05/06/2014

UM OLHAR SOBRE A PSICANÁLISE


A medicina, no século passado, saiu das catacumbas onde eram dissecados cadáveres para estudo, apoiada por almas sofridas e carentes de um alívio para a dor e o sofrimento causado por doenças, ferimentos de guerra, epidemias etc. Humildes depositários da esperança de uma cura para seus males. O corpo passou, a partir de Descartes, a ser tratado como uma máquina desprovida de alma e sentimentos. E com isso, “loucos”, prostitutas, excluídos do meio social e pessoas que não se ajustavam a moral daquela época, eram enclausurados em hospícios e tratados como doentes mentais. Uma separação entre corpo e mente onde se procurava tão somente a cura para os males do corpo. Francamente, é difícil dizer qual loucura foi maior, se a cura da loucura ou a loucura da cura. Com relação à depressão, talvez estejamos ainda com a mesma dificuldade que os medievais. Parece que nos dias de hoje, todos viraram depressivos. Quem ainda não tomou remédio para esse mal? Cuidado, pois corremos o risco de nos tornar uma sociedade de dependentes químicos, seja pelo uso de drogas alucinógenas, ou, pelo consumo indiscriminado de medicamentos para regular o humor. Se no passado colocavam em manicômios “loucos”, prostitutas e desajustados sociais, nos dias atuais, a confusão foi apenas repaginada, ainda permanece a dificuldade em determinar quem realmente tem necessidade de química para regular seu humor, e quem está apenas triste. Mas no mundo do artificial, a alegria também tende a se tornar igualmente artificial, movida por drogas, bebidas alcoólicas e antidepressivos. Para piorar a situação, existem casos de mentes perturbadas e com ruptura total da realidade. São eles psicóticos, esquizofrênicos etc.. Por sorte, se é que há alguma, psicóticos são mais raros de serem encontrados. Alguns neurocientistas reduzem tudo a conexão neuronal ou sinapse, embora nem todos concordem com esse reducionismo que pouco tem contribuído, afinal, somos mais do que um cérebro. Somos seres dotados de psiquê, sofremos e sentimos dor. A dor da alma!

Os medievais consideravam o homem a imagem e semelhança de Deus (Teocentrismo) e, em Protágoras de Abdera (Abdera, 480 a.C. a 410 a.C.), o homem era considerado a medida de todas as coisas. Esse axioma foi reutilizado no século XVI d. C., onde o homem era considerado o centro do universo (antropocentrismo). Os avanços da ciência com as descoberta de Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu (1564- 1642) contribuíram para o desenvolvimento da ciência ao descobrir que a terra não estava no centro do universo (Geocentrismo). Mais tarde, Johannes Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1642-1727), anunciaram leis de gravitação. Com o fim do Antropocentrismo e Geocentrismo, surge Charles Darwin (1809-1882) com seus estudos sobre a evolução das espécies. O homem descende de primatas, e por isso não é a imagem e semelhança de Deus, assim caiu por terra o Teocentrismo.
Em 1856, nasceu Sigmund Freud, e com ele teve origem uma nova visão de ser humano. Segundo Freud, o ser humano possui um inconsciente onde estão contidas nossas frustrações, medos, angústias, emoções aprisionadas que ainda não foram trazidas a luz da consciência. Para Freud o inconsciente governa nossa respiração, digestão e batidas do coração. Segundo Freud não somos senhores de nós mesmos, não nos autoafirmamos na consciência, mas sim naquilo que é inconsciente. Sem falar, que a civilização exige sacrifícios. A civilização é o que diferencia o homem dos animais. Ele afirma que o homem valoriza mais o que o outro tem e menos o que realmente é importante em sua vida, e assim vive o homem em busca de riqueza, poder e sucesso. Já a cultura causa um mal estar nos homens, e este paga o preço da renúncia da satisfação pulsional. Freud também afirma que a religião é uma busca por amparo.
Olhando uma cena comum em um parque, é possível ver crianças que se lançam do alto de brinquedos nos braços de seus pais. A certeza do amparo e da mão firme e da confiança em seu pai dá a segurança para a criança. E assim ela se lança confiante, e o braço forte do pai a ampara. No entanto, nem todos receberam o amparo necessário na infância para se tornarem adultos seguros de suas decisões. O desamparo pode gerar insegurança pela vida a fora. Não foram todos que tiveram o braço firme e o olhar amoroso que dá a segurança de sermos amados, ou uma estrutura familiar e os cuidados da mãe. Quantos não tiveram isso?! Pelo contrário, tiveram o olhar de quem sabia que a punição viria. Quantos cresceram sem amparo. E a insegurança hoje toma conta de pessoas que nem se deram de conta do seu desamparo. A fragilidade humana começa quando nascemos, pois o nenê necessita ser amparado e ser cuidado. E com isso começa a dependência na formação de cada pessoa. Portanto, a posição natural do ser humano é de desamparo, e precisa do amparo para sobreviver. Precisa do cuidado do outro. Para Nietzsche (1844-1900), o homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem, uma corda sobre o abismo. O caminho do homem passa pelo abismo! Isso nos diz que o caminho é inseguro e perigoso. Nietzsche anuncia a morte de Deus, e assim o homem fica desamparado até mesmo daquilo que lhe é sagrado, Deus. Para Freud, é no desamparo que as religiões encontram seu lugar. Um porto seguro, uma mão invisível, uma moral que garanta estar fazendo a coisa certa, uma fé, uma crença em algo, uma certeza mesmo que ilusória, um pai protetor.
A vida psíquica é constituída pelo id, super ego e ego. O id é o que está no insciente de uma pessoa. São os instintos, desejos, impulsos e libido. O id é a estrutura de pensamento original e básica. As leis da lógica não se aplicam ao id, por isso estão contidos nele os impulsos irracionais que não estão a luz da consciência. Se o id é aquilo que está no inconsciente, o ego é o que está em contato com a realidade externa, é uma parte do id que se desenvolveu ao entrar em contado com a realidade e por isso se tornou aparente. Uma das funções do ego é estabelecer uma conexão entre a percepção sensorial e a ação muscular. Os acontecimentos internos pertencem ao id, mas cabe ao ego satisfazer os instintos ou suprimi-los. O ego é a parte executiva da consciência. O ego é quem dá vazão aos impulsos oriundos do id, e assim o ego se origina do id e o superego se origina do ego. É o superego quem a partir da moral, tradição, costumes, religião etc., emite um julgamento, ideais e metas. O superego é que decide o que está certo ou errado. A infância e o conceito de infantil, sempre estiveram presentes na obra de Freud. A infância é um período de tempo na vida de uma pessoa, já o infantil é atemporal. A psicanálise valoriza não somente as recordações da infância, mas também a infância esquecida. O infantil remete ao conceito de recalque, pulsão e inconsciente. Em linhas gerais, a meta fundamental da psique é maximizar o prazer e minimizar o desprazer, retendo ou trazendo a consciência dados do inconsciente. Freud, desde o início de sua carreira, desenvolveu um determinismo que o levou a encontrar a causa das neuroses. Para tanto, passou toda sua vida debruçada sobre a alma dos neuróticos. E assim, a psicanálise, tem sido, desde então, uma busca pelas causas ulteriores para o comportamento e angústia do ser humano, uma busca por compreender a si mesmo e o outro, e com isso adquirir um equilíbrio psíquico.