02/11/2016

ÉTICA E A PSICANÁLISE - Eliani Gracez Nedel



INTRODUÇÃO
            O mundo vem sofrendo sucessivas transformações sociais, econômicas, culturais, éticas, espirituais, psicológicas e científicas. A Psicanálise também tem sofrido transformação em uma trajetória de pouco mais de meio século de existência.                                                       
O processo de transformações é inerente à condição da humanidade, tal como, parece-me, está bem expresso na antiga crença budista que vê a existência humana como uma série ininterrupta de transformações mentais e físicas. (Zimermam, 2004).
                Não existe um ser universal, porquanto o ser é constituído por fatores existenciais que formam combinações e transformações transitórias que, por sua vez, alteram a cultura e levam pessoas para mudanças em uma espiral sem fim. Partindo de uma visão holística, a criança não é mais o bebê, o adolescente não é mais a criança, e o adulto de hoje não é o mesmo adulto do passado, tampouco será a mesma pessoa no futuro. Em resumo, nós e o mundo que nos cerca estamos nos transformando. O fato é que este mundo já não é mais o mesmo, esse velho planeta cheira a novidade. A mulher mudou, a criança mudou. E os idosos estão em um processo contrário, estão rejuvenescendo. Corremos, temos pressa, somos impacientes, não conseguimos parar, queremos tudo agora. Não toleramos a mesmice, enfim, queremos mudanças. A tecnologia tomou conta da vida. Computadores, máquinas informatizadas, configurações unindo hardware e software, inúmeros satélites rodeando o planeta. Segundo Zimerman, uma jovem estudante de medicina na década de 60, em um grupo de terapia, levou aproximadamente um ano e meio, com medo da culpa e do julgamento das demais pessoas do grupo, para confessar que mantinha relações sexuais com seu namorado. A moral do passado não é a mesma moral da atualidade.
Hoje vivemos em um mundo interligado onde os acontecimentos importantes têm repercussão quase que instantânea. Isso requer uma visão sistêmica da vida e do mundo onde a maneira como as partes estão integradas e estruturadas é mais importante do que o individualismo. A forma como as pessoas estão integradas ao todo é mais importante do que cada parte isolada. Em meio a tudo isso, novos padrões éticos precisam ser analisados. A família nuclear passa por transformações radicais. Casamentos seguidos de separações e novos casamentos, mudaram a configuração da família.
Para o psicanalista Jean-Pierre Lebrun, o modelo tradicional de família tem sofrido modificações significativas. O modelo do passado era de uma hierarquia, em forma de pirâmide, onde os filhos deviam obediência aos pais. Esse modelo tornou-se decadente e foi substituindo por um novo modelo onde o filho é tão respeitado quanto o pai, e a mulher tem a mesma igualdade e os mesmos direitos que o homem. Esse novo modelo não é bom nem ruim, ele é apenas diferente. O problema é que esse novo modelo requer uma nova forma de educação. A nova criança é ousada e não teme os pais e quer liberdade para fazer suas próprias escolhas. Ela quer ser “dona do seu nariz”. Com isso os pais perderam a autoridade sobre os filhos. A educação pela autoridade deve ser substituída por um novo modelo rico em sabedoria, onde a criança compreende sua importância no mundo e é preparada para exercer seu papel dentro da sociedade. Essa nova criança surge como espelho à liberdade da mulher. A submissão da mulher, no passado, também foi modelo para crianças que deram continuidade ao patriarcado. Em meio a essa mudança toda, tem jovens que não sabem o que fazer com sua liberdade, porque não foram preparados para enfrentar o grande desafio que é viver e fazer escolhas. Se no passado os pais faziam escolhas pelos filhos, hoje são os próprios filhos que fazem suas próprias escolhas. Isso exige um preparo que muitos não têm. Exige que pais preparem seus filhos para fazer escolhas com responsabilidade. Nesse novo paradigma também é preciso ensinar aos filhos a lidar com a adversidade e com as falhas humanas. Não somos perfeitos, vamos errar inevitavelmente mais cedo ou mais tarde. Os pais de hoje procuram dar de tudo aos filhos e criam a ilusão de uma vida sem erros. No passado, quando uma criança tirava notas baixas na escola, ela sabia que teria de se justificar diante dos pais. Hoje, quando uma criança vai mal na escola, os pais tratam como se a falha fosse do professor e não da criança. No modelo atual, é o professor que tem que se justificar pelo baixo rendimento do aluno, eximindo a criança do erro. O sonho de uma vida sem erros e repleta de prazer, muitas vezes, acaba no consumo de drogas. Uma fuga às dificuldades da vida que nem sempre é tão perfeita quanto a infância. Em meio a toda essa mudança que o planeta passou, a moral teria necessariamente que ser questionada, desse questionamento surge uma nova moral e um novo modelo de homem, que não é mais o modelo da Grécia em seu período clássico, onde o homem se oferecia aos deuses e cultuava o belo. Tão pouco é o modelo aristotélico do homem virtuoso, muito menos é o modelo medieval onde a vida só valia a pena ser vivida em Deus. A vida de hoje pede uma nova reflexão ética para dar origem a uma nova moral.

1 O PSICANALISTA

            Considerando que a formação do psicanalista não pode se dar apenas na leitura de livros e nos bancos de universidades, é preciso levar também em consideração não somente o ensino sistematizado, mas também uma convicção ética adquirida na inserção do sujeito em uma totalidade maior do que ele mesmo. Para entender o pensamento do analisando é preciso entender o contexto social, familiar etc, vigente. A ética para a psicanálise está diretamente vinculada ao desejo dos seres (libido), que solicita satisfação. Em A interpretação dos sonhos, Freud afirma que somente o desejo é capaz de pôr o aparelho psíquico em movimento.     
            Para a filosofia, ética pode ser compreendida como a disciplina filosófica que analisa os sistemas morais elaborados pelo ser humano na constituição de regras e princípios individuais e de convívio social, que regulam a ação humana. Um sentido do bem e do mal, do justo e do injusto, que permeiam o homem com objetivo de um bem social, um bem maior. No entanto, o homem ainda tem dificuldades para ser justo porque não sabe discernir entre o bem e o mal, e por isso suas ações são destrutivas. O homem mata, fere a si mesmo, destrói o planeta, e por consequência adoece produzindo sintomas somáticos, psicossomáticos, neuroses, angústias, fobias. Um adoecer psíquico que causam sofrimento. Para Freud, em o Mal estar da civilização, o problema é a inclinação constitutiva, dos seres humanos, para a agressão mútua.
            Ética pode ser compreendida como uma disciplina da filosofia que questiona a moral elaborada pelas pessoas. Nesse sentido, as pessoas criam valores morais que regulam a vida em sociedade. Para Aristóteles, em Ética a Nicômaco, o homem se difere dos animais por possuir o sentimento de bem e mal, de justo e injusto. E assim associamos a ética ao bem, por promover um conjunto de normas que regem a ação humana, promovendo um bem viver. A ação, nesse caso, visa a um fim, o bem, ou, o sumo bem. O bem supremo é a felicidade adquirida pelo bem viver e o bem agir. A felicidade estava relacionada ao bem viver e ao bem agir, sendo a busca pelo prazer como finalidade de vida, coisa do homem inculto e vulgar, pois o prazer assim como a felicidade não é um fim, mas sim um estado da alma só atingível pelo homem virtuoso. O prazer e a felicidade são consequências do bem viver, e o prazer como finalidade ou objetivo de vida, entre todas as coisas, é a que mais devemos nos precaver. Se não dermos ouvidos ao prazer, correremos menos risco de errar. Tudo isso para formar cidadãos de bem, justos e de nobres ações, e preparados para o melhor de todos os fins, a vida política. O homem justo é aquele que cumpre as leis, sendo a justiça a virtude completa no mais próprio e pleno sentido do termo.
            Entretanto, um olhar mais atento e criterioso para o ser humano, cabe a pergunta: o homem é justo? Ele sabe discernir entre o bem e o mal? A ética dá conta de questões relativas a felicidade, como propõe Aristóteles? Ou será que o homem polui, destrói, fere, mata seu semelhante e a si mesmo, e tem dificuldade para ser justo? O que é o bem para o homem?
            Quando falamos em ética na psicanálise estamos falando da ação de um sujeito que leva em consideração seu próprio desejo, seu consciente e inconsciente. É preciso levar em consideração um mal estar causado pelo processo civilizatório, onde desde a mais tenra idade a criança é submetida a uma moral que não leva em consideração sentimentos e desejos.

