03/02/2018

SONHOS - Eliani Gracez


          A raça humana passa 1/3 de sua existência dormindo, e ao dormir, sobrevêm os sonhos. Algumas pessoas sonham eventualmente, outras sonham com mais frequência, outros ainda pensam não sonhar. O fato é que o interesse pelo sonho vem de longa data. Há mais ou menos 4 mil anos os egípcios acreditavam que os sonhos fossem mensagens divinas. Daquela época até os dias de hoje, muitas teorias e pesquisas sugiram. Cientista, filósofos e psicanalistas destinaram um tempo de suas pesquisas aos sonhos. Neste artigo, vamos estudar algumas dessas pesquisas, inclusive aquelas teorias que afirmam a essência divina dos sonhos.
          Dormir não é somente um privilégio humano, os animais também precisam dormir. Se o sono não fosse algo importante ele já teria sido eliminado, pois durante o sono os animais ficam mais vulneráveis a ataques de predadores. Entre os humanos, a quantidade de sono varia de pessoa para pessoa, uns acordam revigorados com cinco ou seis horas de sono, outros precisam dormir por mais tempo. Enquanto dormimos os processos metabólicos continuam, dormir não é uma parada do coração e nem do cérebro, muito menos uma parada respiratória. No processo do sono músculos se movem de vinte a quarenta vezes, pois a pessoa se movimenta enquanto dorme.
          A glândula pineal, que o filósofo francês René Descartes (1596-1650) considerava a morada da alma, e os hindus, a sede de um dos chacras mais importantes do corpo, também é ela que produz o hormônio do sono chamado de Melatonina. Com o fim do dia e a redução da luz a melatonina passa a ser liberada, trazendo o sono. Um dos motivos da falta de sono é a baixa produção de melatonina.
          Durante o sono o cérebro continua ativo. Nas últimas décadas exames foram realizados com aparelhos de eletroencefalograma que registram ondas cerebrais durante as horas de sono e de vigília, mas uma das grandes descobertas foi em 1951, pelo pós-graduado em psicologia Eugene Aserinsky, o chamado sonho REM (Rapid Eye Moviment/Movimento rápido dos olhos). A fase REM do sono é aquela onde se observam movimentos nos olhos. Nesta fase, os sonhos são mais vívidos. A fase REM do sono tem atividade cerebral similar à fase em que se está acordado.
          Em 1959, William Dement fez um experimento de privação de sono com o locutor de rádio Peter Tripp. O locutor ficaria acordado por 200 horas. Nos primeiros dias o locutor manteve sua lucidez, mas logo vieram alucinações, e cinco dias depois ficou seriamente perturbado, chegando a ver o terno de alguém de sua equipe cheio de vermes, acusando outra pessoa de ser o coveiro que viera medi-lo para fazer seu caixão. Com o fim da experiência, o locutor dormiu e recuperou a sanidade, permanecendo por semanas com a sensação de depressão.
          Existe uma nítida ligação entre o sono e a depressão. Dormir bem ajuda pessoas com depressão a ter uma melhor qualidade de vida, e a falta do sono a ter uma recaída na depressão. Pacientes com depressão, em sua maioria, relatam algum distúrbio do sono. O sono é importante para a saúde física e mental. Estabelecer bons hábitos de sono é fundamental, sobretudo, para quem sofre de depressão ou bipolaridade. No entanto, normalmente, o sono é a primeira coisa que sacrificamos quando estamos estressados ou sobrecarregados de serviço. Durante o sono existem várias fases distintas, incluindo alterações nos batimentos cardíacos, movimentos musculares e muito mais. Um processo inconsciente que dura a noite toda. Dormir mal ou ter poucas horas de sono, como também dormir excessivamente, pode afetar a saúde física e mental, por isso autorize-se a dormir adequadamente.
          Segundo Eddie Van Feu, sonhar pode ser o produto mental do mesmo tipo de processo psicológico que se percebe nas enfermidades mentais. A diferença é que o sonho se dá quando dormimos. De alguma forma, enquanto dormimos, somos delirantes e dementes.
          O sonho é mais importante para a psicanálise do que o sono em si. Ao dormir, vem o sono leve e os pensamentos podem ficar descoordenados. Sobrevém o sono intermediário onde pode haver experiências sensoriais irreais e pequenos tremores repentinos no corpo. Então vem o momento do sono mais profundo ainda, onde a pessoa fica aleia aos movimentos ao seu redor. E por fim, no último estágio vem o sono mais profundo onde pode haver o sonambulismo, algumas pessoas nesse estágio falam enquanto dormem. No sono REM, onde ocorre ativação do sistema límbico do cérebro, movimentos primitivos acontecem, é onde, segundo Freud, ocorre a regressão que leva aos estados primitivos da infância. O sonho parece estar além da linguagem conhecida por nós, isso porque desconhecemos muitos dos simbolismos que se apresentam em sonhos. No entanto, em uma avaliação mais detalhada, é possível perceber que o significado está no cotidiano ou na vida pregressa do sonhador. Uma paciente certa vez teve o seguinte sonho: sonhou que uma pessoa que ela gostava estava sendo ameaçada por um bandido. Ela não compreendeu o sonho e nem sabia quem eram aquelas pessoas que apareciam no sonho, mas estava preocupada com as ameaças feitas. Quando perguntei à ela quem era a pessoa que ela