31/05/2010

FILHOS DO MEDO

Eliani Gracez

O ser humano encontrou no medo uma forma de organização social. Surge assim a cultura do medo. Impor limites, para alguns, é impor o medo. E assim, milhares e milhares de crianças foram educados pelo medo, para o medo e com medo. Crianças que cresceram limitadas, angustiadas, e, é claro, infelizes. Quando uma criança é educada com medo, ela se torna obediente e incapaz de impor sua vontade diante das relações desiguais. O medo assume uma representação marcante e limitadora da potencialidade humana. Por isso, a educação, historicamente, se deu através de castigos e agressão. E assim, ao longo dos séculos, o medo foi “o carro chefe” da educação. Como bons filhos do medo, tememos até mesmo a liberdade, pois o medo impõe um limite atroz, e por isso desconhecemos a liberdade. Medo de morrer, medo da velhice, medo da doença, medo de perder o que foi conquistado, medo de promover mudanças na vida, por isso preferimos a mesmice, medo do desconhecido. Medo de encarar um novo desafio e perder tudo. Medo de ter que começar tudo outra vez. Medo! Medo! Medo! Onde há o medo não pode haver sabedoria, dizia um filósofo antigo. Não sabemos mais viver sem medo e sem disseminar o medo. Seja através de uma chinelada no filho ou um olhar ameaçador. Tem até quem pense que só respeitamos aqueles a quem tememos. É por não saber fazer se respeitar de outra forma, que o ditador impõe o medo e alguns pais usam o chinelo. Quanta ausência de sabedoria! Tudo isso, porque ao invés de criar a cultura da felicidade e ensinar aos filhos como fazer bom uso da liberdade, por falta de sabedoria, criamos a cultura do medo. E hoje, por mais que uma mudança no paradigma da educação seja necessária, tememos a mudança. Foram séculos e mais séculos de educação pelo medo. E com isso, a liberdade em pessoas despreparadas para ela, tomou caminhos tortuosos. Tudo isso porque a liberdade na cultura do medo foi afastada, extirpada como se fosse um grande mal. O desafio é grande, acabar com a cultura do medo é dar a todos os seres humanos a mesma condição de igualdade ou de liberdade. Por isso hoje se fala em “rede” ou “teia” na área da educação e da família. Onde uma pessoa não é mais importante do que a outra. O problema é, quem é que sabe educar sem se impor através do medo? Onde estão nossos sábios? Ditadores poderíamos apontar um monte, mas sábios, quem conhece um?


20/05/2010

ENSINEM SEUS FILHOS A FALHAR

Eliani Gracez
O modelo tradicional de família tem sofrido modificações significativas. O modelo do passado era de uma hierarquia, em forma de pirâmide, onde os filhos deviam obediência aos pais. Esse modelo tornou-se decadente e foi substituindo por um novo modelo, onde o filho é tão respeitado quanto o pai, e a mulher tem a mesma igualdade e os mesmos direitos que o homem. Esse novo modelo não é bom nem ruim, ele é apenas diferente. O problema é que esse novo modelo requer uma nova forma de educação. A nova criança não tem medo, é ousada, não teme os pais e quer liberdade para fazer suas próprias escolhas. Ela quer ser “dona do seu nariz”. Com isso os pais perderam a autoridade sobre os filhos. A educação pela autoridade deve ser substituída por um novo modelo rico em sabedoria, onde a criança compreende sua importância no mundo e é preparada para exercer seu papel dentro da sociedade. Essa nova criança surge como espelho à liberdade da mulher. A submissão da mulher, no passado, também foi modelo para crianças que deram continuidade ao patriarcado. Em meio a essa mudança toda, tem jovens que não sabem o que fazer com sua liberdade, porque não foram preparados para enfrentar o grande desafio que é viver e fazer escolha. Se no passado os pais faziam escolhas pelos filhos, hoje são os próprios filhos que fazem suas próprias escolhas. Isso exige um preparo que muitos não têm. Exige que pais preparem seus filhos para fazer estas escolhas. Nesse novo paradigma também é preciso ensinar aos filhos a lidar com a adversidade e com as falhas humanas. Não somos perfeitos, vamos errar inevitavelmente mais cedo ou mais tarde. No entanto, os pais de hoje procuram dar de tudo aos filhos e criam a ilusão de uma vida sem erros. No passado, quando uma criança tirava notas baixas na escola, ela sabia que teria de se justificar diante dos pais. Hoje, quando uma criança vai mal na escola, os pais tratam como se a falha fosse do professor e não da criança. No modelo atual, é o professor que tem que se justificar pelo baixo rendimento do aluno, eximindo a criança do erro. O sonho de uma vida sem erros e repleta de prazer, muitas vezes acaba no consumo de drogas. Uma fuga às dificuldades da vida que nem sempre é tão perfeita quanta a infância. Um passarinho que cresceu em uma gaiola, quando é colocado em liberdade morre, porque ele não aprendeu a voar livremente.