2 ÉTICA E O INCONSCIENTE

  Abordar a ética na psicanálise nunca foi uma tarefa fácil. Freud já se questionava sobre as repercussões que sua teoria causaria no discurso moral de sua época ao deslocar o sujeito consciente de sua posição dominante no psiquismo, para o inconsciente.  Esse golpe no narcisismo dos homens produziu efeitos em diversos campos da atividade humana. Afirmar que a consciência já não era mais o que definia o homem, implicou em  redefinir toda uma forma de pensar.
  Segundo Freud, o nosso consciente não controla o nosso comportamento, pois mesmo nossas ações conscientes em muito resultam do inconsciente. O inconsciente é a região da psique constituída por desejos, paixões, pulsões, libido e recalcamentos. Freud apresenta duas interpretações do psiquismo: a primeira e a segunda tópica. Na primeira tópica ele recorre à imagem de um iceberg onde o consciente corresponde a parte visível do iceberg, enquanto o inconsciente corresponde a parte submersa do iceberg. O inconsciente tende a tornar-se consciente através da análise, no entanto, o acesso as pulsões e desejos inconscientes, por vezes, são impedidos pelo recalcamento de chegar ao consciente, sendo o recalcamento um mecanismo de defesa da psique. Ele é o processo pelo qual são eliminados da consciência e guardados no inconsciente, parte da vida afetiva e relacional profunda. O recalcamento simplifica a existência e organiza as neuroses. Assim como existe um movimento que vai da consciência para a inconsciência chamado recalcamento, também existe um movimento que faz o processo inverso, aonde se vai da inconsciência, passa pela pré-consciência e chega à consciência. O inconsciente, ou id, é uma região do psiquismo primitivo a partir do qual se formam o ego e o superego. O ego é uma parte do id que se desenvolveu e está em contato com a realidade externa, ele controla os impulsos do id, age como um juiz que decide qual dos impulsos deve ser satisfeito. Quanto ao superego, ele serve para regular o ego, são os códigos de moral assimilados desde a infância, são regras e normas que inibem a personalidade. O superego representa a moralidade que reprime uma pessoa. Segundo Freud, a repressão exige um constante consumo de energia para se manter, por isso ela pode ser realizada ao longo da vida, e a ansiedade surge quando existe risco do material reprimido tornar-se consciente. O fato é que as descobertas de Freud sobre o inconsciente denunciavam uma relação perversa entre o homem e a moral. Em seu livro O mal estar da civilização, Freud vai até a gênese da moral, a necessidade da manutenção do laço social pressupunha uma renúncia às exigências pulsionais do indivíduo em detrimento do bem-estar coletivo. Esta renúncia incide sobre as pulsões sexuais e constitui uma necessidade para a manutenção da organização social na qual uma civilização está submetida.

3 ÉTICA NA PSICANÁLISE
A ética na psicanálise é estabelecida a partir de um sujeito que fala na medida em que tem alguém para escutá-lo, e que busca na palavra e na associação livre o conhecimento do inconsciente daquele que fala, e com isso desejos fluem livremente. Nesse sentido, a psicanálise contribui para uma reflexão acerca da moralidade e das regras de convivência social. Sendo este o verdadeiro sentido da ética. Não se pode confundir ética com código de conduta moral, ética é o questionamento sobre o código de conduta moral. A ética promove o debate sobre as regras de comportamento, regras morais, regras de conduta etc, para que a partir deste debate surjam novas regras moralizantes. E assim quando se tem um código de conduta ético, isso significa que o código surgiu a partir do debate visando o bem coletivo e individual. No passado, a ética visava o bem coletivo, e a individualidade se diluía em meio a coletividade. Nos dias de hoje, o indivíduo pede licença e respeito, e quer seus desejos atendidos. Porque, sobre tudo, o ser humano é um ser de vontade, desejo e libido. A subjetividade humana emergiu mostrando que a razão não é a única força humana. O derretimento daquilo que era sólido consolidou a doutrina do descartável, e a individualização desvinculou o fluir da ordem da vida institucional e a enraizou no indivíduo, que teve que lutar por si e pelos seus direitos, pelos seus anseios, desejos e liberdade. Cada pessoa é única e o individualismo pede passagem ao respeito. Com a afirmação da individualidade humana, a política e a comunidade têm agora por base o indivíduo. Uma inversão que parte do eu ao coletivo. Quando no passado partia do coletivo para o eu, e o indivíduo era massificado e uniformizado e perdia sua identidade. O desafio da pós-modernidade reside no fato de dar unidade as mais diferentes camadas da sociedade, integrando o indivíduo e respeitando suas características pessoais. E assim o indivíduo dá origem a ética e a política. Diferentemente do passado onde políticas eram estabelecidas e o indivíduo era inserido no rigor moral sem ter direito se quer a questionar, e pessoas eram mantidas sob controle da política, da sociedade, da família etc. Hoje o conceito de família mudou, cada clã estabelece suas regras e quer políticas voltadas as instituições com base no eu. A psicanálise contribui para uma ética adequada a sociedade contemporânea, já que considera o ser humano em uma dimensão inseparável de seus desejos. Freud afirma que o comportamento dos seres humanos apresenta diferenças que a ética despreza, e simplesmente classifica o comportamento em bom ou mau. Enquanto essas inegáveis diferenças não forem removidas, a obediência às elevadas exigências éticas acarretará prejuízos aos objetivos da civilização. Aqui Freud anunciava umas das consequências mais complexas de sua teoria, a relação entre as pulsões e a moral. Há uma tensão inevitável entre desejo e moralidade, mesmo que longe de qualquer determinismo, a moral constitui um dos fatores mais importantes na origem das neuroses.
Pensar em que parâmetros éticos pode uma análise ser fundamentada, bem como seu papel no campo das virtudes, torna-se urgente. A Ética na psicanálise propõe ao analista acolher as demandas do analisando, e implica em intervenções que conduzam o analisando a encontrar aquilo que é próprio do seu desejo e de um saber inconsciente através da livre associação. O analista não dá respostas as demandas do analisando, mas sim convida ele a tornar-se capaz de assumir aquilo que ele deseja. O analista leva o analisando para uma região de autoconhecimento. Onde o analisando tem a possibilidade de conhecer a si mesmo, conhecer sua libido, seus desejos, suas pulsões. A partir de Freud, a consciência moral não pode ser o cerne da ética, uma vez que é o inconsciente o protagonista da ação humana, através de impulsos e desejos, e não o consciente. A consciência moral não pode mais ser tida como o cerne da decisão ética, pois é o inconsciente que em grande medida assume o protagonismo das decisões nas ações humanas, através de instintos e desejos reprimidos, dos quais sequer somos, na maior parte dos casos, conscientes. Da mesma forma, a concepção de uma felicidade pautada na ética e em valores e regras morais podem, em larga escala, levar ao recalcamento, desprazer e a neurose.  No entanto, a virada freudiana abalou profundamente algumas convicções a respeito das relações do homem com o Bem, exigindo que se repensasse os fundamentos éticos do laço social a partir da descoberta das determinações inconscientes da ação humana. Na psicanálise Freudiana o princípio de prazer está relacionado ao desejo que conduz o indivíduo a busca de prazer para evitar o desprazer e a dor. A felicidade é uma experiência de prazer, e assim, um dia feliz é um dia aprazível.  A felicidade, nesse caso, está relacionada ao prazer ou ao gozo. O princípio de prazer está fundamentado no hedonismo. O hedonismo tem como fundamento a noção que em todas as ações o ser humano tem a intenção de obter mais prazer e menos desprazer.  O princípio de prazer fomenta a ação humana. Por outro lado, o hedonismo ético tem como princípio o fato de o homem contemplar o prazer e os bens materiais como as coisas mais importantes das suas vidas. Já dizia Aristóteles, em Ética a Nicômaco, que de todos os bens que os seres humanos buscam, a felicidade é o maior e mais unânime deles. Para Aristóteles, a felicidade não é um estado de espírito, mas ela é possível de ser alcançada através de uma vida contemplativa e justificada na busca da felicidade. No entanto, uma nova moral surgiu, padrões de uma moral antiga já não servem mais. Um importante aspecto, especificamente para a psicanálise, decorre da vertiginosa mudança de padrões científicos. No passado, por exemplo, a dissecação de cadáveres era sumariamente proibida pela igreja católica. E assim, médicos no período medieval, ao questionar a moral da igreja católica, reinventaram a medicina. Entre outros, Nicolau Copérnico questionou a teoria do geocentrismo da igreja católica ao afirmar que o sol estava no centro do universo e não a terra. Na modernidade, os incríveis avanços tecnológicos e a conclusão do genoma humano trouxeram a decifração do código da vida, ou, sequenciamento dos genes. Na sequência, a engenharia genética trouxe aquela que talvez tenha sido a mais acirrada discussão ética que já se tenha visto, a questão dos clones. Chegamos ao nascimento da psicanálise com o estudo dos casos de histeria e de neuróticos, e da necessidade de estudar aquilo que a ciência e a lógica mecanicista não conseguiram explicar, a natureza humana. Como não poderia ser diferente, as transformações também acompanharam a psicanálise, e Freud passou a atender casos de fobias e obsessivos. A partir das contribuições klenianas, a psicanálise ampliou seu quadro de analisados para os psicóticos e crianças. Na atualidade, segundo David E. Zimerman, as pessoas que procuram tratamento analítico o fazem devido a problemas de identidade, baixa autoestima, depressão, pessoas estressadas e angustiadas, síndrome do pânico, transtorno narcisista, psicose, borderline, transtorno alimentares. Enfim, são inúmeros os motivos que levam uma pessoa à psicanálise.

