INTRODUÇÃO
O mundo vem sofrendo sucessivas transformações
sociais, econômicas, culturais, éticas, espirituais, psicológicas e
científicas. A Psicanálise também tem sofrido transformação em uma trajetória
de pouco mais de meio século de existência.
O
processo de transformações é inerente à condição da humanidade, tal como,
parece-me, está bem expresso na antiga crença budista que vê a existência
humana como uma série ininterrupta de transformações mentais e físicas.
(Zimermam, 2004).
Não existe um ser universal, porquanto o
ser é constituído por fatores existenciais que formam combinações e
transformações transitórias que, por sua vez, alteram a cultura e levam pessoas
para mudanças em uma espiral sem fim. Partindo de uma visão holística, a
criança não é mais o bebê, o adolescente não é mais a criança, e o adulto de
hoje não é o mesmo adulto do passado, tampouco será a mesma pessoa no futuro.
Em resumo, nós e o mundo que nos cerca estamos nos transformando. O fato é que
este mundo já não é mais o mesmo, esse velho planeta cheira a novidade. A
mulher mudou, a criança mudou. E os idosos estão em um processo contrário,
estão rejuvenescendo. Corremos, temos pressa, somos impacientes, não
conseguimos parar, queremos tudo agora. Não
toleramos a mesmice, enfim, queremos mudanças. A tecnologia tomou
conta da vida. Computadores, máquinas informatizadas, configurações unindo
hardware e software, inúmeros satélites rodeando o planeta. Segundo Zimerman,
uma jovem estudante de medicina na década de 60, em um grupo de terapia, levou
aproximadamente um ano e meio, com medo da culpa e do julgamento das demais
pessoas do grupo, para confessar que mantinha relações sexuais com seu
namorado. A moral do passado não é a mesma moral da atualidade.
Hoje vivemos em um mundo
interligado onde os acontecimentos importantes têm repercussão quase que
instantânea. Isso requer uma visão sistêmica da vida e do mundo onde a maneira
como as partes estão integradas e estruturadas é mais importante do que o
individualismo. A forma como as pessoas estão integradas ao todo é mais
importante do que cada parte isolada. Em meio a tudo isso, novos padrões éticos
precisam ser analisados. A família nuclear
passa por transformações radicais. Casamentos seguidos de separações e novos casamentos,
mudaram a configuração da família.
Para o
psicanalista Jean-Pierre Lebrun, o modelo tradicional de família tem sofrido
modificações significativas. O modelo do passado era de uma hierarquia, em
forma de pirâmide, onde os filhos deviam obediência aos pais. Esse modelo
tornou-se decadente e foi substituindo por um novo modelo onde o filho é tão
respeitado quanto o pai, e a mulher tem a mesma igualdade e os mesmos direitos
que o homem. Esse novo modelo não é bom nem ruim, ele é apenas diferente. O
problema é que esse novo modelo requer uma nova forma de educação. A nova
criança é ousada e não teme os pais e quer liberdade para fazer suas próprias
escolhas. Ela quer ser “dona do seu nariz”. Com isso os pais perderam a
autoridade sobre os filhos. A educação pela autoridade deve ser substituída por
um novo modelo rico em sabedoria, onde a criança compreende sua importância no
mundo e é preparada para exercer seu papel dentro da sociedade. Essa nova
criança surge como espelho à liberdade da mulher. A submissão da mulher, no
passado, também foi modelo para crianças que deram continuidade ao patriarcado.
Em meio a essa mudança toda, tem jovens que não sabem o que fazer com sua
liberdade, porque não foram preparados para enfrentar o grande desafio que é
viver e fazer escolhas. Se no passado os pais faziam escolhas pelos filhos,
hoje são os próprios filhos que fazem suas próprias escolhas. Isso exige um
preparo que muitos não têm. Exige que pais preparem seus filhos para fazer
escolhas com responsabilidade. Nesse novo paradigma também é preciso ensinar
aos filhos a lidar com a adversidade e com as falhas humanas. Não somos
perfeitos, vamos errar inevitavelmente mais cedo ou mais tarde. Os pais de hoje
procuram dar de tudo aos filhos e criam a ilusão de uma vida sem erros. No
passado, quando uma criança tirava notas baixas na escola, ela sabia que teria
de se justificar diante dos pais. Hoje, quando uma criança vai mal na escola,
os pais tratam como se a falha fosse do professor e não da criança. No modelo
atual, é o professor que tem que se justificar pelo baixo rendimento do aluno,
eximindo a criança do erro. O sonho de uma vida sem erros e repleta de prazer,
muitas vezes, acaba no consumo de drogas. Uma fuga às dificuldades da vida que
nem sempre é tão perfeita quanto a infância. Em meio a toda essa mudança que o
planeta passou, a moral teria necessariamente que ser questionada, desse
questionamento surge uma nova moral e um novo modelo de homem, que não é mais o
modelo da Grécia em seu período clássico, onde o homem se oferecia aos deuses e
cultuava o belo. Tão pouco é o modelo aristotélico do homem virtuoso, muito
menos é o modelo medieval onde a vida só valia a pena ser vivida em Deus. A
vida de hoje pede uma nova reflexão ética para dar origem a uma nova moral.
1 O PSICANALISTA
Considerando que a formação do psicanalista não pode
se dar apenas na leitura de livros e nos bancos de universidades, é preciso
levar também em consideração não somente o ensino sistematizado, mas também uma
convicção ética adquirida na inserção do sujeito em uma totalidade maior do que
ele mesmo. Para entender o pensamento do analisando é preciso entender o
contexto social, familiar etc, vigente. A ética para a psicanálise está
diretamente vinculada ao desejo dos seres (libido), que solicita satisfação. Em
A interpretação dos sonhos, Freud afirma que somente o desejo é capaz de pôr o
aparelho psíquico em movimento.
Para a filosofia, ética pode ser
compreendida como a disciplina filosófica que analisa os sistemas morais
elaborados pelo ser humano na constituição de regras e princípios individuais e
de convívio social, que regulam a ação humana. Um sentido do bem e do mal, do
justo e do injusto, que permeiam o homem com objetivo de um bem social, um bem
maior. No entanto, o homem ainda tem dificuldades para ser justo porque não
sabe discernir entre o bem e o mal, e por isso suas ações são destrutivas. O
homem mata, fere a si mesmo, destrói o planeta, e por consequência adoece
produzindo sintomas somáticos, psicossomáticos, neuroses, angústias, fobias. Um
adoecer psíquico que causam sofrimento. Para Freud, em o Mal estar da
civilização, o problema é a inclinação constitutiva, dos seres humanos, para a
agressão mútua.
Ética pode ser compreendida como uma
disciplina da filosofia que questiona a moral elaborada pelas pessoas. Nesse
sentido, as pessoas criam valores morais que regulam a vida em sociedade. Para
Aristóteles, em Ética a Nicômaco, o
homem se difere dos animais por possuir o sentimento de bem e mal, de justo e
injusto. E assim associamos a ética ao bem, por promover um conjunto de normas
que regem a ação humana, promovendo um bem viver. A ação, nesse caso, visa a um
fim, o bem, ou, o sumo bem. O bem supremo é a felicidade adquirida pelo bem
viver e o bem agir. A felicidade estava relacionada ao bem viver e ao bem agir,
sendo a busca pelo prazer como finalidade de vida, coisa do homem inculto e
vulgar, pois o prazer assim como a felicidade não é um fim, mas sim um estado
da alma só atingível pelo homem virtuoso. O prazer e a felicidade são
consequências do bem viver, e o prazer como finalidade ou objetivo de vida,
entre todas as coisas, é a que mais devemos nos precaver. Se não dermos ouvidos
ao prazer, correremos menos risco de errar. Tudo isso para formar cidadãos de
bem, justos e de nobres ações, e preparados para o melhor de todos os fins, a
vida política. O homem justo é aquele que cumpre as leis, sendo a justiça a
virtude completa no mais próprio e pleno sentido do termo.