16/05/2010

O PENSAMENTO:UMA INVESTIGAÇÃO LÓGICA

RESUMO

Entre os escritos de Gotlobb Frege o ensaio “O pensamento” ultrapassa as fronteira da semântica e penetra no domínio da filosofia da mente. Apesar de O pensamento ter sofrido criticas devido ao seu platonismo, a obra inspira debates até os dias de hoje. Frege, nascido na Alemanha em 1848, trabalhava na fronteira entre a filosofia e a matemática. Foi o principal expoente da lógica simbólica moderna e daquilo que ficou conhecido como sendo a virada linguística. É considerado, junto com Aristóteles, o maior lógico de todos os tempo. Frege não estava preocupado com a Filosofia, mas sim em corrigir erros de demonstração de argumentos válidos. O que Frege queria era evitar mal entendidos e erros no pensamento.

1 INTRODUÇÃO

A filosofia surge como uma necessidade de compreender melhor o mundo de nossa experiência. Isso nos diz que o mundo não se revela a si mesmo como algo espontâneo e natural. Para compreender o mundo de nossas experiências, é preciso analisá-lo. A análise pressupõe uma decomposição de conceitos para definir melhor o próprio conceito. Definir é significar melhorar alguns conceitos básicos. Chegamos então a análise da linguagem como método de filosofia, pois conceitos são considerados entidades linguísticas. Partindo desses pressupostos, a filosofia analítica surge no final do século XX, como uma reação ao hegelianismo (idealismo absoluto) e ao kantismo (filosofia transcendental).
A semântica clássica, desenvolvida a partir de Frege e Russel, destacou-se no século XX com a teoria das descrições definidas e o atomismo lógico que, junto com Wittgenstein, Tractatus lógico-philosophicus, 1921, e Moore caracterizam a chamada escola Analítica de Cambridge. É possível, ainda, nessa tradição, incluir o positivismo lógico do chamado círculo de Viena, influenciado por Wittigenstein.
Gottlob Frege trabalha na fronteira entre a filosofia e a matemática. Foi o idealizador da lógica matemática ou lógica simbólica moderna. É considerado, junto com Aristóteles, o maior lógico de todos os tempo. Frege não estava preocupado com a Filosofia, mas sim em corrigir erros de demonstração de argumentos válidos. O que ele queria era evitar mal entendidos e erros no pensamento.
As impressões sensíveis determinam, quase que de forma exclusiva, o curso das representações, e nelas nos movemos a vontade. Essa é uma dependência que dificilmente se poderia escapar, caso o mundo também não dependesse de nós em algum momento. O mundo que nos cerca é influenciado por nós através da apreensão do pensamentos, que penetra no domínio da vontade de cada pessoa. Isso leva a crer que não nos movemos tão somente no mundo das representações, mas também no domínio do pensamento que, ao ser exteriorizado, modifica o mundo vivido por nós.