4 O PAPEL DO PSICANALISTA

Quanto ao psicanalista, também prevalece, na atualidade, um perfil diferente da origem freudiana. A ênfase da análise recai sobre o vínculo analítico que dá unidade entre o analista e o analisando, preservando cada um o seu papel. O analista contemporâneo valoriza os movimentos transferenciais do paciente, atos falhos, chistes. A clínica psicanalítica contemporânea tornou-se mais aberta para escutar as múltiplas dimensões que estão presentes na narrativa do analisando, havendo um encontro das características de um determinado analisando com o analista. A recomendação ortodoxa de que o analista se ativesse a tão somente uma escola para não se perder em meio a várias tendências, está cada vez mais sendo substituída pela valorização do analista conhecer várias escolas, autores e correntes psicanalíticas, podendo, desta forma, estar melhor preparado para os diversos tipos de demanda por parte do analisando. Com facilidade, nos dias de hoje, a psicanálise dialoga com os mais variados saberes, sem com isso perder sua essência original freudiana.  Durante longas décadas, o paradigma vigente foi o freudiano: um embate entre pulsão e repressão, ou seja, desejos libidinais proibidos e o ego. Essa essência psicanalítica perdura até hoje, embora depois de Freud, outros teóricos da psicanálise tenham trazido a luz teorias que ampliaram o conhecimento psicanalítico, como, por exemplo, Melayne Klein, Bion entre outros. 
No campo da clínica psicanalítica, pensa-se em uma atitude psicanalítica que não seja invasiva e que favoreça  insights e reminiscência em busca daquilo que seja importante para o exercício da psicanálise, na busca de traumatismos fundamentais do sujeito, mantendo uma postura que não atenda à maioria das necessidades, desejos e vontades do paciente, mas que conduza o analisando a reflexão sobre si mesmo, buscando atender ao desamparo de quem sofre e não consegue dar-se de conta do motivo de seu sofrimento. O que fazer quando dependemos da linguagem para ser o que somos, embora venha dela o que nos traumatiza? E assim,  é a partir de uma história, trágica ou dramática, com seus encontros, desencontros e mal-entendidos, que o adulto pode tornar-se o que ele é. Marcado pelos adultos de sua infância, ele é aquele que traçou o seu caminho como pôde. Suas verdades, seus valores e sua lucidez, escondem, geralmente, seu verdadeiro eu.
A arte de analisar e interpretar também passou por profundas transformações. Houve um tempo em que se o paciente chegasse atrasado, alegando problemas no trânsito, o analista interpretaria como sendo um congestionamento mental. Hoje, a interpretação continua sendo importante, no entanto há muito mais questões a ser levantada antes de se dar uma interpretação. Atos e gestos carecem de uma interpretação que leve em consideração o significado para o analisando. Significado e significante estão um para o outro assim como causa e efeito. Segundo David E. Zimermar, “o mais importante é que o analisando libere um trânsito de comunicação, em via de duas mãos, entre o consciente e o inconsciente.”
No passado, a psicanálise ficou restrita ao seu reduto, não confabulando com as demais ciências, isso limitou o analista. Hoje a psicanálise dialoga com a ciência, e o analista estuda as mais variadas áreas do comportamento humano. Encontramos psicanalistas com formação em medicina, psicologia, filosofia, psicopedagogia, neurocientistas, enfim, a psicanálise permeia as mais variadas áreas dos saberes humanos. Freud previu que uma escola de psicanálise teria que ter em seu currículo estudos médicos, Biologia, sexualidade, psiquiatria, ensino de dialética, história da civilização, mitologia, psicologia da religião. Freud já antecipava a complexidade dos estudos de um psicanalista para a compreensão da alma humana. Muito das mudanças que envolveram a psicanálise deve-se ao fato de que a neurociência e a farmacologia se desenvolveram muito nas últimas décadas. A neurociência da época de Freud tornou-se obsoleta.  A nova tecnologia deu origem a um novo homem, bem como o uso de químicas viciantes passaram a assolar o planeta.