Entretanto, um olhar mais atento e
criterioso para o ser humano, cabe a pergunta: o homem é justo? Ele sabe
discernir entre o bem e o mal? A ética dá conta de questões relativas a
felicidade, como propõe Aristóteles? Ou será que o homem polui, destrói, fere,
mata seu semelhante e a si mesmo, e tem dificuldade para ser justo? O que é o
bem para o homem?
Quando falamos em ética na psicanálise
estamos falando da ação de um sujeito que leva em consideração seu próprio
desejo, seu consciente e inconsciente. É preciso levar em consideração um mal
estar causado pelo processo civilizatório, onde desde a mais tenra idade a
criança é submetida a uma moral que não leva em consideração sentimentos e
desejos.
2 ÉTICA E O INCONSCIENTE
Abordar a ética na psicanálise nunca foi uma
tarefa fácil. Freud já se questionava sobre as repercussões que sua teoria
causaria no discurso moral de sua época ao deslocar o sujeito consciente de sua
posição dominante no psiquismo, para o inconsciente. Esse golpe no narcisismo dos homens produziu
efeitos em diversos campos da atividade humana. Afirmar que a consciência já
não era mais o que definia o homem, implicou em redefinir toda uma forma de pensar.
Segundo
Freud, o nosso consciente não controla o nosso comportamento, pois mesmo nossas
ações conscientes em muito resultam do inconsciente. O inconsciente é a região
da psique constituída por desejos, paixões, pulsões, libido e recalcamentos.
Freud apresenta duas interpretações do psiquismo: a primeira e a segunda
tópica. Na primeira tópica ele recorre à imagem de um iceberg onde o consciente
corresponde a parte visível do iceberg, enquanto o inconsciente corresponde a
parte submersa do iceberg. O inconsciente tende a tornar-se consciente através
da análise, no entanto, o acesso as pulsões e desejos inconscientes, por vezes,
são impedidos pelo recalcamento de chegar ao consciente, sendo o recalcamento
um mecanismo de defesa da psique. Ele é o processo pelo qual são eliminados da
consciência e guardados no inconsciente, parte da vida afetiva e relacional
profunda. O recalcamento simplifica a existência e organiza as neuroses. Assim
como existe um movimento que vai da consciência para a inconsciência chamado
recalcamento, também existe um movimento que faz o processo inverso, aonde se vai
da inconsciência, passa pela pré-consciência e chega à consciência. O
inconsciente, ou id, é uma região do psiquismo primitivo a partir do qual se
formam o ego e o superego. O ego é uma parte do id que se desenvolveu e está em
contato com a realidade externa, ele controla os impulsos do id, age como um
juiz que decide qual dos impulsos deve ser satisfeito. Quanto ao superego, ele
serve para regular o ego, são os códigos de moral assimilados desde a infância,
são regras e normas que inibem a personalidade. O superego representa a
moralidade que reprime uma pessoa. Segundo Freud, a repressão exige um
constante consumo de energia para se manter, por isso ela pode ser realizada ao
longo da vida, e a ansiedade surge quando existe risco do material reprimido tornar-se
consciente. O fato é que as descobertas de Freud sobre o inconsciente
denunciavam uma relação perversa entre o homem e a moral. Em seu livro O mal estar da civilização, Freud vai
até a gênese da moral, a necessidade da manutenção do laço social pressupunha
uma renúncia às exigências pulsionais do indivíduo em detrimento do bem-estar
coletivo. Esta renúncia incide sobre as pulsões sexuais e constitui uma
necessidade para a manutenção da organização social na qual uma civilização
está submetida.
3 ÉTICA NA PSICANÁLISE
A ética na
psicanálise é estabelecida a partir de um sujeito que fala na medida em que tem
alguém para escutá-lo, e que busca na palavra e na associação livre o
conhecimento do inconsciente daquele que fala, e com isso desejos fluem
livremente. Nesse sentido, a psicanálise contribui para uma reflexão acerca da
moralidade e das regras de convivência social. Sendo este o verdadeiro sentido
da ética. Não se pode confundir ética com código de conduta moral, ética é o questionamento
sobre o código de conduta moral. A ética promove o debate sobre as regras de
comportamento, regras morais, regras de conduta etc, para que a partir deste
debate surjam novas regras moralizantes. E assim quando se tem um código de
conduta ético, isso significa que o código surgiu a partir do debate visando o
bem coletivo e individual. No passado, a ética visava o bem coletivo, e a
individualidade se diluía em meio a coletividade. Nos dias de hoje, o indivíduo
pede licença e respeito, e quer seus desejos atendidos. Porque, sobre tudo, o
ser humano é um ser de vontade, desejo e libido. A
subjetividade humana emergiu mostrando que a razão não é a única força humana.
O derretimento daquilo que era sólido consolidou a doutrina do descartável, e a
individualização desvinculou o fluir da ordem da vida institucional e a
enraizou no indivíduo, que teve que lutar por si e pelos seus direitos, pelos
seus anseios, desejos e liberdade. Cada pessoa é única e o individualismo pede
passagem ao respeito. Com a afirmação da individualidade humana, a política e a
comunidade têm agora por base o indivíduo. Uma inversão que parte do eu ao
coletivo. Quando no passado partia do coletivo para o eu, e o indivíduo era
massificado e uniformizado e perdia sua identidade. O desafio da
pós-modernidade reside no fato de dar unidade as mais diferentes camadas da
sociedade, integrando o indivíduo e respeitando suas características pessoais.
E assim o indivíduo dá origem a ética e a política. Diferentemente do passado
onde políticas eram estabelecidas e o indivíduo era inserido no rigor moral sem
ter direito se quer a questionar, e pessoas eram mantidas sob controle da
política, da sociedade, da família etc. Hoje o conceito de família mudou, cada
clã estabelece suas regras e quer políticas voltadas as instituições com base
no eu. A psicanálise contribui para uma ética adequada a sociedade
contemporânea, já que considera o ser humano em uma dimensão inseparável de
seus desejos. Freud afirma que o comportamento dos seres
humanos apresenta diferenças que a ética despreza, e simplesmente classifica o
comportamento em bom ou mau. Enquanto essas inegáveis diferenças não forem
removidas, a obediência às elevadas exigências éticas acarretará prejuízos aos
objetivos da civilização. Aqui Freud anunciava umas das consequências mais
complexas de sua teoria, a relação entre as pulsões e a moral. Há uma tensão
inevitável entre desejo e moralidade, mesmo que longe de qualquer determinismo,
a moral constitui um dos fatores mais importantes na origem das neuroses.