2 A VIRADA LINGUÍSTICA

A linguagem, nos dias atuais, tornou-se questão fundamental para a filosofia. Do confronto entre filosofia transcendental e filosofia analítica, surge a “crítica do sentido” enquanto crítica da linguagem. Para a filosofia transcendental, o objeto é uma construção da razão do sujeito. Nesse caso, o ponto principal da investigação não é o objeto, mas sim a razão que procura conhecer o objeto. Segundo Kant, em nossa razão são encontrados princípios do conhecimento daquilo que é dado a priori a partir da razão pura, como formas do intelecto e leis da representação que o sujeito faz da existência. Desse idealismo Frege mantém os juízos analíticos, pois considerou o “a priori” sem sentido. Dizer, por exemplo, que a=a, ou, que uma pessoa é igual a ela mesma, não acrescenta em nada ao pensamento. Essa tautologia apriorística redunda em algo sem sentido. Para Frege o que importa é o conteúdo proposicional e não o seu apriorismo. É no conteúdo que o sentido e o pensamento são encontrados. Embora a analítica deixe de lado os juízos sintéticos a priori, ela mantém a relação do sujeito com o objeto, que agora não tem mais por mediador a razão pura, mas sim a linguagem. Isso significa dizer que o sentido das coisas não está mais na razão de um sujeito que conhece a priori, e sim na proposição. O pensamento contido em uma proposição é o seu sentido. Com o deslocamento do pensamento para a proposição, se deu a virada linguística que modificou o cenário filosófico.
A virada linguística é uma maneira de significar a pergunta filosófica. Não perguntamos mais pela essência do conceito, a pergunta agora é pelo uso desse conceito na linguagem. Isso significa dizer que a linguagem passa para a esfera dos fundamentos do pensar. A pergunta pelo sentido se tornou a pergunta pelo sentido de uma proposição e seu valor de verdade com relação ao mundo exterior a nós. Pois não existe mundo totalmente dissociado da linguagem, bem como não existe mundo que não possa ser expresso na linguagem. A linguagem é o lugar de expressão do mundo.

3 SOBRE O SENTIDO E A REFERÊNCIA

Para Frege, nascido na Alemanha em 1848, o sentido é aquilo que ao traduzir um livro não pode ser adulterado. Trata-se do modo de apresentação de um símbolo. O sentido é o que captamos quando compreendemos uma palavra. Ele não é o objeto e nem a representação que fazemos dele. Para esclarecer melhor, Frege usa o exemplo da lua sendo observada por alguém através de um telescópio. A lua em si é a referência, o objeto de observação. Uma pessoa ao observar a lua, forma uma representação a partir de seus sentidos, entendimento e intuição. A representação, nesse caso, é unilateral e arbitrária, ela é o ponto de vista de cada pessoa. Cada indivíduo ao contemplar a lua, forma sua própria representação do objeto em questão. A imagem projetada na lente no interior do telescópio é comparável ao sentido, que pode servir a vários observadores. Assim o sentido não é o objeto, mas também não é o ponto de vista do observador. O sentido é o modo como o objeto é apresentado, sendo ele objetivo pelo fato de poder servir a vários observadores.
A sentença “a estrela da manhã é um corpo iluminada pelo sol”, possui como referência o planeta Vênus; como descrição definida o nome “estrele da manhã” ; e por sentido o pensamento expresso pela sentença, ou o modo de apresentação do objeto.
Alguns enunciados não possuem referência. A frase “Ulisses profundamente adormecido foi parar em Ítaca”, possui um sentido, mas talvez não possua uma referência. Não importa se Ulisses existe de fato para o pensamento. Para haver sentido não precisa que exista uma referência, mas sim um modo de apresentação do objeto. No entanto, caso alguém queira dar a essa frase um valor de verdade, teria que atribuir a ela uma referência que fosse falsa ou verdadeira, pois é da referência do nome “Ulisses” que o predicado é afirmado ou negado. Portanto, mesmo que “Ulisses” não tenha uma referência, o pensamento contido no enunciado continua o mesmo, pois o sentido e o pensamento independem da referência.