5 O SER HUMANO É UM SER MUTANTE

Artefatos criados pelo homem passam a fazer parte do aspecto emocional, e daí em diante o cérebro considera o objeto como parte integrante de seu organismo. A evolução humana sempre esteve marcada pela técnica, o homem, desde o início dos tempos, cria instrumentos com objetivo de facilitar seu trabalho. Computadores, máquinas informatizadas, configurações unindo hardware e software, são utensílios que fazem do homem um ser ciborgue que se move simultaneamente no real e no virtual. Essa união entre o humano e o virtual chama-se parabiose. Uma união com influência nos processos psicológicos humanos. O cérebro começa a ser desvendado a partir de 1950 com a neurociência, e, em 1960, com o surgimento da inteligência artificial, que visa replicar a inteligência humana para uso em programas de computador e construção de robôs pensantes, a filosofia da mente aparece no cenário filosófico. Em poucas décadas a inteligência artificial teve um desenvolvimento extraordinário, enfatizando a importância do papel que a configuração das nossas mentes desempenha na construção do mundo. A busca pela relação mente e cérebro está apenas começando, é preciso saber onde termina a neurofisiologia e onde começa a psicologia. Pelo que parece, teremos que partilhar o mundo com robôs, androides e ciborgues. Um mundo onde o humano convive com a máquina e a mente de um usuário da Internet convive com o ciberespaço. Com tudo isso, temos seres transplantados, com a libido potencializada, seres que vão se modificando na medida da necessidade ou da conveniência. Seres conectados a uma inteligência artificial produzindo, a partir desta integração, um ser parabiótico, essencialmente diferente do Homo sapiens, formando uma inteligência sem limite ao desenvolvimento humano. Isso só é possível porque seres humanos possuem a capacidade de incorporar instrumentos criados por eles mesmos.
            No entanto, a questão das emoções tem outro papel importante ainda a ser desvendado. Alguns estudiosos do assunto afirmam que nossas emoções estão relacionadas a conexão neuronal ou sinapse, embora nem todos concordem com isso. O certo é que a depressão já existia na Grécia antiga. Naquela época, os depressivos eram chamados de melancólicos, descritos por Aristóteles e Hipócrates. Os melancólicos eram pessoas que perderam o gosto pela vida, passavam longos períodos sem sair de casa e se afastavam do convívio social. A melancolia do passado sobreviveu ao tempo, passeou pelo período medieval com o nome de “loucura”. No medievo, “loucos”, prostitutas, excluídos do meio social e pessoas que não se ajustavam a moral da época, eram enclausuradas e tratadas como doentes mentais. Francamente, não sabemos dizer qual loucura foi maior, se a cura da loucura ou a loucura da cura. Mas, como de médico e louco todos nós temos um pouco, estava feita a confusão. No livro O Alienista, de Machado de Assis, é possível perceber a dificuldade em determinar quem é o louco e quem é o normal. Cuidado, pois, talvez, estejamos ainda com a mesma dificuldade. Parece que todos viraram depressivos. Quem ainda não tomou remédio para esse mal? Com tanta medicação, estamos nos tornando uma sociedade de drogados e de dependentes químicos. Se no passado colocavam em manicômios “loucos”, prostitutas e desajustados sociais, nos dias atuais, a confusão foi apenas repaginada, ainda permanece a dificuldade em determinar quem realmente tem necessidade de química para regular seu humor, e quem está despreparado para a vida ou apenas triste, porque a vida, às vezes, realmente não é fácil de ser vivida. Isso não quer dizer que a solução esteja dentro de um minúsculo comprimido. É preciso compreender que talvez não seja possível ser feliz o tempo todo.  Mas, no mundo do artificial, a alegria também tende a se tornar artificial, movida por drogas, bebidas alcoólicas e antidepressivos.  O mesmo acontece com usuários de Viagra, que sustentam artificialmente sua potência sexual. Sinceramente, quando vejo alguém sentado em um computador, pergunto a mim mesma ─ qual dos dois é a inteligência artificial. Afinal, tudo isso faz de nós seres ciborgues. Com tudo isso, a educação e o modelo tradicional de família mudaram.
 O moralismo do passado, já não serve mais. Viver é um ato de responsabilidade, e não somos, ainda, educados para sermos responsáveis pela própria existência. Nossos jovens têm como exemplo, pessoas que destroem o planeta, e que mantiveram uma estrutura familiar a base de opressão e excessivo moralismo.  Toda essa mudança no pensamento humano, talvez tenha por base a mudança da mulher. A mulher do passado tornou-se polida, recatada, uma dama educada, contida e reprimida, aceitando tudo sem questionar, pois assim exigia o status quo do passado. Recentemente, escavamos no deserto do feminino a procura de ossos para montar um novo esqueleto feminino. Surge assim a nova Eva. A Eva de hoje procura seu ser, sua libido, sua vontade, seus desejos. A nova mulher deixou de render culto ao medo e deu um golpe fatal em dogmas e em valores que desrespeitavam seus sentimentos. Deu um golpe certeiro naqueles que apostaram em sua fraqueza. Aprendeu que o risco calculado conduz ao crescimento a passos largos, e que ser boazinha só aumenta os maus tratos.
O mundo está hiperativo, embora algumas pessoas pensem que hiperatividade seja coisa de criança. O fato é que este mundo já não é mais o mesmo, esse velho planeta cheira a novidade. A mulher mudou, a criança mudou. E onde estão nossos idosos?, estão em um processo contrário, estão rejuvenescendo. Corremos, temos pressa, somos impacientes, não conseguimos parar, queremos tudo agora.  Não toleramos a mesmice, queremos mudanças. Temos sede de saber e de aprender. Em meio a toda essa mudança no pensamento humano, a psicanálise também mudou. Novas descobertas na área da engenharia genética, genoma e clonagem, entre outras, exigiram do psicanalista um posicionamento diante da sociedade, causando uma reflexão ética. A descoberta de que no centro da célula está o genoma, tornou-se uma revolução científica. O número de genes encontrado em uma pessoa é de 30.000, enquanto o número de genes encontrado em uma minhoca é de 19.000. A diferença não é tão grande assim. Isso nos diz que a diversidade encontrada na espécie humana reside em outras possíveis combinações do psiquismo. De Freud até os dias de hoje, a mudança foi grande. Mudança comportamental, mudança no pensamento, mudança tecnológica e científica. Mas algo continua o mesmo, o inconsciente! O ser humano continua sendo uma incógnita, e a pergunta feita pelos antigos ainda continua a mesma: afinal, quem somos nós?
O psicanalista de hoje acompanhou toda essa mudança, no entanto ele não abriu mão dos princípios básicos da psicanálise. O ser humano pode ter mudado, isso não significa dizer que ele tenha evoluído. Traumas, angústias, questões libidinais, ainda permeiam a vida humana. Por mais que a tecnologia e a ciência tenham se desenvolvido, o inconsciente e seus efeitos continuam ainda a serem desvendados. O inconsciente e seu efeito estão um para o outro como lei de causa e efeito. A relação causa e efeito, é uma relação que dever ser encontrada pelo analisando, pois somente ele pode dar um significado para o entendimento daquilo que é a causa de suas queixas, angústias, neuroses, fobias, enfim, para seus males. Um dos graves erros da ciência ao longo dos séculos foi unir um efeito a uma causa errada. Isso aconteceu devido a ignorância, pré-conceito, moralismo etc, que formaram uma resistência, impedindo o conhecimento de forma geral. Nesse caso, o erro conduz a ilusão. Para Freud, a causa do efeito, muitas vezes, é inconsciente.