Pensar em que parâmetros éticos
pode uma análise ser fundamentada, bem como seu papel no campo das virtudes,
torna-se urgente. A Ética na psicanálise propõe ao analista acolher as demandas
do analisando, e implica em intervenções que conduzam o analisando a encontrar
aquilo que é próprio do seu desejo e de um saber inconsciente através da livre
associação. O analista não dá respostas as demandas do analisando, mas sim
convida ele a tornar-se capaz de assumir aquilo que ele deseja. O analista leva
o analisando para uma região de autoconhecimento. Onde o analisando tem a
possibilidade de conhecer a si mesmo, conhecer sua libido, seus desejos, suas
pulsões. A partir de Freud, a consciência moral não pode ser o cerne da ética,
uma vez que é o inconsciente o protagonista da ação humana, através de impulsos
e desejos, e não o consciente. A consciência moral não pode mais ser tida como
o cerne da decisão ética, pois é o inconsciente que em grande medida assume o
protagonismo das decisões nas ações humanas, através de instintos e desejos
reprimidos, dos quais sequer somos, na maior parte dos casos, conscientes. Da
mesma forma, a concepção de uma felicidade pautada na ética e em valores e
regras morais podem, em larga escala, levar ao recalcamento, desprazer e a
neurose. No entanto, a virada freudiana
abalou profundamente algumas convicções a respeito das relações do homem com o Bem,
exigindo que se repensasse os fundamentos éticos do laço social a partir da
descoberta das determinações inconscientes da ação humana. Na psicanálise Freudiana o princípio de prazer está
relacionado ao desejo que conduz o indivíduo a busca de prazer para evitar o
desprazer e a dor. A felicidade é uma experiência de
prazer, e assim, um dia feliz é um dia aprazível. A felicidade, nesse caso, está relacionada ao
prazer ou ao gozo. O princípio de prazer está fundamentado no hedonismo. O
hedonismo tem como fundamento a noção que em todas as ações o ser humano tem a
intenção de obter mais prazer e menos desprazer. O princípio de prazer fomenta a ação humana.
Por outro lado, o hedonismo ético tem como princípio o fato de o homem
contemplar o prazer e os bens materiais como as coisas mais importantes das
suas vidas. Já dizia Aristóteles, em Ética a Nicômaco, que de todos os bens que
os seres humanos buscam, a felicidade é o maior e mais unânime deles. Para
Aristóteles, a felicidade não é um estado de espírito, mas ela é possível de
ser alcançada através de uma vida contemplativa e justificada na busca da
felicidade. No entanto, uma nova moral surgiu, padrões de uma moral antiga já
não servem mais. Um importante aspecto, especificamente para a psicanálise,
decorre da vertiginosa mudança de padrões científicos. No passado, por exemplo,
a dissecação de cadáveres era sumariamente proibida pela igreja católica. E
assim, médicos no período medieval, ao questionar a moral da igreja católica,
reinventaram a medicina. Entre outros, Nicolau Copérnico questionou a teoria do
geocentrismo da igreja católica ao afirmar que o sol estava no centro do
universo e não a terra. Na modernidade, os incríveis avanços tecnológicos e a
conclusão do genoma humano trouxeram a decifração do código da vida, ou,
sequenciamento dos genes. Na sequência, a engenharia genética trouxe aquela que
talvez tenha sido a mais acirrada discussão ética que já se tenha visto, a
questão dos clones. Chegamos ao nascimento da psicanálise com o estudo dos
casos de histeria e de neuróticos, e da necessidade de estudar aquilo que a
ciência e a lógica mecanicista não conseguiram explicar, a natureza humana.
Como não poderia ser diferente, as transformações também acompanharam a
psicanálise, e Freud passou a atender casos de fobias e obsessivos. A partir
das contribuições klenianas, a psicanálise ampliou seu quadro de analisados
para os psicóticos e crianças. Na atualidade, segundo David E. Zimerman, as
pessoas que procuram tratamento analítico o fazem devido a problemas de
identidade, baixa autoestima, depressão, pessoas estressadas e angustiadas,
síndrome do pânico, transtorno narcisista, psicose, borderline, transtorno
alimentares. Enfim, são inúmeros os motivos que levam uma pessoa à psicanálise.
4 O
PAPEL DO PSICANALISTA
Quanto ao psicanalista, também
prevalece, na atualidade, um perfil diferente da origem freudiana. A ênfase da
análise recai sobre o vínculo analítico que dá unidade entre o analista e o
analisando, preservando cada um o seu papel. O analista contemporâneo valoriza
os movimentos transferenciais do paciente, atos falhos, chistes. A clínica
psicanalítica contemporânea tornou-se mais aberta para escutar as múltiplas
dimensões que estão presentes na narrativa do analisando, havendo um encontro
das características de um determinado analisando com o analista. A recomendação
ortodoxa de que o analista se ativesse a tão somente uma escola para não se
perder em meio a várias tendências, está cada vez mais sendo substituída pela
valorização do analista conhecer várias escolas, autores e correntes
psicanalíticas, podendo, desta forma, estar melhor preparado para os diversos
tipos de demanda por parte do analisando. Com facilidade, nos dias de hoje, a
psicanálise dialoga com os mais variados saberes, sem com isso perder sua essência
original freudiana. Durante longas
décadas, o paradigma vigente foi o freudiano: um embate entre pulsão e repressão,
ou seja, desejos libidinais proibidos e o ego. Essa essência psicanalítica
perdura até hoje, embora depois de Freud, outros teóricos da psicanálise tenham
trazido a luz teorias que ampliaram o conhecimento psicanalítico, como, por
exemplo, Melayne Klein, Bion entre outros.
No campo da clínica psicanalítica, pensa-se em uma
atitude psicanalítica que não seja invasiva e que favoreça insights e reminiscência em busca daquilo que
seja importante para o exercício da psicanálise, na busca de traumatismos
fundamentais do sujeito, mantendo uma postura que não atenda à maioria das
necessidades, desejos e vontades do paciente, mas que conduza o analisando a
reflexão sobre si mesmo, buscando atender ao desamparo de quem sofre e não
consegue dar-se de conta do motivo de seu sofrimento. O que fazer quando
dependemos da linguagem para ser o que somos, embora venha dela o que nos
traumatiza? E assim, é a partir de uma
história, trágica ou dramática, com seus encontros, desencontros e
mal-entendidos, que o adulto pode tornar-se o que ele é. Marcado pelos adultos
de sua infância, ele é aquele que traçou o seu caminho como pôde. Suas
verdades, seus valores e sua lucidez, escondem, geralmente, seu verdadeiro eu.
A arte de analisar e interpretar também passou por
profundas transformações. Houve um tempo em que se o paciente chegasse
atrasado, alegando problemas no trânsito, o analista interpretaria como sendo
um congestionamento mental. Hoje, a interpretação continua sendo importante, no
entanto há muito mais questões a ser levantada antes de se dar uma
interpretação. Atos e gestos carecem de uma interpretação que leve em
consideração o significado para o analisando. Significado e significante estão
um para o outro assim como causa e efeito. Segundo David E. Zimermar, “o mais
importante é que o analisando libere um trânsito de comunicação, em via de duas
mãos, entre o consciente e o inconsciente.”
No passado, a psicanálise ficou restrita ao seu
reduto, não confabulando com as demais ciências, isso limitou o analista. Hoje
a psicanálise dialoga com a ciência, e o analista estuda as mais variadas áreas
do comportamento humano. Encontramos psicanalistas com formação em medicina,
psicologia, filosofia, psicopedagogia, neurocientistas, enfim, a psicanálise
permeia as mais variadas áreas dos saberes humanos. Freud previu que uma escola
de psicanálise teria que ter em seu currículo estudos médicos, Biologia,
sexualidade, psiquiatria, ensino de dialética, história da civilização,
mitologia, psicologia da religião. Freud já antecipava a complexidade dos
estudos de um psicanalista para a compreensão da alma humana. Muito das
mudanças que envolveram a psicanálise deve-se ao fato de que a neurociência e a
farmacologia se desenvolveram muito nas últimas décadas. A neurociência da
época de Freud tornou-se obsoleta. A
nova tecnologia deu origem a um novo homem, bem como o uso de químicas
viciantes passaram a assolar o planeta.