gostava na vira real, após um breve silêncio ela resposta que  era o namorado. Quando perguntei quem era a pessoa que ameaçava o namorado ou o namoro, ela respondeu que era um ex namorado que insistia em voltar a namorá-la. Aquilo que a princípio carecia de entendimento, tornou-se claro em uma análise da vida cotidiana da analisanda e da pergunta certa, ou, assertiva. O sonho precisa ser interpretado a luz do conteúdo interno de cada sonhador. Somente o sonhador pode dar significado ao seu próprio sonho ao trazer o sonho para sua própria linguagem, símbolos e signos. Em muitos casos é o sentido daquilo que sonhamos que deve ser analisado. No sonho citado anteriormente, o sentido está no medo das ameaças. A analisanda se sentia ameaçada pelo ex namorado que desejava reatar o namoro. Para Freud, o sonho é a estrada real que conduz ao inconsciente. A interpretação de símbolos, a partir do conteúdo do sonhador, é fundamental para compreender a natureza humana. Em um sonho é possível saber como o sonhador lida com as forças malignas ou sombrias, para então entender como a pessoa desperta lida com a adversidade, oposição de ideias etc. Carl Yung, discípulo de Freud, acrescenta algo importante aos sonhos que ele chamou de eventos psíquicos. Um exemplo desse tipo de sonho é uma criança que sonhou que anjos estavam levando seu irmão, quando acordou o irmão havia falecido.
          Com o fenômeno dos sonhos surgiu no passado da humanidade o conceito de alma humana que agia no mundo dos sonhos. Na antiguidade, alguns povos pensavam que os sonhos possuíam um significado. Pessoas como os profetas e sacerdotes traduziam as mensagens contidas nos sonhos. Hipócrates, médico grego (460-377 a.C.), escreveu no Tratado sobre os sonhos: “Alguns sonhos são de inspiração divina, outros são frutos do corpo físico”. Hipócrates acreditava que nos sonhos era possível prever doenças. Segundo ele, se em um sonho os astros são vistos fracamente, ou brilham fracamente e parecem ter parado de girar, isso é sinal de doença. Hipócrates vai mais adiante, a cor preta em sonho é sinal de doença física, sonhos de voo indicam perturbação mental. No Egito antigo, temos a famosa interpretação dos sonhos de José (Gênesis, antigo testamento). São vários sonhos interpretados por José, e outros sonhos que o próprio José sonhou e que se tornaram realidade. Um dos sonhos interpretados por José foi o sonho em que o faraó viu sete espigas de milho subindo de uma mesma haste granada e bela, mas eis que sete outras espigas de milho pequenas e queimadas nasciam atrás delas, e as sete espigas pequenas e queimadas devoravam as sete espigas granadas e belas. José disse ao faraó ser um aviso que a região teria sete anos de fartura , e depois viriam sete anos de miséria. Acreditando na interpretação de José, o faraó deu a José a tarefa de armazenar um quinto de todo o grão que fosse colhido no período de fartura. Passados sete anos de fartura sobrevieram os sete anos de escassez, como José havia interpretado.  Conta na Ilíada de Homero que enquanto Aquiles dormia o fantasma de seu amigo Pátroclo apareceu para ele dando instruções sobre seu funeral.  A Bíblia conta que em sonho José recebeu orientação sobre a gravidez de Maria: “José, não temas receber Maria como tua esposa, porque o que nela está gerado vem do Espírito Santo” (Mat 1:20).   Também a gravidez do Buda Siddhartha Gautama, foi revelada à sua mãe em sonho, e Maomé recebeu de Alá a primeira parte do Corão em sonho. Pela manhã Maomé interpretava seus sonhos e o sonho dos seus discípulos.
           O filósofo francês René Descartes (1596-1650) era um exímio sonhador, em 10 de novembro de 1619, Descartes teve três sonhos. Os dois primeiros cheios de aparições, vendaval e trovões que ele interpretou como sendo representações das consequências de seus pecados. No terceiro sonho ele recebia um dicionário e um livro de poesia. Descartes interpretou o dicionário como sendo a ciência, e o livro de poesia como sendo a filosofia. O filósofo Frances acreditava que ele tinha sido visitado pelo espírito da verdade. A romancista inglesa Charlotte Brontë (1816-1855) dizia que quando tinha dificuldades com seu texto ela se concentrava nele antes de dormir e acordava com o problema resolvido. Napoleão Bonaparte (1769-1821) não desprezava as ideias que vinham em sonho, ao acordar ele experimentava as táticas oníricas com miniaturas em uma caixa de areia.

          Encontramos nos sonhos uma forma pela qual o inconsciente se expressa, um acesso ao mundo da realidade de nossa não consciência, ou, inconsciência, ou, não sabedoria. Com + ciência = consciência, mas, onde está aquilo que ainda não sabemos e que de um momento para o  outro passamos a ter ciência? Se passamos a ter ciência é porque já estava pronto para ser acessado em algum lugar no nosso mundo interior, esperando ser trazido a consciência para ser estudado e analisado.  Reza a lenda que do caos surge a ordem. A própria bíblia diz que no principio só existiam as trevas. Seriam essas “trevas” o nosso inconsciente caótico onde contem aquilo que será trazido a ordem e que ainda não sabemos. Um filósofo antigo dizia que nós não sabemos nem mesmo o quanto não sabemos. Bons sonhos!