31/10/2015

O SILÊNCIO DOS INOSCENTES

Eliani Gracez Nedel

Adoro a conversa, o diálogo, a troca de ideias, o olho no olho. A expressão livre pela palavra seja ela falada ou escrita, mas, por incrível que pareça, a liberdade de expressão é mais recente do que se supõe. Tem poucas décadas que calar uma pessoa, fazê-la silenciar, era o sonho de muitos opressores. Na educação crianças silenciavam somente com o olhar dos pais, e mulheres baixavam a cabeça e silenciavam como demonstração de uma educação recatada. E assim se formou uma geração de pessoas que não sabiam dizer "não", não sabiam dizer "basta". Mas não vamos nos iludir, resquícios deste tipo de opressor, ou talvez fosse melhor dizer predador, ainda andam por aí. A necessidade de domínio ainda está entranhada em muitas pessoas, que para se sentirem vivas precisam dominar o outro. Sobretudo quando aquilo que o outro diz o afeta profundamente. E assim surge uma sociedade com pessoas com dificuldade de assumir o que pensam. Dizer sim quando gostaria de dizer não, pode ser um mecanismo de defesa que esconde, por exemplo, uma insegurança ou auto estima baixa. Engolir tudo sem pôr limites as demandas externas, pode causar sérios danos ao psiquismo e ao corpo físico quando por questão emocional um órgão de seu corpo é afetado. Algumas pessoas têm mais dificuldades do que outras para dizer não. Assim como têm pessoas com dificuldades de aceitar um não porque não suportam a rejeição. Trata-se, nesse caso, de pessoas desamparadas na infância, que se sentiram rejeitadas. Receber um não remete elas ao desamparo e ao desafeto. Estas duas características podem ter origens bem diferentes. Não aceitar um não pode remeter ao desafeto ou a um narcisismo primário, onde a criança vê nos pais seus escravos e cresce pensando que todos estão ali para servi-lo. Até o dia que alguém lhe diz “não”. Já a pessoa que não consegue dizer não pode formar uma personalidade prestativa para ocultar sua incapacidade em dizer não, oculta-se nesse caso uma pessoa, muitas vezes, sem autoestima nenhuma.
"Andar por terras distantes e conversar com diversas pessoas torna os homens ponderados." (Miguel de Cervantes)