4 O PENSAMENTO: UMA INVESTIGAÇÃO LÓGICA

Frege inicia o artigo O pensamento, caracterizando a natureza da lógica. Para ele a natureza da lógica consiste em encontrar as leis do ser verdadeiro. São regras de inferências válidas onde a verdade das premissas está preservada na conclusão. Um exemplo sobre isso é “Se P então Q”, por meio da lógica da implicação, “P” implica na verdade de “Q”. Se “P” é verdadeiro, então “Q” também é. Outro exemplo, agora de um erro histórico de dedução, é o enunciado cartesiano. “Penso logo sou” (existo). Da palavra “penso” não se deduz a existência, mas sim que tem alguma coisa que pensa. O correto seria dizer: penso, logo tem algo que pensa. São erros como esse que Frege queria corrigir.
Assim como a palavra “belo” é objeto da estética, e “bem” objeto da ética, a palavra “verdadeiro” é objeto da lógica. Descobrir verdades é tarefa de todas as ciências. No entanto, é tarefa da lógica discernir as leis do ser verdadeiro. As leis do verdadeiro, não são leis morais ou jurídicas. Também não são leis da natureza, por mais que os acontecimentos estejam em consonância com a natureza, e o verdadeiro, por isso, se assemelhe a ela. O problema é que o verdadeiro não é um acontecer, um asserir como se fosse verdadeiro, mas, sobretudo um ser. Das leis do ser verdadeiro decorrem prescrições, o pensar, o asserir, o julgar e o raciocinar.
A verdade não pode ser uma relação entre imagem e seu objeto, pois imagens de coisas das quais eu não posso comparar com o objeto, teriam que ser rejeitadas, limitando deste modo a verdade. Cada representação teria que ser sempre comparada ao objeto da representação para saber se é ou não verdadeira. A verdade não pode ser considerada relação ou comparação entre imagens e objetos e tão pouco uma relação de objeto para outro objeto. Se fosse uma relação entre objetos, cada cédula de dinheiro teria que ser comparada a uma cédula original, para só então afirmar sua veracidade. A verdade também não é uma correspondência entre uma ideia e o objeto real. A comparação entre uma ideia e seu objeto real nunca seria perfeita, seria uma semelhança e não uma correspondência perfeita. Teríamos, nesse caso, uma verdade parcial, mas isso não existe. Ou é verdade ou não é. Não existe o mais ou menos verdadeiro. A verdade também não ocorre quando ela se dá a partir de um determinado ponto de vista. Ponto de vista cada pessoa tem o seu, e qual desses pontos de vista seria o verdadeiro? E assim malogra qualquer tentativa de estabelecer a verdade como correspondência. Quando alguém diz: “minha ideia corresponde a Catedral de Colônia”, isso é uma sentença, e assim o que esta em jogo é a veracidade desta sentença. Portanto, a verdade não é uma ideia ou imagem. A verdade é uma propriedade do sentido, e o sentido é o pensamento contido na sentença.
O pensamento não é algo perceptível pelos sentidos. Tudo que seja perceptível pelos sentidos deve ser excluído do domínio do pensamento. O pensamento a que nos referimos é aquele que está contido em uma sentença. Frege também exclui do domínio do pensamento sentenças imperativas e sentenças que expressam desejos ou pedidos. Somente serão levadas em consideração sentenças que comuniquem ou declaram algo. Estão igualmente fora do domínio do pensamento sentenças que expressam sentimentos, gemidos, suspiros, risos, a menos que por uma convenção estejam destinadas a comunicar algo. Frege, no artigo O Pensamento, trata de sentenças declarativas.
Uma sentença assertiva ou declarativa contém o pensar (apreensão do pensamento, o julgar (reconhecimento da verdade do pensamento), o asserir (a manifestação do juízo). Primeiramente apreende-se o pensamento que, após investigação, será reconhecido como verdadeiro. O reconhecimento da verdade é expresso na forma de uma sentença assertiva. Nesse caso, não precisamos da palavra “verdadeiro”. Quando uma sentença perde sua força assertiva, a palavra “verdadeiro” não poderá substituí-la. Isso é o que acontece quando não se fala a sério ou se conta uma mentira. O trovão em uma peça de teatro é apenas aparente, por mais que se tente aproximar ele do real. Nesse caso, a asserção é aparente e não de fato. Devemos sempre perguntar se uma sentença realmente contém uma asserção, pois em nada contribui para o pensamento se for utilizada ou não a palavra “verdadeiro”. O asserir não pode ser confundido com o julgar. Asserir é o movimento que o pensamento realiza em direção a referência para ser confirmado como verdade ou falsidade. Por isso mentiras não podem ser asseridas ou confirmadas, pois não há o movimento em direção a referência. O pensamento não indica, nesses casos, sua referência. Não adiantando dizer que a mentira é verdadeira. Mentiras não possuem força assertiva. A palavra “verdadeiro” não substitui a asserção.