6 AS REPRESENTAÇÕES

Também é preciso levar em consideração que o mundo que nos rodeia é tão somente representação de quem o representa, o mundo é percepção de quem o percebe, é um ponto de vista de cada pessoa. Por esse motivo a apreensão do mundo fenomênico é, necessariamente, uma apreensão individual. Nisso está contida toda possibilidade de experiência.
Para Schopenhauer, a representação é uma atividade de ver com a totalidade da faculdade perceptiva e cognitiva dos sentidos. O trabalho de representar o mundo aparente é inconsciente e automático, sem nenhuma intenção por parte do indivíduo. É um processo que acontece naturalmente. E assim o sujeito vê o mundo a partir de seu interior, de sua moral, sua educação, do tempo e lugar onde ele vive. Introduzindo aleatoriamente representações do mundo, e, a partir disso, formando conceitos pessoais.
  A ação humana, portanto, é movida não somente pelo desenvolvimento tecnológico e mudança de pensamento, mas também pelos sentimentos, representações, moral, lugar, circunstância, consciência e inconsciência, vontade e má vontade, desejos libidinais... O ser humano é uma multiplicidade de sensações. Freud levou em consideração que o ensino teórico, mesmo sendo sistematizado, não poderia dar convicção da justeza da teoria. Essa convicção só se adquire mediante a experiência desse saber, na própria análise. Portanto, são os próprios conceitos psicanalíticos, a técnica psicanalítica e o processo analítico que vão configurar e afirmar a Ética na psicanálise. A psicanálise é fruto de reflexão, estudo e observação, por parte de Freud, que deram origem ao método psicanalítico. Reflexões freudianas sobre a moral estão presentes em O mal estar da civilização, e, ao afirmar que a ação humana é movida pelo inconsciente e não pelo consciente, Freud se valeu da ética e fez uma reflexão sobre a moral que afirmava ações movidas pela consciência com objetivo de conquistar uma vida boa.

7 O SETTING ANALÍTICO

  Não há clinica sem ética, regras mínimas são estabelecidas no setting analítico já no primeiro encontro. O setting analítico constitui-se de uma combinação de regras pré-estabelecidas e combinações específicas entre o analista e analisando. A segurança de um local adequado, e regras pré-estabelecidas, favorece a aliança analítica que resulta de combinações de fatores, algumas delas vão se definindo ao longo do processo. Alguns exemplos são: horário dos encontros, forma de pagamento, plano de férias etc. Combinações que não são impostas, mas sim acordadas entre as partes envolvidas. O setting analítico não é algo formal e opressor, ele é o lugar onde o analisando sente-se seguro com suas experiências emocionais.
   Quanto as funções do setting analítico, Zimerman afirma que ele tem por obrigação “normatizar, delimitar, estabelecer a assimetria e não similaridade”. Portanto, o setting analítico tem que demonstrar, desde o inicio, os papeis bem definidos, sobretudo o papel do analista, que é diferente do papel do analisando, trazendo assim o analisando para a realidade de regras e limites em sua vida. Regras adequadas a um processo de análise. Por parte do analista é preciso que ele tenha sensibilidade e destreza técnica frente a singularidade de cada caso. Aqui se impõe uma exigência ética, a responsabilidade do analista na condução do processe de seus pacientes.
     A partir da descoberta freudiana sobre o inconsciente, e do conflito psíquico como um conflito essencialmente moral, que a psicanálise faz uma reflexão sobre a moralidade, dando origem a uma nova moral, visando o equilíbrio psíquico. Um olhar ético sobre a moralidade humana. A ética de Aristóteles da virtude é uma ética do caráter, que se opõe a ética psicanalítica. Não há dúvidas de que essa herança grega ainda prevalece até os dias de hoje. As ideias de Aristóteles ainda continuam a imperar no discurso social sobre o comportamento moral. Esta ética, fundamentada na Razão e na concepção do homem como sendo um animal racional, que as descobertas de Freud se opõem. A descoberta de que o ser humano é movido, em maior parte, pela sua inconsciência, e não por uma consciência racional, promoveu uma mudança no pensamento, na moral, e na visão de ser humano. Somos muito mais do que um animal racional, somos razão e emoção, pensamentos e desejos, consciência e inconsciência.
   