5 O SER HUMANO É UM SER MUTANTE
Artefatos
criados pelo homem passam a fazer parte do aspecto emocional, e daí em diante o
cérebro considera o objeto como parte integrante de seu organismo. A evolução
humana sempre esteve marcada pela técnica, o homem, desde o início dos tempos,
cria instrumentos com objetivo de facilitar seu trabalho. Computadores,
máquinas informatizadas, configurações unindo hardware e software, são
utensílios que fazem do homem um ser ciborgue que se move simultaneamente no
real e no virtual. Essa união entre o humano e o virtual chama-se parabiose. Uma
união com influência nos processos psicológicos humanos. O cérebro começa a ser
desvendado a partir de 1950 com a neurociência, e, em 1960, com o surgimento da
inteligência artificial, que visa replicar a inteligência humana para uso em
programas de computador e construção de robôs pensantes, a filosofia da mente
aparece no cenário filosófico. Em poucas décadas a inteligência artificial teve
um desenvolvimento extraordinário, enfatizando a importância do papel que a
configuração das nossas mentes desempenha na construção do mundo. A busca pela
relação mente e cérebro está apenas começando, é preciso saber onde termina a
neurofisiologia e onde começa a psicologia. Pelo que
parece, teremos
que partilhar
o mundo com robôs, androides e ciborgues. Um mundo onde o humano convive com a
máquina e a mente de um usuário da Internet convive com o ciberespaço. Com tudo
isso, temos seres transplantados, com a libido potencializada, seres que vão se
modificando na medida da necessidade ou da conveniência. Seres conectados a uma
inteligência artificial produzindo, a partir desta integração, um ser
parabiótico, essencialmente diferente do Homo
sapiens, formando
uma inteligência sem limite ao desenvolvimento humano. Isso só é possível
porque seres humanos possuem a capacidade de incorporar instrumentos criados
por eles mesmos.
No entanto, a questão das emoções tem
outro papel importante ainda a ser desvendado. Alguns estudiosos do assunto
afirmam que nossas emoções estão relacionadas a conexão neuronal ou sinapse,
embora nem todos concordem com isso. O certo é que a depressão já existia na
Grécia antiga. Naquela época, os depressivos eram chamados de melancólicos,
descritos por Aristóteles e Hipócrates. Os melancólicos eram pessoas que
perderam o gosto pela vida, passavam longos períodos sem sair de casa e se
afastavam do convívio social. A melancolia do passado sobreviveu ao tempo,
passeou pelo período medieval com o nome de “loucura”. No medievo, “loucos”,
prostitutas, excluídos do meio social e pessoas que não se ajustavam a moral da
época, eram enclausuradas e tratadas como doentes mentais. Francamente, não
sabemos dizer qual loucura foi maior, se a cura da loucura ou a loucura da
cura. Mas, como de médico e louco todos nós temos um pouco, estava feita a confusão.
No livro O Alienista, de Machado de
Assis, é possível perceber a dificuldade em determinar quem é o louco e quem é
o normal. Cuidado, pois, talvez, estejamos ainda com a mesma dificuldade.
Parece que todos viraram depressivos. Quem ainda não tomou remédio para esse
mal? Com tanta medicação, estamos nos tornando uma sociedade de drogados e de
dependentes químicos. Se no passado colocavam em manicômios “loucos”,
prostitutas e desajustados sociais, nos dias atuais, a confusão foi apenas
repaginada, ainda permanece a dificuldade em determinar quem realmente tem
necessidade de química para regular seu humor, e quem está despreparado para a
vida ou apenas triste, porque a vida, às vezes, realmente não é fácil de ser
vivida. Isso não quer dizer que a solução esteja dentro de um minúsculo
comprimido. É preciso compreender que talvez não seja possível ser feliz o
tempo todo. Mas, no mundo do artificial,
a alegria também tende a se tornar artificial, movida por drogas, bebidas
alcoólicas e antidepressivos. O mesmo
acontece com usuários de Viagra, que sustentam artificialmente sua potência
sexual. Sinceramente, quando vejo alguém sentado em um computador, pergunto a
mim mesma ─ qual dos dois é a inteligência artificial. Afinal, tudo isso faz de
nós seres ciborgues. Com tudo isso, a educação e o modelo tradicional de
família mudaram.
O moralismo do passado, já não serve mais.
Viver é um ato de responsabilidade, e não somos, ainda, educados para sermos
responsáveis pela própria existência. Nossos jovens têm como exemplo, pessoas
que destroem o planeta, e que mantiveram uma estrutura familiar a base de
opressão e excessivo moralismo. Toda
essa mudança no pensamento humano, talvez tenha por base a mudança da mulher. A
mulher do passado tornou-se polida, recatada, uma dama educada, contida e
reprimida, aceitando tudo sem questionar, pois assim exigia o status quo do
passado.
Recentemente, escavamos no deserto do feminino a procura de ossos para montar
um novo esqueleto feminino. Surge assim a nova Eva. A Eva de hoje procura seu
ser, sua libido, sua vontade, seus desejos. A nova mulher deixou de render
culto ao medo e deu um golpe fatal em dogmas e em valores que desrespeitavam
seus sentimentos. Deu um golpe certeiro naqueles que apostaram em sua fraqueza.
Aprendeu que o risco calculado conduz ao crescimento a passos largos, e que ser
boazinha só aumenta os maus tratos.
O mundo
está hiperativo, embora algumas pessoas pensem que hiperatividade seja coisa de
criança. O fato é que este mundo já não é mais o mesmo, esse velho planeta
cheira a novidade. A mulher mudou, a criança mudou. E onde estão nossos
idosos?, estão em um processo contrário, estão rejuvenescendo. Corremos, temos
pressa, somos impacientes, não conseguimos parar, queremos tudo agora. Não toleramos a mesmice, queremos mudanças.
Temos sede de saber e de aprender. Em meio a toda essa mudança no pensamento
humano,
a psicanálise também mudou. Novas descobertas na área da engenharia genética,
genoma e clonagem, entre outras, exigiram do psicanalista um posicionamento
diante da sociedade, causando uma reflexão ética. A descoberta de que no centro
da célula está o genoma, tornou-se uma revolução científica. O número de genes
encontrado em uma pessoa é de 30.000, enquanto o número de genes encontrado em
uma minhoca é de 19.000. A diferença não é tão grande assim. Isso nos diz que a
diversidade encontrada na espécie humana reside em outras possíveis combinações
do psiquismo. De Freud até os dias de hoje, a mudança foi grande. Mudança
comportamental, mudança no pensamento, mudança tecnológica e científica. Mas
algo continua o mesmo, o inconsciente! O ser humano continua sendo uma
incógnita, e a pergunta feita pelos antigos ainda continua a mesma: afinal,
quem somos nós?
O
psicanalista de hoje acompanhou toda essa mudança, no entanto ele não abriu mão
dos princípios básicos da psicanálise. O ser humano pode ter mudado, isso não
significa dizer que ele tenha evoluído. Traumas, angústias, questões libidinais,
ainda permeiam a vida humana. Por mais que a tecnologia e a ciência tenham se
desenvolvido, o inconsciente e seus efeitos continuam ainda a serem desvendados.