Se por um lado a inclusão da palavra “verdadeiro” em uma sentença não altera o pensamento contido nela, por outro lado a temporalidade altera o pensamento. É preciso saber quando a sentença foi proferida, pois o tempo faz parte da expressão do pensamento. Se alguém pretende dizer hoje o mesmo que foi dito ontem, terá de substituir a palavra “hoje” pela palavra “ontem”. Necessitamos, também, para a expressão correta do pensamento, em determinadas circunstâncias, que o proferimento seja acompanhado de uma ação. É o caso quando alguém diz “eu”, pois o “eu” proferido por várias pessoas encerra diferentes pensamentos, alguns falsos outros verdadeiros.
O que realmente importa é que o mesmo pensamento deve ser apreendido por várias pessoas. Não é possível comunicar um pensamento que só aquele que o profere possa apreendê-lo. Portanto, quando alguém diz “Eu fui ferido” , essa pessoa tem que usar a palavra “eu” de uma forma que todos possam compreender que o sentido desse “eu” é “aquele que lhes está falando nesse momento”
Frege pergunta se seria o pensamento uma ideia? Inicialmente Frege diferencia o pensamento daquilo que ele chama de mundo interior. Ao mundo interior pertence a vontade, estados da alma, imaginação e ideia. O mundo interior cada pessoa possui o seu. Sua vontade, sua ideia, um estado da alma que é próprio de cada pessoa. Portanto, o mundo interior possui um só portador. O pensamento contido no teorema de Pitágoras é reconhecido como verdadeiro por várias pessoas, porque ele não pertence ao conteúdo da consciência de uma única pessoa. Uma pessoa não é o portador desse pensamento. Se o teorema de Pitágoras pertencesse ao conteúdo da consciência de uma só pessoa, o correto seria dizer “seu teorema de Pitágoras” ou talvez “meu teorema de Pitágoras”. Nesse caso cada pessoa teria um teorema de Pitágoras somente seu, e a verdade estaria sujeita ao conteúdo da consciência. Não seria o pensamento reconhecido por duas ou mais pessoas. Não haveria uma ciência do pensamento, e toda disputa em torno da verdade seria desnecessária e inútil.
É preciso então admitir não pertencer o pensamento ao externo e nem ao interno. Sendo ele um terceiro domínio por não necessitar de um portador e não ser ele uma ideia. O pensamento, portanto, não pertence ao mundo físico e nem ao mundo interior. Esse é o motivo pelo qual o pensamento contido no teorema de Pitágoras ser intemporalmente verdadeiro, independente de alguém o considerar verdadeiro ou não, visto que não requer portador. “Ele é verdadeiro não a partir do momento de sua descoberta, mas sim como um planeta que já se encontrava em interação com outros planetas antes mesmo de ter sido visto por alguém.”
Ao pensar não produzimos pensamentos, mas sim os apreendemos. Nesse caso, o que Frege chama de verdadeiro não está relacionado em nada com o fato de ter sido pensado por uma pessoa, o verdadeiro independe das pessoas.
A tarefa da ciência consiste em descobrir pensamentos verdadeiros, intemporais e imutáveis. A verdade não pode surgir da descoberta de um cientista, mas sim da apreensão de um pensamento verdadeiro que desde sempre existiu. Somente uma sentença completa expressa um pensamento. Mas se esse proferimento é verdadeiro, ele será intemporalmente verdadeiro. Não será uma verdade somente hoje ou amanhã, mas intemporalmente verdadeiro.
O pensamento atua no domínio, físico a partir de sua apreensão. Uma vez tomado como verdadeiro, o pensamento tem conseqüências no mundo interior de quem o apreende. Ao penetrar no domínio da vontade de cada pessoa, o pensamento promove mudanças em seu mundo interior que, por sua vez, ao ser exteriorizado, promove mudança no mundo exterior.
Se apreendermos o pensamento que enuncia o teorema de Pitágoras, e o aceitamos como verdadeiro, pode acontecer de levarmos ele a prática. E desta forma, nossa ação e nosso julgar são influenciados por um pensamento. Comunicamos pensamentos, e assim influenciamos outras pessoas que captam o pensamento.
Os pensamentos são reais, embora eles pertençam a uma natureza diferente a natureza da realidade das coisas. Sua eficácia depende daquele que o apreende. Quem pensa não cria um pensamento, mas o toma tal qual ele é. Podendo ser verdadeiro sem ter sido apreendido. O pensamento é real e passíveis de ser levado a prática.