8 ANÁLISE DO EU

          A moral constituída ao longo do tempo interfere diretamente no principio de prazer, alterando o aparelho psíquico, reprimindo o prazer, e com isso o indivíduo cai no desprazer tornando-se uma bomba prestes a explodir a qualquer momento. A noção de “Eu” em Freud pode ser entendida a partir de sua teoria do funcionamento mental.  Do ponto de vista da teoria freudiana, os processos mentais são regulados pelo princípio de prazer. Esse princípio decide o propósito de vida. Freud comparou o funcionamento da mente humana com uma ameba.
“Freud comparou o funcionamento da mente, o mais complicado órgão, com o funcionamento do mais simples organismo, a ameba. A vida é mantida através da admissão num organismo da matéria estranha, mas útil, e da descarga da sua própria, mas perniciosa matéria. Admissão e descarga são os mais fundamentais processos de qualquer organismo vivo. A mente, que também faz parte de um organismo vivo, não constitui exceção a essa regra: realiza a adaptação e o progresso mediante o emprego, ao longo de toda sua existência, dos processos fundamentais de projeção e introjeção. As experiências de introduzir alguma coisa no Eu e de expelir alguma coisa do Eu são eventos psíquicos de primeira grandeza”. (HEIMANN, 1969, p. 143)
          Freud entendeu que os processos mentais são regulados pelo princípio de prazer. A mente, nesse caso, regula a quantidade de excitação nesse aparelho. A  isso Freud nomeou de pulsão. A pulsão, na busca pela supressão, precisa de um objeto. E assim temos um limite entre o psiquismo e o somático. O corpo como objeto das pulsões.  Encontramos aqui o ponto onde tudo converge para a repressão. O moralismo na forma com que a criança é criada, religião, influências do lugar onde vivemos etc, tendem a negar as pulsões no corpo, muitas vezes tratando como pecado, falha de caráter, desajuste social, uma descarga pulsional. São exemplos de descargas pulsionais a sexualidade, a dança, o cigarro entre outros.
          O aparelho mental tem importante papel na formação do Eu, ele distingue o mundo interior do mundo exterior, ou seja, ele distingue a subjetividade da objetividade. No entanto o Eu não é somente constituído pela subjetividade e nem tão somente pela objetividade, existe mais do que isso no aparelho psíquico.
          Segundo Freud, o ser humano possui um inconsciente onde estão contidas nossas frustrações, medos, angústias, emoções aprisionadas que ainda não foram trazidas a luz da consciência. Para Freud o inconsciente governa nossa respiração, digestão e batidas do coração. Segundo Freud não somos senhores de nós mesmos, não nos autoafirmamos na consciência, mas sim naquilo que é inconsciente. Sem falar, que a civilização exige sacrifícios. A civilização é o que diferencia o homem dos animais. Ele afirma que o homem valoriza mais o que o outro tem e menos o que realmente é importante em sua vida, e assim vive o homem em busca de riqueza, poder e sucesso. Já a cultura causa um mal estar nos homens, e este paga o preço da renúncia da satisfação pulsional. Freud também afirma que a religião é uma busca por amparo.
          Olhando uma cena comum em um parque, é possível ver crianças que se lançam do alto de brinquedos nos braços de seus pais. A certeza do amparo e da mão firme e da confiança em seu pai dá a segurança para a criança. E assim ela se lança confiante, e o braço forte do pai a ampara. No entanto, nem todos receberam o amparo necessário na infância para se tornarem adultos seguros de suas decisões. O desamparo pode gerar insegurança pela vida a fora. Não foram todos que tiveram o braço firme e o olhar amoroso que dá a segurança de sermos amados, ou uma estrutura familiar e os cuidados da mãe. Quantos não tiveram isso?! Pelo contrário, tiveram o olhar de quem sabia que a punição viria. Quantos cresceram sem amparo. E a insegurança hoje toma conta de pessoas que nem se deram de conta do seu desamparo. A fragilidade humana começa quando nascemos, pois o nenê necessita ser amparado e ser cuidado. E com isso começa a dependência na formação de cada pessoa. Portanto, a posição natural do ser humano é de desamparo, e precisa do amparo para sobreviver. Precisa do cuidado do outro. Para Nietzsche (1844-1900), o homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem, uma corda sobre o abismo. O caminho do homem passa pelo abismo! Isso nos diz que o caminho é inseguro e perigoso. Nietzsche anuncia a morte de Deus, e assim o homem fica desamparado até mesmo daquilo que lhe é sagrado, Deus. Para Freud, é no desamparo que as religiões encontram seu lugar. Um porto seguro, uma mão invisível, uma moral que garanta estar fazendo a coisa certa, uma fé, uma crença em algo, uma certeza mesmo que ilusória, um pai protetor.
          A vida psíquica é constituída pelo id, super ego e ego. O id é o que está no insciente de uma pessoa. São os instintos, desejos, impulsos e libido. O id é a estrutura de pensamento original e básica. As leis da lógica não se aplicam ao id, por isso estão contidos nele os impulsos irracionais que não estão a luz da consciência. Se o id é aquilo que está no inconsciente, o ego é o que está em contato com a realidade externa, é uma parte do id que se desenvolveu ao entrar em contado com a realidade e por isso se tornou aparente. Uma das funções do ego é estabelecer uma conexão entre a percepção sensorial e a ação muscular. Os acontecimentos internos pertencem ao id, mas cabe ao ego satisfazer os instintos ou suprimi-los. O ego é a parte executiva da consciência. O ego é quem dá vazão aos impulsos oriundos do id, e assim o ego se origina do id e o superego se origina do ego. É o superego quem a partir da moral, tradição, costumes, religião etc., emite um julgamento, ideais e metas. O superego é que decide o que está certo ou errado. A infância e o conceito de infantil, sempre estiveram presentes na obra de Freud. A infância é um período de tempo na vida de uma pessoa, já o infantil é atemporal. A psicanálise valoriza não somente as recordações da infância, mas também a infância esquecida. O infantil remete ao conceito de recalque, pulsão e inconsciente. Em linhas gerais, a meta fundamental da psique é maximizar o prazer e minimizar o desprazer, retendo ou trazendo a consciência dados do inconsciente. Freud, desde o início de sua carreira, desenvolveu um determinismo que o levou a encontrar a causa das neuroses. Para tanto, passou toda sua vida debruçada sobre a alma dos neuróticos. A psicanálise, tem sido, desde então, uma busca pelas causas ulteriores para o comportamento e angústia do ser humano, uma busca por compreender a si mesmo e o outro, e com isso adquirir um equilíbrio psíquico.   O adoecer e a reorganização da psique tornaram-se uma possibilidade terapêutica que encoraja o neurótico a superar seus conflitos, entre a pulsão e a saúde psíquica, ao trazer a luz os impulsos inconscientes reprimidos ou recalcados. O adoecer do neurótico está vinculado a uma situação patológica de frustração das pulsões e repressão da libido, sendo assim, o adoecer é consequência e não a causa de um transtorno patológico. Causas prováveis de neurose são, em geral, rigidez moral que causam recalque na infância, frustrações, falta de amor, desestrutura familiar, rigidez ética imposta pela sociedade. A repressão e mecanismos coercitivos da sociedade são fomentadores de conflitos, por exemplo, a libido versus ideal acético. E assim se instala uma luta entre dois impulsos gerando a doença ou neurose. Não vamos aqui confundir a luta entre duas polaridades que acontece na hora em que o indivíduo tem que fazer uma escolha, mas sim entre o ego e aquilo que muitas vezes ficou recalcado no inconsciente, uma verdadeira luta entre a doença e sua causa. A luta só pode ser vencida quando os dois oponentes se encontram em campo de batalha, onde um pode ver o outro, a luta acontece no consciente. E assim a neurose e sua causa se encontram para a solução do conflito instalado. Desse confronto surge, de alguma forma, uma solução para o neurótico. Uma luta consciente da causa e seu subsequente efeito. A psicanálise se esforça em compreender o Eu na sua luta pelo desenvolvimento. O recém nascido não se diferencia da mãe, não separa seu eu com o mundo exterior. Quando pela primeira vez ele percebe o mundo exterior é pelo desprazer quando é retirado o seio da mãe. O seio é o primeiro objeto que separa o recém nascido do mundo exterior. Uma luta constante do Eu com o desprazer leva o Eu ao isolamento de tudo o que pode levar ao desprazer. Surgindo assim um Eu que busca o prazer e foge do desprazer. E assim chegamos aos dois princípios que regem o funcionamento mental: o princípio de prazer responsável pelos processos inconscientes, e o princípio de realidade responsável pelos processos conscientes. O principio de prazer é um direcionamento de energia ou de descarga punsional que tem por objetivo a satisfação ou o prazer. Tendo em vista o principio de realidade, nem sempre o principio de prazer atinge a satisfação desejada, seja por conta de uma realidade de castração na infância, de uma realidade sociocultural ou moralismo. O principio de realidade se manifesta na censura interna que impede o sujeito a desobedecer a questões éticas e morais para atingir a satisfação e desejos internos. O princípio de prazer descrito por Freud direciona a ação psíquica e orgânica para atingir um prazer idealizado. Enquanto isso o princípio de realidade se manifesta na relação sociocultural e na formação de conceitos morais e éticos, onde o indivíduo passa a respeitar os limites impostos pela moralidade. No princípio de realidade a moral controla o princípio de prazer.          

