderia a pensar e a formar representações abstratas.
A representação abstrata é representação da representação. Uma vez
formada a representação intuitiva, quando a pessoa vê o objeto nitidamente,
então a razão começa a pensar e a conceituar esse objeto. Esse conceito dá
origem a uma nova representação. Para a razão a causalidade se apresenta na
forma de reflexão, e é através dela que a razão formula conceitos sem levar em
consideração a coisa-em-si, algumas vezes dá uma nova causa para o objeto,
negando com isso a intuição. Schopenhauer não vê vantagens no uso da razão na
formação de novas representações ou representações abstratas, visto que elas
conduzem ao erro por unir conceitos sem levar em consideração a intuição. No momento da
intuição não há erro, por isso somente a representação intuitiva para
Schopenhauer contém a verdade.
Representar é um ato de ver com a totalidade do ser. Representar é
conhecer. Sem representação não existe conhecimento, assim como não existe
representação sem sensibilidade e sem entendimento. A representação sem entendimento
é uma figura vazia, algo sem serventia. Por isso o ser humano não é uma cabeça
alada, mas sim cabeça e corpo, portador de sentidos externos e internos e
dotado de intuição intelectiva.
REFERÊNCIAS
Bhagavad-Gîtâ: a mensagem do mestre. Tradução de Francisco
Valdomiro Lorenz. 22 ed. São Paulo: Pensamento, 2006.
BARBOSA, Jair. Schopenhauer: a decifração do enigma do
mundo. São Paulo: Moderna, 1997.
BOISSELIER, Jean. A sabedoria do Buda. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002.
BRUNNER-TRAUT, Emma. Os fundadores das grandes religiões.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
............................ Schopenhauer. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003.
BRUM, José Thomaz. O pessimismo e suas vontades:
Schopenhauer e Nietzsche. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
CHATTERJI, Jagadish Chandra, A sabedoria dos Vedas. São Pailo:
Pensamento, 1993.
CACCIOLA, Maria Lúcia M. O. Schopenhauer e a questão do dogmatismo.
São Paulo: Editora da universidade de São Paulo, 1994.
GAARDINER, Patrick. Schopenhauer. México: Fondo de cultura
econômica, 1975.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. − 3ª ed. rev. − Petrópolis, RJ: Vozes: Bragança Paulista:
Ed. Universitária São Francisco, 2005.
JODL, Friedrich. História de la Filosofia moderna.
Buenos Aires: Losada s/ ano de edição.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: SP. Martin Claret, 2006
LEFRANC, Jean. Compreender Schopenhauer.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
MANN, Thomas. Schopenhauer, Nietzsche, Freud. Madrid:
Alianza editorial, 2006.
..................... O pensamento vivo de Schopenhauer. São
Paulo: Martins Editora, l960.
PASCAL, Georges. Compreender
Kant. Petrópolis: RJ. Vozes, 2005.
PERNIN, Marie-José. Schopenhauer:decifrando o enigma do
mundo. Rio de Janeiro, 1995.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario.
História da filosofia. São Paulo:
Paulus, 2005. v. 5.
....................... História da filosofia. São Paulo:
Paulus, 2003. v. 1.
....................... História da filosofia. São Paulo:
Paulus, 2005. v. 4.
SAFRANSKI, Rüdiger. Schopenhauer y los años salvajes de la
filosofia. Madrid: Alianza Editorial, 1991.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação.
São Paulo: UNESP, 2005
WEISSMANN, Karl. Vida de Schopenhauer. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1980.