O inconsciente e seu efeito estão um para o outro como lei de causa e efeito. A
relação causa e efeito, é uma relação que dever ser encontrada pelo analisando,
pois somente ele pode dar um significado para o entendimento daquilo que é a
causa de suas queixas, angústias, neuroses, fobias, enfim, para seus males. Um
dos graves erros da ciência ao longo dos séculos foi unir um efeito a uma causa
errada. Isso aconteceu devido a ignorância, pré-conceito, moralismo etc, que formaram
uma resistência, impedindo o conhecimento de forma geral. Nesse caso, o erro
conduz a ilusão. Para Freud, a causa do efeito, muitas vezes, é inconsciente.
6 AS REPRESENTAÇÕES
Também
é preciso levar em consideração que o mundo que nos rodeia é tão somente
representação de quem o representa, o mundo é percepção de quem o percebe, é um
ponto de vista de cada pessoa. Por esse motivo a apreensão do mundo fenomênico é,
necessariamente, uma apreensão individual. Nisso está contida toda
possibilidade de experiência.
Para
Schopenhauer, a representação é uma atividade de ver com a totalidade da
faculdade perceptiva e cognitiva dos sentidos. O trabalho de representar o
mundo aparente é inconsciente e automático, sem nenhuma intenção por parte do
indivíduo. É um processo que acontece naturalmente. E assim o sujeito vê o
mundo a partir de seu interior, de sua moral, sua educação, do tempo e lugar
onde ele vive. Introduzindo aleatoriamente representações do mundo, e, a partir
disso, formando conceitos pessoais.
A ação humana, portanto, é movida não somente
pelo desenvolvimento tecnológico e mudança de pensamento, mas também pelos
sentimentos, representações, moral, lugar, circunstância, consciência e
inconsciência, vontade e má vontade, desejos libidinais... O ser humano é uma
multiplicidade de sensações. Freud levou em
consideração que o ensino teórico, mesmo sendo sistematizado, não poderia dar
convicção da justeza da teoria. Essa convicção só se adquire mediante a
experiência desse saber, na própria análise. Portanto, são os próprios
conceitos psicanalíticos, a técnica psicanalítica e o processo analítico que
vão configurar e afirmar a Ética na psicanálise. A psicanálise é
fruto de reflexão, estudo e observação, por parte de Freud, que deram origem ao
método psicanalítico. Reflexões freudianas sobre a moral estão presentes em O mal estar da civilização, e, ao
afirmar que a ação humana é movida pelo inconsciente e não pelo consciente,
Freud se valeu da ética e fez uma reflexão sobre a moral que afirmava ações
movidas pela consciência com objetivo de conquistar uma vida boa.
7 O SETTING ANALÍTICO
Não há clinica sem ética, regras mínimas são
estabelecidas no setting analítico já no primeiro encontro. O setting analítico
constitui-se de uma combinação de regras pré-estabelecidas e combinações
específicas entre o analista e analisando. A segurança de um local adequado, e
regras pré-estabelecidas, favorece a aliança analítica que resulta de combinações de fatores, algumas delas
vão se definindo ao longo do processo. Alguns exemplos são: horário dos
encontros, forma de pagamento, plano de férias etc. Combinações que não são impostas,
mas sim acordadas entre as partes envolvidas. O setting analítico não é algo
formal e opressor, ele é o lugar onde o analisando sente-se seguro com suas
experiências emocionais.
Quanto as
funções do setting analítico, Zimerman afirma que ele tem por obrigação
“normatizar, delimitar, estabelecer a assimetria e não similaridade”. Portanto,
o setting analítico tem que demonstrar, desde o inicio, os papeis bem
definidos, sobretudo o papel do analista, que é diferente do papel do analisando,
trazendo assim o analisando para a realidade
de regras e limites em sua vida. Regras adequadas a um processo de análise. Por
parte do analista é preciso que ele tenha sensibilidade e destreza técnica
frente a singularidade de cada caso. Aqui se impõe uma exigência ética, a
responsabilidade do analista na condução do processe de seus pacientes.
A partir da descoberta freudiana sobre o
inconsciente, e do conflito psíquico como um conflito essencialmente moral, que
a psicanálise faz uma reflexão sobre a moralidade, dando origem a uma nova
moral, visando o equilíbrio psíquico. Um olhar ético sobre a moralidade humana.
A ética de Aristóteles da virtude é uma ética do caráter, que se opõe a ética
psicanalítica. Não há dúvidas de que essa herança grega ainda prevalece até os
dias de hoje. As ideias de Aristóteles ainda continuam a imperar no discurso
social sobre o comportamento moral. Esta ética, fundamentada na Razão e na
concepção do homem como sendo um animal racional, que as descobertas de Freud
se opõem. A descoberta de que o ser humano é movido, em maior parte, pela sua
inconsciência, e não por uma consciência racional, promoveu uma mudança no
pensamento, na moral, e na visão de ser humano. Somos muito mais do que um
animal racional, somos razão e emoção, pensamentos e desejos, consciência e
inconsciência.
8 ANÁLISE
DO EU
A moral constituída ao longo do tempo
interfere diretamente no principio de prazer, alterando o aparelho psíquico,
reprimindo o prazer, e com isso o indivíduo cai no desprazer tornando-se uma
bomba prestes a explodir a qualquer momento. A noção de “Eu” em Freud pode ser
entendida a partir de sua teoria do funcionamento mental. Do ponto de vista da teoria freudiana, os processos mentais são regulados
pelo princípio de prazer. Esse princípio decide o propósito de vida. Freud comparou o funcionamento da mente humana
com uma ameba.
“Freud comparou o funcionamento da mente, o mais
complicado órgão, com o funcionamento do mais simples organismo, a ameba. A
vida é mantida através da admissão num organismo da matéria estranha, mas útil,
e da descarga da sua própria, mas perniciosa matéria. Admissão e descarga são
os mais fundamentais processos de qualquer organismo vivo. A mente, que também
faz parte de um organismo vivo, não constitui exceção a essa regra: realiza a
adaptação e o progresso mediante o emprego, ao longo de toda sua existência,
dos processos fundamentais de projeção e introjeção. As experiências de
introduzir alguma coisa no Eu e de expelir alguma coisa do Eu são eventos
psíquicos de primeira grandeza”. (HEIMANN, 1969, p. 143)
Freud entendeu que os processos mentais são regulados pelo princípio de
prazer. A mente, nesse caso, regula a quantidade de excitação nesse aparelho.
A isso Freud nomeou de pulsão. A pulsão,
na busca pela supressão, precisa de um objeto. E assim temos um limite entre o
psiquismo e o somático. O corpo como objeto das pulsões. Encontramos aqui o ponto onde tudo converge
para a repressão. O moralismo na forma com que a criança é criada, religião,
influências do lugar onde vivemos etc, tendem a negar as pulsões no corpo,
muitas vezes tratando como pecado, falha de caráter, desajuste social, uma
descarga pulsional. São exemplos de descargas pulsionais a sexualidade, a
dança, o cigarro entre outros.
O aparelho mental tem
importante papel na formação do Eu, ele distingue o mundo interior do mundo
exterior, ou seja, ele distingue a subjetividade da objetividade. No entanto o
Eu não é somente constituído pela subjetividade e nem tão somente pela
objetividade, existe mais do que isso no aparelho psíquico.