 9 PSICOLOGIA DAS MASSAS

  A oposição entre psicologia individual (Eu) e psicologia social (das massa) aponta o ponto onde o individuo abre mão do se Eu para adotar uma moral social ou de massa. A psicologia individual está orientada para a singularidade do caminho pelo qual o indivíduo percorre na busca da satisfação de seus impulsos para chegar ao prazer. Muitas vezes, nessa busca pela satisfação o outro é esquecido. Ao levar em consideração a influencia do outro no aparelho psíquico do indivíduo a análise passa a ser social. Nesse sentido, o psiquismo individual também passa a ser um psiquismo social, onde a moral de um passa a influenciar a moral do outro.
  A interação social do indivíduo com os pais, professores, amigos, interação profissional ou com a pessoa amada, tornaram-se assuntos de investigação psicanalítica como fenômeno social opondo-se ao narcisismo cuja satisfação dos desejos não sofre a influência de outras pessoas. A psicologia das massas trata a pessoa como integrante de uma tribo, uma casta, uma classe, instituição ou como pertencente a um grupo de pessoas que em um determinado momento se organizam como massa, levados por um impulso social, quem sabe, já encontrado na família. Afinal, o que é uma massa e como ela influencia a vida psíquica do indivíduo? A massa adquire uma alma coletiva, um pensamento coletivo que da coesão a massa. A massa torna-se assim um ser constituído por várias partes heterogêneas que se ligam entre si. Na massa a singularidade do indivíduo desaparece, o heterogêneo desaparece no homogêneo. A estrutura que se desenvolveu no indivíduo desaparece, tornando-se visível o inconsciente. Na massa o individuo adquire o sentimento de poder que lhe permite entregar-se aos instintos. Na massa o indivíduo mostra o inconsciente que contém tudo que é de malvado ou animalesco no ser humano. Como por exemplo, o desaparecimento da consciência moral ou do sentimento de responsabilidade. A consciência moral é formada pelo medo social. Na massa o medo social é diluído no todo, sem o medo social perde-se a consciência moral. Portanto, no núcleo da consciência moral está o medo. Na multidão também é possível observar que os sentimentos são contagiosos, levando muitas vezes o indivíduo a abrir mão de seus interesses em detrimento de interesses coletivos. Mediante procedimentos variados, e depois de ter perdido a inteira consciência de si, um ser humano obedece às sugestões da massa, equiparado a uma hipnose. Em outro ponto de vista o indivíduo que em seu isolamento pode ser uma pessoa culta, educada e tranquila, na massa perde a racionalidade tornando-se mais instintivo e voraz, tornando-se mais agressivo. Em meio a tudo isso, na massa o indivíduo encontra o entusiasmo que na solidão nem sempre é possível de ser encontrado, um ânimo onde uma pessoa impulsiona o outro.
    Outras observações da psique de massa são a inibição da capacidade intelectual e a intensificação da afetividade. A afetividade ainda pode ser intensificada pela sensação de poder. A massa inteira é portadora da autoridade temida pelas demais pessoas. Por isso torna-se perigoso ir contra a massa. Um exemplo disso é a igreja católica no período medieval. A igreja constituiu-se uma massa organizada que devorava quem a ela fizesse oposição. Também é possível observar que em alguns casos a moral individual seja exacerbada e a massa impõe rigidez moral, esse é o caso das religiões. Um indivíduo em uma massa, pela influência desta, experimenta modificação intensa em seu psiquismo. Sua afetividade aumenta enquanto sua capacidade intelectual torna-se limitada. Isso acontece para que o indivíduo possa se nivelar aos demais integrantes da massa. Para atingir esse nivelamento o indivíduo suprime seus impulsos e suas inclinações. Os princípios éticos da massa ou de um grupo podem ser mais elevados do que os princípios éticos dos indivíduos que compõe a massa. Na massa a moralidade ganha força, enquanto a vontade individual se perde em meio ao poder moral da massa.
    Sobre os lideres de um grupo, assim que seres humanos se reúnem eles formam um rebanho que se colocam instintivamente sob o controle de um chefe. Um grupo é um rebanho que obedece ao seu senhor. O chefe tem que ser possuidor de prestígio que fascina a massa. E assim o prestígio une as pessoas em uma massa. Todo prestígio se perde em caso de fracasso. A passagem de uma psicologia individual para uma psicologia de massa onde o indivíduo se submete a moral da massa abrindo mão de seus anseios constitui-se em fonte de muito estudo por parte de sociólogos, antropólogos, psicanalistas entre outros. Freud aponta alguns motivos em seu artigo Psicologia das massas e análise do Eu. Cada indivíduo pode ter seus motivos que o levam a preferir se esconder em uma massa a ter que lutar contra ela e viver autoafirmado em seu Eu.

9.1 Duas massas artificiais: A Igreja e o Exército
        
          Podemos distinguir tipos de massas diferentes em sua formação e orientação. Massas duradoras e massas fugazes, massas constituídas por indivíduos semelhantes e massas constituídas por indivíduos não semelhantes, massas naturais e massas artificiais, massas primitivas, massas altamente organizadas. Nossa investigação volta seu olhar para as massas artificiais: igreja e exército. A igreja e o exército são massas artificiais porque empregam certa ação coercitiva externa para não se diluir e nem modificar sua estrutura. Normalmente as pessoas não são consultadas se desejam entrar em uma massa dessas, não existe livre arbítrio. Essas massas através de ações coercitivas estão protegidas pela desagregação. Tanto na igreja quanto no Exército encontra-se a ilusão de há um chefe que ama a todos. Na igreja católica há o Cristo, no Exército, o general, que ama a todos na massa com igualdade. Sem esse princípio coercitivo tanto a igreja quanto o Exército se desintegrariam. Na igreja o amor a Cristo, no Exército o amor a pátria. A relação dessas duas massas com o indivíduo crente se dá de forma paternal. Na igreja existe uma linha democrática porque todos são iguais diante do Cristo. Com razão a igreja se assemelha a uma família unida como irmãos em Cristo. Algo semelhante acontece com o Exército onde um general ama a todos os seus soldados do mesmo modo. Uma hierarquia muito semelhante formou-se tanto na igreja quanto no Exército. Toda religião é uma religião de amor para aqueles que a seguem, mas tende a intolerância para aqueles que não pertencem a essa massa moralmente organizada.
           As neuroses de guerra, reconhecido como protestos do indivíduo contra o papel que lhe era atribuído no Exército e contra a desumana situação da guerra estão entre os motivos do adoecer. Nessas duas massas artificiais o indivíduo encontra-se ligado libidinosamente ao líder e aos demais indivíduos da massa. Existe uma ligação libidinosa no Exército com relação ao pânico que surge quando a massa se desagrega. O exército que sucumbe ao pânico pode ter suportado perigos incalculáveis. O indivíduo que tomado pelo medo cuidar de si mesmo  denota ter cessado as ligações afetivas. Agora enfrenta o perigo sozinho, e com isso existe um afrouxamento nas estruturas libidinosas da massa. Essas observações são para o caso de grande perigo e real. A desagregação de uma massa religiosa não é comum de acontecer.

9.2 A identificação

          A identificação é conhecida como a manifestação mais precoce entre as ligações emocionais. Ela está na pré-história do complexo de Édipo. O menininho se identifica com o pai, quer se tornar como o pai, ele gostaria de tomar o lugar do pai em todos os aspectos. E assim o complexo de Édipo ajuda a preparar a criança. Simultaneamente, esse menininho começou a fazer um investimento objetal da mãe. Ele mostra duas ligações: um investimento sexual de objeto com a mãe, e com relação ao pai uma identificação de modelo a ser seguido. A identificação é ambivalente desde o início, o menininho percebe que seu pai bloqueia o acesso junto a mãe, a identificação assume uma posição hostil e se torna idêntica ao desejo de substituir o pai junto a mãe. Nessa ambivalência a criança pode voltar sua identificação para a ternura como para um processo de eliminação. Nesse sentido, a identificação é a forma de ligação com o emocional mais antiga que existe, mesmo que seja para o recalcamento de mecanismos inconscientes. Muitas vezes o eu toma para si as qualidades do objeto, em muitos casos o eu toma as qualidades da pessoa não amada, podendo também tomar para si as qualidades da pessoa amada que se transforma em objeto. Nesse sentido, a identificação é a forma mais antiga de ligação entre o objeto e as emoções. Pela identificação acontece a introjeção do objeto no eu que forma uma emoção objetal libidinosa. Também acontece a identificação não objetal, esse tipo de identificação forma-se quando pessoas possuem características em comum.
          Outro exemplo de introjeção do objeto se dá na perda do objeto amado, causando autodepreciação do eu e melancolia. Na introjeção dá-se a consciência moral do eu ou autocrítica. Pouco a pouco a criança vai introjetando regras de comportamento moral que ela retira do meio ambiente em que vive, sobretudo na autoridade dos pais. A diferença entre identificação do eu com o objeto e idealização do eu para com o objeto encontram-se no estudo de duas massas: a Igreja cristã e o Exército. No Exército o soldado toma o seu comandante como ideal enquanto se identifica com aqueles que são iguais a si, dessa comunhão de eus derivam as obrigações da camaradagem e divisão de bens. Na igreja Católica as coisas são diferentes, a igreja exige que cada cristão se identifique com Cristo e ame os outros cristãos como cristo amou, o objeto nesse caso é o amor. A igreja exige um amor objetal e ideal. Com isso ela une o objeto ao seu ideal através da identificação com o Cristo. Esse avanço libidinal da Igreja Católica baseia sua pretensão em ter uma moral mais elevada.