24/10/2015

RESISTÊNCIA


Eliani Gracez

Tememos o poder e por isso nos sabotamos. Estamos tão acostumados a uma vida medíocre que não sabemos viver de outra forma e não sabemos o que fazer com o poder que cada pessoa tem e por isso nos sabotamos e desenvolvemos resistência ao nosso crescimento. Confundimos humildade com ausência de poder. Nietzsche já alertava que a moral do fraco é a moral vencedora nesse planeta. Como existe uma moral enraizada em nós que diz que temos que ser humildes, consideramos nossa potência um erro. Poder é potência, mas onde está o nosso potencial? Na potência reside nossa sabedoria. O fenômeno da resistência tem sido observado desde os primórdios da psicanálise e continua sendo considerado a pedra angular na prática analítica. Motivo pelo qual, a resistência ainda continua sendo estudada em seus mais variados prismas. A concepção de resistência surgiu quando Freud começou a trabalhar com as lembranças “esquecidas” de suas pacientes histéricas, até então a resistência era vista como um obstáculo à análise. Em A Interpretação dos sonhos, os conceitos de resistência e censura estão relacionados, e tudo o que interrompe o progresso da análise é resistência. Aos poucos Freud entendeu que a resistência não estava somente naquilo que estava sendo reprimido em sonhos, mas também nos impulsos de origem sexual. E assim o conceito de resistência, aos poucos, foi ampliado para resistências em Inibição e em angústia. A resistência pode ser consciente ou inconsciente, segundo Zimerman, Manual de técnica psicanalista, página 97, ela sempre provém do ego, ainda que tenha outras influências da psique. A resistência pode se expressar pelas emoções, atitudes, ideias, impulsos, fantasias, linguagem, somatizações ou ações. Nesse sentido todo aspecto da vida mental pode estar relacionado a resistência. Por este motivo as resistências podem ser complexas e se apresentar de variadas maneiras tais como: faltas, atrasos, intelectualizações, exagero de silêncio, sonolência, entre outros. Pode-se também relacionar a resistência à patologia que lhe deram origem. Teríamos, nesse caso, resistência do tipo Narcísica, esquizoparanóide, maníaca, fóbicas, obsessivas etc. Também é útil considerar resistências relacionadas ao desenvolvimento emocional primitivo, entre estas o narcisismo é, particularmente, importante por se constituir no cerne da formação da personalidade e da identidade na mais tenra idade. Mãe e bebê reproduzem uma simbiose original, uma situação psíquica onde persiste um forte grau de fusão, uma não diferenciação um do outro. Quando o bebê sai da fase simbiótica, ele inicia a fase de separação e diferenciação do eu com relação ao outro. Uma diferenciação entre o bebê e sua mãe. Desta forma se dá o nascimento psicológico da criança. Enquanto a criança permanecer nesse estado simbiótico com sua mãe ele não diferenciará o eu do não eu. Neste caso a criança desenvolve uma crença ilusória e onipotente de que possui independência absoluta. Na fase simbiótica o bebê acredita que os atos de sua mãe são os seus atos, e que cada obra de sua mãe é fruto do seu desejo. E assim se forma no bebê a ilusão de que todos estão ali para ele e somente para ele. Uma ilusão se forma onde o bebê é a majestade e os outros seus súditos. Essa onipotência, em muitos casos, permanece até a fase adulta, onde as pessoas que rodeiam a pessoa onipotente estão ali para servi-la. E assim se dá o relacionamento com o mundo exterior. A não aceitação da diferenciação leva a um estado de resistência em aceitar a singularidade entre as pessoas, e a um estado de incompletude. Freud aprofundou com o tempo o estudo sobre as resistências, sobretudo a resistência e sua associação com o ego. O ego é o responsável pelo contato do psiquismo com o mundo real exterior ao indivíduo. Ele atua de acordo com o mundo exterior da pessoa, estabelecendo uma ligação entre as demandas do inconsciente e o superego. Estão no ego as percepções, sentimentos, memória e os pensamentos. Por outro lado, o Superego está relacionado as normas e valores imposto pela família, religião, moral social etc. O superego se forma durante a fase fálica, onde a criança começa a internalizar os valores e as normas sociais. O superego nos diz o que é certo e o que é errado, o que é proibido e o que é permitido. E assim os impulsos do inconsciente começam a ser inibidos. Impulsos são liberados do inconsciente e a pessoa sente, por exemplo, uma determinada vontade, mas o superego julgar aquela vontade imoral e por isso reprime. Formando assim resistências e sabotagens.