Segundo Freud, o ser
humano possui um inconsciente onde estão contidas nossas frustrações, medos,
angústias, emoções aprisionadas que ainda não foram trazidas a luz da
consciência. Para Freud o inconsciente governa nossa respiração, digestão e
batidas do coração. Segundo Freud não somos senhores de nós mesmos, não nos
autoafirmamos na consciência, mas sim naquilo que é inconsciente. Sem falar,
que a civilização exige sacrifícios. A civilização é o que diferencia o homem dos
animais. Ele afirma que o homem valoriza mais o que o outro tem e menos o que
realmente é importante em sua vida, e assim vive o homem em busca de riqueza,
poder e sucesso. Já a cultura causa um mal estar nos homens, e este paga o
preço da renúncia da satisfação pulsional. Freud também afirma que a religião é
uma busca por amparo.
Olhando uma cena comum
em um parque, é possível ver crianças que se lançam do alto de brinquedos nos
braços de seus pais. A certeza do amparo e da mão firme e da confiança em seu
pai dá a segurança para a criança. E assim ela se lança confiante, e o braço forte
do pai a ampara. No entanto, nem todos receberam o amparo necessário na
infância para se tornarem adultos seguros de suas decisões. O desamparo pode
gerar insegurança pela vida a fora. Não foram todos que tiveram o braço firme e
o olhar amoroso que dá a segurança de sermos amados, ou uma estrutura familiar
e os cuidados da mãe. Quantos não tiveram isso?! Pelo contrário, tiveram o
olhar de quem sabia que a punição viria. Quantos cresceram sem amparo. E a
insegurança hoje toma conta de pessoas que nem se deram de conta do seu
desamparo. A fragilidade humana começa quando nascemos, pois o nenê necessita
ser amparado e ser cuidado. E com isso começa a dependência na formação de cada
pessoa. Portanto, a posição natural do ser humano é de desamparo, e precisa do
amparo para sobreviver. Precisa do cuidado do outro. Para Nietzsche
(1844-1900), o homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem, uma
corda sobre o abismo. O caminho do homem passa pelo abismo! Isso nos diz que o
caminho é inseguro e perigoso. Nietzsche anuncia a morte de Deus, e assim o
homem fica desamparado até mesmo daquilo que lhe é sagrado, Deus. Para Freud, é
no desamparo que as religiões encontram seu lugar. Um porto seguro, uma mão
invisível, uma moral que garanta estar fazendo a coisa certa, uma fé, uma
crença em algo, uma certeza mesmo que ilusória, um pai protetor.
A vida psíquica é
constituída pelo id, super ego e ego. O id é o que está no insciente de uma
pessoa. São os instintos, desejos, impulsos e libido. O id é a estrutura de
pensamento original e básica. As leis da lógica não se aplicam ao id, por isso
estão contidos nele os impulsos irracionais que não estão a luz da consciência.
Se o id é aquilo que está no inconsciente, o ego é o que está em contato com a
realidade externa, é uma parte do id que se desenvolveu ao entrar em contado
com a realidade e por isso se tornou aparente. Uma das funções do ego é
estabelecer uma conexão entre a percepção sensorial e a ação muscular. Os
acontecimentos internos pertencem ao id, mas cabe ao ego satisfazer os
instintos ou suprimi-los. O ego é a parte executiva da consciência. O ego é
quem dá vazão aos impulsos oriundos do id, e assim o ego se origina do id e o
superego se origina do ego. É o superego quem a partir da moral, tradição,
costumes, religião etc., emite um julgamento, ideais e metas. O superego é que
decide o que está certo ou errado. A infância e o conceito de infantil, sempre
estiveram presentes na obra de Freud. A infância é um período de tempo na vida
de uma pessoa, já o infantil é atemporal. A psicanálise valoriza não somente as
recordações da infância, mas também a infância esquecida. O infantil remete ao
conceito de recalque, pulsão e inconsciente. Em linhas gerais, a meta
fundamental da psique é maximizar o prazer e minimizar o desprazer, retendo ou
trazendo a consciência dados do inconsciente. Freud, desde o início de sua
carreira, desenvolveu um determinismo que o levou a encontrar a causa das
neuroses. Para tanto, passou toda sua vida debruçada sobre a alma dos
neuróticos. A psicanálise, tem sido, desde então, uma busca pelas causas
ulteriores para o comportamento e angústia do ser humano, uma busca por
compreender a si mesmo e o outro, e com isso adquirir um equilíbrio psíquico. O adoecer e a
reorganização da psique tornaram-se uma possibilidade terapêutica que encoraja
o neurótico a superar seus conflitos, entre a pulsão e a saúde psíquica, ao
trazer a luz os impulsos inconscientes reprimidos ou recalcados. O adoecer do neurótico está vinculado
a uma situação patológica de frustração das pulsões e repressão da libido,
sendo assim, o adoecer é consequência e não a causa de um transtorno
patológico. Causas prováveis de neurose são, em geral, rigidez moral que causam
recalque na infância, frustrações, falta de amor, desestrutura familiar,
rigidez ética imposta pela sociedade. A repressão e
mecanismos coercitivos da sociedade são fomentadores de conflitos, por exemplo,
a libido versus ideal acético. E assim se instala uma luta entre dois impulsos
gerando a doença ou neurose. Não vamos aqui confundir a luta entre duas
polaridades que acontece na hora em que o indivíduo tem que fazer uma escolha,
mas sim entre o ego e aquilo que muitas vezes ficou recalcado no inconsciente,
uma verdadeira luta entre a doença e sua causa. A luta só pode ser vencida
quando os dois oponentes se encontram em campo de batalha, onde um pode ver o
outro, a luta acontece no consciente. E assim a neurose e sua causa se
encontram para a solução do conflito instalado. Desse confronto surge, de
alguma forma, uma solução para o neurótico. Uma luta consciente da causa e seu
subsequente efeito. A psicanálise se
esforça em compreender o Eu na sua luta pelo desenvolvimento. O recém nascido
não se diferencia da mãe, não separa seu eu com o mundo exterior. Quando pela
primeira vez ele percebe o mundo exterior é pelo desprazer quando é retirado o
seio da mãe. O seio é o primeiro objeto que separa o recém nascido do mundo
exterior. Uma luta constante do Eu com o desprazer leva o Eu ao isolamento de
tudo o que pode levar ao desprazer. Surgindo assim um Eu que busca o prazer e foge
do desprazer. E assim chegamos aos dois princípios que regem o funcionamento
mental: o princípio de prazer responsável pelos processos inconscientes, e o
princípio de realidade responsável pelos processos conscientes. O principio de
prazer é um direcionamento de energia ou de descarga punsional que tem por
objetivo a satisfação ou o prazer. Tendo em vista o principio de realidade, nem
sempre o principio de prazer atinge a satisfação desejada, seja por conta de
uma realidade de castração na infância, de uma realidade sociocultural ou
moralismo. O principio de realidade se manifesta na censura interna que impede
o sujeito a desobedecer a questões éticas e morais para atingir a satisfação e
desejos internos. O princípio de prazer descrito por Freud direciona a ação
psíquica e orgânica para atingir um prazer idealizado. Enquanto isso o
princípio de realidade se manifesta na relação sociocultural e na formação de
conceitos morais e éticos, onde o indivíduo passa a respeitar os limites
impostos pela moralidade. No princípio de realidade a moral controla o
princípio de prazer.