9.3 A massa e a horda primordial

          Freud adotou a hipótese de Charles Darwin de que a forma primordial da sociedade humana foi a de horda governada por um macho forte. Embora, segundo Freud, essa seja apenas uma hipótese como tantas outras surgidas na expectativa de iluminar a escuridão dos tempos primitivos.  As massas humanas nos mostram a imagem de um indivíduo forte em meio a um grupo de companheiro com igual força, embora, para isso, tenha que ser subvertida a personalidade individual em detrimento da vontade do grupo. Um estado de regressão do psiquismo ao primitivo da horda primordial. Nesse sentido, a psicologia das massas é o mais antigo estado primordial do ser humano. A massa é uma revivescência da horda primordial, pois o homem primitivo está ainda dentro de cada indivíduo, podendo ser restabelecido pelas massas.  
          O líder da massa remete ao temido pai primordial. A massa quer ser dominada por uma força irrestrita e com autoridade em um grau extremo. A massa tem sede de submissão. Na horda primordial o pai era temido e venerado ao mesmo tempo, isso resulta o conceito de tabu, onde se forma uma irmandade para venerar um totem.
     
  
CONCLUSÃO

 No decorrer do nosso estudo sobre a moral, que agora chega a um fim provisório, percorremos diversos caminhos na busca de um entendimento sobre os motivos que levam uma pessoa a abrir mão de si mesma para fazer parte de um rebanho ou massa. No entanto, não é possível indicar com precisão o ponto do psiquismo que avança para uma psicologia das massas. Cada indivíduo guarda em seu inconsciente razões ainda a serem descobertas e que levam a essa transição. No entanto, o mito do pai da horda primordial que é elevado a categoria de criador e idealizado pelos filhos, possui fortes indícios originários dessa transição. As categorias éticas de bem e mal, do certo e do errado, afloram dos tabus para as crenças religiosas na formação de leis moralizantes. No entanto, a consciência tem se mostrado incapaz na solução de problemas de maior complexidade. As descobertas freudianas acerca do inconsciente representam um grande desenvolvimento no autoconhecimento e na ética. A luz da reflexão, Freud observou os limites da consciência humana. Em suas observações concluiu que a causa daquilo que é aparente, está escondido na inconsciência humana, guardado, entre outros motivos, por barreiras morais. A consciência, em muitos casos, consegue perceber o efeito, mas não a causa do efeito. Por não conseguir perceber a causa, culpa o outro pelos seus males. Isso acontece porque a consciência transita naquilo que é aparente, e não naquilo que está escondido pela inconsciência, pela moral, pelos recalques, pela repressão e representações que se formam no psiquismo. No processo evolutivo foram ignorados os limites da consciência, até que contradições entre nossa realidade interior e mundo aparente emergiram até a consciência.
A construção ética acompanha a pequena consciência, e varia de acordo com as mudanças nas representações formadas inconscientemente no psiquismo do observador. A consciência sabe da existência de causas inconscientes, mas não consegue acessá-las para formar representações. Segundo Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, aquilo que não vemos, não representamos, e aquilo que não representamos, não existe no mundo da consciência. A causa inconsciente dos nossos males precisa emergir para a consciência, uma vez que se vê a causa, então é possível analisá-la. Com o aumento da consciência é possível perceber porque certos objetos são detestáveis e outros não. A compreensão que nasce permite ver choques entre os desejos, e que alguns desejos só podem ser realizados infligindo regras morais. Nem todos os desejos são compatíveis. Em meio a inúmeras contradições, queremos o melhor caminho.  Atuam dentro de nós forças opostas de diferentes naturezas e intensidades. A vida é dinâmica! Costumes, crenças, leis, influenciam o nosso psiquismo. No esforço para demonstrar uma consciência ética, formam-se princípios. Alguns deles são: ama a teu próximo como a ti mesmo, trata aos outros como gostarias de ser tratado, age apenas segundo aquela máxima que possas querer que se torne uma lei universal. Podemos concluir que um antropocentrismo se faz necessário para uma elaboração de uma ética atual. Afinal, o ser humano tem valor em si, e sua existência não pode ser reduzida ao existir somente para o outro.
Cada indivíduo é parte integrante de um grupo social, chamado por Freud de massa, onde o indivíduo abre mão do seu eu para moldar-se a moral social ou da massa. O ideal do eu é trocado pelo ideal da massa corporificado no líder, fazendo assim uma reminiscência a horda primordial. O pensamento de Freud se aproxima nesse momento do pensamento de Nietzsche sobre a moral do rebanho, onde as pessoas adotam a moral de um grupo, comunidade ou rebanho para poder viver.



REFERÊNCIAS


Aristóteles – Ética a Nicômaco
Freud – A interpretação dos sonhos
............. O mal estar da civilização
............. Psicologia das massas e análise do eu
Jean-Pierre Lebrun – artigo ensinem os filhos a falhar
Ricardo Salas Astrain – Ética Intercultural
Schopenhauer, Arthur – O mundo como vontade e representação
Zygmunt Bauman - Modernidade liquida
Zimerman, David E - Manual de técnica psicanalítica


18/03/2016

O IDEAL ASCÉTICO

Eliani Gracez Nedel

Quando os meios justificam os fins, e o ideal é colocado acima do ser humano, a vida do indivíduo perde seu valor, e a manutenção do “rebanho”, parafraseando Nietzsche, é o que de fato importa. Nesse sentido, Lula é o representante de um ideal de luta entre classes que tenta sobreviver a qualquer preço, mesmo que o preço a pagar seja a vida daqueles que ainda virão a ser lesados em um confronto. Sabe-se lá aonde tudo isso vai parar. A vida, nesse caso, é depositada no ideal e não no ser humano. Para um idealista, lutar pelo ideal é lutar pela vida. Sem suas ideias, idealistas nada seriam, porque eles se reconhecem como pessoa no seu próprio mundo ideal. Idealismo e extremismo, andam de mãos dadas, e são a força motriz da discórdia e alimento para o ódio e revolta. Lutar por um ideal é passar por cima da humanidade. Pessoas assim não pensam em uma sociedade harmônica, embora consigam pensar na luta armada. De um extremo ao outro o pêndulo balança. Do ideal a luta bruta, basta um piscar de olhos. Em um extremo o ideal, no outro extremo a força bruta. E quem consegue parar esse pêndulo? Acima do bem e do mal estão a justiça, a ordem e as leis, as quais todos se submetem, bons e maus. Mas quando os valores são invertidos, e o ideal é colocado acima de tudo, e ele, o ideal, torna-se a lei onde todos são enquadrados, perde-se assim a liberdade e a espontaneidade, e a tirania toma conta. Ou se enquadra no idealismo ou está contra ele. Esse é o momento onde surge o herói, aquele que não se submete, não se deixa subjugar. Ouso dizer, na minha parca experiência, que o herói não é aquele que não tem medo, mas sim aquele que não se deixa mover pelo medo. Nesse sentido é possível pensar em dois heróis, ou, em um herói e um anti-herói. O herói é aquele que luta pelo bem coletivo. O anti-herói chama-se Luiz Inácio Lula da Silva, que pode até ter criado muitos benefícios para uma classe que até então vinha sendo excluída, mas que nem por isso precisava ter se unido a corruptos e lesado o patrimônio público e afundado o Brasil em nome de um ideal pessoal. Lula tentou servir a dois senhores, o senhor do bem e o senhor do mal. Como não se serve a dois senhores... A maligna criatura está aí, tentando sobreviver a qualquer preço, sem nem mesmo se preocupar com a possibilidade de um confronto onde pessoas poderão sair feridas ou coisa pior. Mas como a luta é o seu alimento...