NEUROSE

Eliani Gracez

Freud sistematizou a teoria da técnica analítica que permite compreender os neuróticos e suas neuroses como um fenômeno clínico passível de tratamento. Freud debruçou-se sobre o conceito de neurose por longos anos de sua vida, o adoecer e a reorganização da psique tornaram-se assim uma possibilidade terapêutica que encoraja o neurótico a superar seus conflitos, entre a pulsão e a saúde psíquica, ao trazer a luz os impulsos inconscientes reprimidos ou recalcados. 
O adoecer do neurótico está vinculado a uma situação patológica de frustração das pulsões e repressão da libido, sendo assim, o adoecer é consequência e não a causa de um transtorno patológico. Causas prováveis de neurose são, em geral, disposições hereditárias, experiências da primeira infância, frustrações, infortúnios da vida tais como falta de amor, pobreza, desestrutura familiar, rigidez ética imposta pela sociedade, entre outros. A repressão e mecanismos coercitivos da sociedade são fomentadores de conflitos, por exemplo, a libido versus ideal acético. E assim se instala uma luta entre dois impulsos gerando a doença ou neurose. Não vamos aqui confundir a luta entre duas polaridades que acontece na hora em que o indivíduo tem que fazer uma escolha, mas sim entre o ego e aquilo que muitas vezes ficou recalcado no inconsciente, uma verdadeira luta entre a doença e sua causa. A luta só pode ser vencida quando os dois oponentes se encontram em campo de batalha, onde um pode ver o outro, a luta acontece no consciente. E assim a neurose e sua causa se encontram para a solução do conflito instalado. Desse confronto surge de alguma forma uma solução para o neurótico. Uma luta consciente da causa e seu subsequente efeito. Pretende-se, nesse caso, chegar até a causa pelo efeito.
Segundo Freud, o nosso consciente não controla o nosso comportamento, pois mesmo nossas ações conscientes em muito resultam do inconsciente. O inconsciente é a região da psique constituída por desejos, paixões, pulsões, libido e recalcamentos. Freud apresenta duas interpretações do psiquismo: a primeira e a segunda tópica. Na primeira tópica ele recorre à imagem de um iceberg onde o consciente corresponde a parte visível do iceberg, enquanto o inconsciente corresponde a parte submersa, aquela que não é visível, é a parte maior do psiquismo. O inconsciente tende a tornar-se consciente através da análise, no entanto, o acesso as pulsões e desejos inconscientes, por vezes, são impedidos pelo recalcamento de chegar ao consciente, sendo o recalcamento um mecanismo de defesa da psique. Ele é o processo pelo qual são eliminados da consciência e guardados no inconsciente parte da vida afetiva e relacional profunda. O recalcamento simplifica a existência e organiza as neuroses. Assim como existe um movimento que vai da consciência para a inconsciência chamado recalcamento, também existe um movimento que faz o processo inverso, aonde se vai da inconsciência, passa pela pré-consciência e chega à consciência. O inconsciente, ou id, é uma região do psiquismo primitivo a partir do qual se formam o ego e o superego. O ego é uma parte do id que se desenvolveu e está em contato com a realidade externa. O ego controla os impulsos do id, age como um juiz que decide qual dos impulsos deve ser satisfeito. Quanto ao superego, ele serve para regular o ego, são os códigos de moral assimilados desde a infância, são regras e normas que inibem a personalidade. O superego representa a moralidade que reprime uma pessoa. Segundo Freud, a repressão exige um constante consumo de energia para se manter, por isso ela pode ser realizada ao longo da vida, e a ansiedade surge quando existe risco do material reprimido tornar-se consciente. À medida que Freud aprofundou a clínica psicanalítica, algumas revisões teóricas são realizadas. Assim surge a segunda tópica que é uma postulação do ego como objeto de amor e objeto de investigação sexual, através da Introdução ao Narcisismo.
Pessoas reprimidas recalcam em sua psique parte de sua vida emocional e vivem como se alguns impulsos que estão no inconsciente não existissem. Pessoas assim impõem uma moral para aqueles que convivem com elas, impõe, por vezes, uma moral excessiva aos filhos, amigos etc. Limitando excessivamente a manifestação do ego, das pulsões e do prazer. Por outro lado, a ausência de ego e superego dá vazão ao que está no inconsciente sem limite algum. Tanto a repressão e o recalcamento, quanto a ausência de ego, dão origens as neuroses e psicose. Ego e superego são reguladores do que pode vir a luz da consciência.


22/10/2015

GENEALOGIA DA MORAL


  Nietzsche vai até a origem do “bom e do “mau” para demonstrar que esses dois conceitos foram transvalorado nas mãos dos sacerdotes a partir de uma luta de poder físico impelido pelos aristocratas contra o poder espiritual dos sacerdotes. Na gênese da moral humana, segundo Nietzsche, está a origem do conceito de “bom” e de “mau”. Uma análise etimológica e histórica das circunstâncias em que o homem criou para si o conceito de “bom” e “mau”. Etimologicamente a origem do “bom” se refere àquilo que é nobre e aristocrático, e posteriormente, como em um salto, faz-se uso da palavra “bom” para designar a nobreza de espírito. O mesmo acontece com a palavra “mau” que serve para designar vulgar e plebeu. O “bom” e o “mau” servem para dar superioridade a uma classe em detrimento da outra. O “bom” não pode ser confundido com o “bem”. O “bem” pressupõe uma ação, já o “bom” pressupõe a nobreza da condição de caráter e manifestação de poder. Portanto, na origem do “bom” e “mau” pode ser encontrada uma constituição física para uma valoração da moral. Posteriormente, é a casta sacerdotal que transforma o “bom” e “mau” em um conceito espiritual de “puro e impuro”. Essa transformação ocorre pelo confronto entre a casta sacerdotal e a classe dos guerreiros aristocráticos. Um confronto entre um juízo físico de poder contraposto a um juízo espiritual interiorizado. E pela impotência dos sacerdotes, o ódio e a vingança entram em cena. Os sacerdotes judeus vingam-se de seus inimigos aristocratas com uma transvaloração de conceitos. Os miseráveis passaram a ser os bons, e os beatos são os únicos abençoados. Mas os nobres e poderosos serão eternamente maus.