9 PSICOLOGIA DAS MASSAS
A oposição entre psicologia individual (Eu) e
psicologia social (das massa) aponta o ponto onde o individuo abre mão do se Eu
para adotar uma moral social ou de massa. A psicologia individual está
orientada para a singularidade do caminho pelo qual o indivíduo percorre na
busca da satisfação de seus impulsos para chegar ao prazer. Muitas vezes, nessa
busca pela satisfação o outro é esquecido. Ao levar em consideração a
influencia do outro no aparelho psíquico do indivíduo a análise passa a ser
social. Nesse sentido, o psiquismo individual também passa a ser um psiquismo
social, onde a moral de um passa a influenciar a moral do outro.
A interação social do indivíduo com os pais,
professores, amigos, interação profissional ou com a pessoa amada, tornaram-se
assuntos de investigação psicanalítica como fenômeno social opondo-se ao narcisismo
cuja satisfação dos desejos não sofre a influência de outras pessoas. A
psicologia das massas trata a pessoa como integrante de uma tribo, uma casta,
uma classe, instituição ou como pertencente a um grupo de pessoas que em um
determinado momento se organizam como massa, levados por um impulso social,
quem sabe, já encontrado na família. Afinal, o que é uma massa e como ela
influencia a vida psíquica do indivíduo? A massa adquire uma alma coletiva, um
pensamento coletivo que da coesão a massa. A massa torna-se assim um ser
constituído por várias partes heterogêneas que se ligam entre si. Na massa a
singularidade do indivíduo desaparece, o heterogêneo desaparece no homogêneo. A
estrutura que se desenvolveu no indivíduo desaparece, tornando-se visível o
inconsciente. Na massa o individuo adquire o sentimento de poder que lhe
permite entregar-se aos instintos. Na massa o indivíduo mostra o inconsciente
que contém tudo que é de malvado ou animalesco no ser humano. Como por exemplo,
o desaparecimento da consciência moral ou do sentimento de responsabilidade. A
consciência moral é formada pelo medo social. Na massa o medo social é diluído
no todo, sem o medo social perde-se a consciência moral. Portanto, no núcleo da
consciência moral está o medo. Na multidão também é possível observar que os
sentimentos são contagiosos, levando muitas vezes o indivíduo a abrir mão de
seus interesses em detrimento de interesses coletivos. Mediante procedimentos
variados, e depois de ter perdido a inteira consciência de si, um ser humano
obedece às sugestões da massa, equiparado a uma hipnose. Em outro ponto de
vista o indivíduo que em seu isolamento pode ser uma pessoa culta, educada e
tranquila, na massa perde a racionalidade tornando-se mais instintivo e voraz,
tornando-se mais agressivo. Em meio a tudo isso, na massa o indivíduo encontra
o entusiasmo que na solidão nem sempre é possível de ser encontrado, um ânimo
onde uma pessoa impulsiona o outro.
Outras observações da psique de massa são a
inibição da capacidade intelectual e a intensificação da afetividade. A
afetividade ainda pode ser intensificada pela sensação de poder. A massa
inteira é portadora da autoridade temida pelas demais pessoas. Por isso
torna-se perigoso ir contra a massa. Um exemplo disso é a igreja católica no
período medieval. A igreja constituiu-se uma massa organizada que devorava quem
a ela fizesse oposição. Também é possível observar que em alguns casos a moral
individual seja exacerbada e a massa impõe rigidez moral, esse é o caso das
religiões. Um indivíduo em uma massa, pela influência desta, experimenta
modificação intensa em seu psiquismo. Sua afetividade aumenta enquanto sua
capacidade intelectual torna-se limitada. Isso acontece para que o indivíduo
possa se nivelar aos demais integrantes da massa. Para atingir esse nivelamento
o indivíduo suprime seus impulsos e suas inclinações. Os princípios éticos da
massa ou de um grupo podem ser mais elevados do que os princípios éticos dos
indivíduos que compõe a massa. Na massa a moralidade ganha força, enquanto a
vontade individual se perde em meio ao poder moral da massa.
Sobre
os lideres de um grupo, assim que seres humanos se reúnem eles formam um
rebanho que se colocam instintivamente sob o controle de um chefe. Um grupo é
um rebanho que obedece ao seu senhor. O chefe tem que ser possuidor de
prestígio que fascina a massa. E assim o prestígio une as pessoas em uma massa.
Todo prestígio se perde em caso de fracasso. A passagem de uma psicologia
individual para uma psicologia de massa onde o indivíduo se submete a moral da
massa abrindo mão de seus anseios constitui-se em fonte de muito estudo por
parte de sociólogos, antropólogos, psicanalistas entre outros. Freud aponta
alguns motivos em seu artigo Psicologia das massas e análise do Eu. Cada
indivíduo pode ter seus motivos que o levam a preferir se esconder em uma massa
a ter que lutar contra ela e viver autoafirmado em seu Eu.
9.1 Duas
massas artificiais: A Igreja e o Exército
Podemos distinguir tipos de massas
diferentes em sua formação e orientação. Massas duradoras e massas fugazes, massas
constituídas por indivíduos semelhantes e massas constituídas por indivíduos
não semelhantes, massas naturais e massas artificiais, massas primitivas,
massas altamente organizadas. Nossa investigação volta seu olhar para as massas
artificiais: igreja e exército. A igreja e o exército são massas artificiais
porque empregam certa ação coercitiva externa para não se diluir e nem modificar
sua estrutura. Normalmente as pessoas não são consultadas se desejam entrar em
uma massa dessas, não existe livre arbítrio. Essas massas através de ações
coercitivas estão protegidas pela desagregação. Tanto na igreja quanto no
Exército encontra-se a ilusão de há um chefe que ama a todos. Na igreja
católica há o Cristo, no Exército, o general, que ama a todos na massa com
igualdade. Sem esse princípio coercitivo tanto a igreja quanto o Exército se
desintegrariam. Na igreja o amor a Cristo, no Exército o amor a pátria. A
relação dessas duas massas com o indivíduo crente se dá de forma paternal. Na
igreja existe uma linha democrática porque todos são iguais diante do Cristo.
Com razão a igreja se assemelha a uma família unida como irmãos em Cristo. Algo
semelhante acontece com o Exército onde um general ama a todos os seus soldados
do mesmo modo. Uma hierarquia muito semelhante formou-se tanto na igreja quanto
no Exército. Toda religião é uma religião de amor para aqueles que a seguem,
mas tende a intolerância para aqueles que não pertencem a essa massa moralmente
organizada.
As neuroses de guerra, reconhecido
como protestos do indivíduo contra o papel que lhe era atribuído no Exército e
contra a desumana situação da guerra estão entre os motivos do adoecer. Nessas
duas massas artificiais o indivíduo encontra-se ligado libidinosamente ao líder
e aos demais indivíduos da massa. Existe uma ligação libidinosa no Exército com
relação ao pânico que surge quando a massa se desagrega. O exército que sucumbe
ao pânico pode ter suportado perigos incalculáveis. O indivíduo que tomado pelo
medo cuidar de si mesmo denota ter
cessado as ligações afetivas. Agora enfrenta o perigo sozinho, e com isso
existe um afrouxamento nas estruturas libidinosas da massa. Essas observações
são para o caso de grande perigo e real. A desagregação de uma massa religiosa
não é comum de acontecer.
9.2 A
identificação
A identificação é
conhecida como a manifestação mais precoce entre as ligações emocionais. Ela está
na pré-história do complexo de Édipo. O menininho se identifica com o pai, quer
se tornar como o pai, ele gostaria de tomar o lugar do pai em todos os
aspectos. E assim o complexo de Édipo ajuda a preparar a criança.