CONCLUSÃO

Frege abriu uma nova perspectiva filosófica, perspectiva essa que se opôs aos conceitos filosóficos que vigoravam em seu tempo. Com a definição de pensamento como sentido de um enunciado, Frege caracteriza a chamada virada linguística do século XX.
Observando haver armadilhas na linguagem corrente, Frege criou uma linguagem lógica para solucionar erros na conclusão de premissas. A linguagem corrente revela o pensamento, porém, também o esconde entre a ambiguidade e imprecisão. Frege pretendia elaborar uma linguagem conceitual perfeita, adequada para revelar o pensamento em sua forma lógica. O pensamento em sua forma lógica se revela com clareza e nitidez, não como conteúdo mental ou individual, não como representação, mas sim o ser do pensamento. Frege, em sua Conceitografia, considera que uma das funções da filosofia, é romper com o domínio da palavra, para eliminar erros que surgem inevitavelmente com o uso da linguagem. Libertando assim o pensamento das armadilhas conceituais que o aprisionam.
O domínio do pensamento não é físico, não é mental, o pensamento pertence a um terceiro domínio. Isso o aproxima de um platonismo. Pensamentos são imutáveis e independem de quem os pense. Eles independem de nossa existência assim como o mundo das ideias de Platão. Frege também sofre críticas com relação aos entes matemáticos, eles igualmente independem de ter ou não alguém que os apreenda. Também na matemática a crítica a seu platonismo se faz presente. Quanto a filosofia da mente contida no artigo O Pensamento, reside em sua estrutura pluralista. A filosofia da mente pergunta pela relação mente (pensamentos) e corpo. Frege dá esta resposta: o pensamento é independente, mas interage ao ser interiorizado com o mundo volitivo, e, por sua vez, a vontade atua nas ações humanas e influenciam o mundo físico. Por isso o pensamento de Frege, na filosofia da mente, é considerado um pluralismo interacionista, semelhante a Karl Popper. Apreendemos pensamentos e comunicamos pensamentos.
O artigo O Pensamento foi escrito quando Frege já não dava mais aula na universidade. Em sentido e referência, Frege se limitou ao estudo do sentido como sendo o pensamento proposicional, não entrando em detalhes sobre como se apreende o pensamento e como esse pensamento influencia o mundo em que vivemos. Tão pouco entrou em maiores detalhes sobre o terceiro domínio e sua imutabilidade. Estas questões foram ampliadas em seus escritos da maturidade com o artigo O Pensamento. Dando assim origem a uma filosofia da mente através da interação dos três domínios, físico, mental e pensamentos.

REFERÊNCIAS

BRITO, Adriano Naves. Nomes próprios: semântica e ontologia. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2003.

BURGE, Tyler. "Belief de Re" (The Journal of Philosophy 74, no. 6 (1977): 338-62.

ARAÚJO, Manfredo de Oliveira. Reviravolta Linguístico-Pragmática. São Paulo: Loyola, 2001.

CURRIE, Gregory. An introdution to his philosofhy. The harvester press. Sessex. Barnes & Noble books. New Jersey.

FREGE, Gottlob. Lógica e filosofia da linguagem: sobre o sentido e a referência. São Paulo: Cultrix, Ed. Universidade de São Paulo, 1978.

............... Investigações Lógicas. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: SP. Martin Claret, 2006

MARCONDES, Danilo. Filosofia analítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. 2004.

PENCO, Carlo. Introdução a filosofia da linguagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.