Simultaneamente, esse menininho começou a fazer um investimento objetal da mãe.
Ele mostra duas ligações: um investimento sexual de objeto com a mãe, e com
relação ao pai uma identificação de modelo a ser seguido. A identificação é
ambivalente desde o início, o menininho percebe que seu pai bloqueia o acesso
junto a mãe, a identificação assume uma posição hostil e se torna idêntica ao
desejo de substituir o pai junto a mãe. Nessa ambivalência a criança pode
voltar sua identificação para a ternura como para um processo de eliminação. Nesse
sentido, a identificação é a forma de ligação com o emocional mais antiga que
existe, mesmo que seja para o recalcamento de mecanismos inconscientes. Muitas
vezes o eu toma para si as qualidades do objeto, em muitos casos o eu toma as
qualidades da pessoa não amada, podendo também tomar para si as qualidades da
pessoa amada que se transforma em objeto. Nesse sentido, a identificação é a
forma mais antiga de ligação entre o objeto e as emoções. Pela identificação
acontece a introjeção do objeto no eu que forma uma emoção objetal libidinosa. Também
acontece a identificação não objetal, esse tipo de identificação forma-se
quando pessoas possuem características em comum.
Outro exemplo de introjeção do objeto
se dá na perda do objeto amado, causando autodepreciação do eu e melancolia. Na
introjeção dá-se a consciência moral do eu ou autocrítica. Pouco a pouco a
criança vai introjetando regras de comportamento moral que ela retira do meio
ambiente em que vive, sobretudo na autoridade dos pais. A diferença entre
identificação do eu com o objeto e idealização do eu para com o objeto
encontram-se no estudo de duas massas: a Igreja cristã e o Exército. No
Exército o soldado toma o seu comandante como ideal enquanto se identifica com
aqueles que são iguais a si, dessa comunhão de eus derivam as obrigações da
camaradagem e divisão de bens. Na igreja Católica as coisas são diferentes, a
igreja exige que cada cristão se identifique com Cristo e ame os outros
cristãos como cristo amou, o objeto nesse caso é o amor. A igreja exige um amor
objetal e ideal. Com isso ela une o objeto ao seu ideal através da
identificação com o Cristo. Esse avanço libidinal da Igreja Católica baseia sua
pretensão em ter uma moral mais elevada.
9.3 A
massa e a horda primordial
Freud adotou a hipótese de Charles
Darwin de que a forma primordial da sociedade humana foi a de horda governada por
um macho forte. Embora, segundo Freud, essa seja apenas uma hipótese como
tantas outras surgidas na expectativa de iluminar a escuridão dos tempos
primitivos. As massas humanas nos
mostram a imagem de um indivíduo forte em meio a um grupo de companheiro com
igual força, embora, para isso, tenha que ser subvertida a personalidade
individual em detrimento da vontade do grupo. Um estado de regressão do
psiquismo ao primitivo da horda primordial. Nesse sentido, a psicologia das
massas é o mais antigo estado primordial do ser humano. A massa é uma
revivescência da horda primordial, pois o homem primitivo está ainda dentro de
cada indivíduo, podendo ser restabelecido pelas massas.
O líder da massa remete ao temido pai
primordial. A massa quer ser dominada por uma força irrestrita e com autoridade
em um grau extremo. A massa tem sede de submissão. Na horda primordial o pai
era temido e venerado ao mesmo tempo, isso resulta o conceito de tabu, onde se
forma uma irmandade para venerar um totem.
CONCLUSÃO
No decorrer do nosso estudo sobre a moral, que
agora chega a um fim provisório, percorremos diversos caminhos na busca de um
entendimento sobre os motivos que levam uma pessoa a abrir mão de si mesma para
fazer parte de um rebanho ou massa. No entanto, não é possível indicar com
precisão o ponto do psiquismo que avança para uma psicologia das massas. Cada
indivíduo guarda em seu inconsciente razões ainda a serem descobertas e que
levam a essa transição. No entanto, o mito do pai da horda primordial que é
elevado a categoria de criador e idealizado pelos filhos, possui fortes
indícios originários dessa transição. As categorias éticas de bem e mal, do
certo e do errado, afloram dos tabus para as crenças religiosas na formação de
leis moralizantes. No entanto, a consciência tem se mostrado incapaz na solução
de problemas de maior complexidade. As descobertas freudianas acerca do
inconsciente representam um grande desenvolvimento no autoconhecimento e na
ética. A luz da reflexão, Freud observou os limites da consciência humana. Em
suas observações concluiu que a causa daquilo que é aparente, está escondido na
inconsciência humana, guardado, entre outros motivos, por barreiras morais. A
consciência, em muitos casos, consegue perceber o efeito, mas não a causa do
efeito. Por não conseguir perceber a causa, culpa o outro pelos seus males.
Isso acontece porque a consciência transita naquilo que é aparente, e não
naquilo que está escondido pela inconsciência, pela moral, pelos recalques,
pela repressão e representações que se formam no psiquismo. No processo
evolutivo foram ignorados os limites da consciência, até que contradições entre
nossa realidade interior e mundo aparente emergiram até a consciência.
A
construção ética acompanha a pequena consciência, e varia de acordo com as
mudanças nas representações formadas inconscientemente no psiquismo do
observador. A consciência sabe da existência de causas inconscientes, mas não
consegue acessá-las para formar representações. Segundo Schopenhauer, O mundo como vontade e representação,
aquilo que não vemos, não representamos, e aquilo que não representamos, não
existe no mundo da consciência. A causa inconsciente dos nossos males precisa
emergir para a consciência, uma vez que se vê a causa, então é possível
analisá-la. Com o aumento da consciência é possível perceber porque certos
objetos são detestáveis e outros não. A compreensão que nasce permite ver
choques entre os desejos, e que alguns desejos só podem ser realizados
infligindo regras morais. Nem todos os desejos são compatíveis. Em meio a
inúmeras contradições, queremos o melhor caminho. Atuam dentro de nós forças opostas de
diferentes naturezas e intensidades. A vida é dinâmica! Costumes, crenças,
leis, influenciam o nosso psiquismo. No esforço para demonstrar uma consciência
ética, formam-se princípios. Alguns deles são: ama a teu próximo como a ti
mesmo, trata aos outros como gostarias de ser tratado, age apenas segundo
aquela máxima
que possas querer que se torne uma lei universal. Podemos concluir que um
antropocentrismo se faz necessário para uma elaboração de uma ética atual.
Afinal, o ser humano tem valor em si, e sua existência não pode ser reduzida ao
existir somente para o outro.
Cada
indivíduo é parte integrante de um grupo social, chamado por Freud de massa,
onde o indivíduo abre mão do seu eu para moldar-se a moral social ou da massa.
O ideal do eu é trocado pelo ideal da massa corporificado no líder, fazendo
assim uma reminiscência a horda primordial. O pensamento de Freud se aproxima
nesse momento do pensamento de Nietzsche sobre a moral do rebanho, onde as
pessoas adotam a moral de um grupo, comunidade ou rebanho para poder viver.
REFERÊNCIAS
Aristóteles – Ética a Nicômaco
Freud – A interpretação dos sonhos
............. O mal estar da civilização
............. Psicologia das massas e análise do eu
Jean-Pierre Lebrun – artigo ensinem os filhos a falhar
Ricardo Salas Astrain – Ética Intercultural
Schopenhauer, Arthur – O mundo como vontade e representação
Zygmunt Bauman - Modernidade liquida
Zimerman, David E - Manual de técnica psicanalítica
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