30/06/2018

ÉTICA E A FELICIDADE

Eliani Gracez


Okay, tenho que admitir, perdi para os racionalistas. Na juventude eu só queria salvar o planeta e achava que o amor e confiança entre as pessoas seria o caminho. Santa inocência! Anos depois, confesso, muitos anos depois, eu me vejo ainda como aquela inocente criaturinha que queria mudar o planeta com amor e confiança entre as pessoas. O problema não são os inocentes, o problema são aqueles que violentam os inocentes.    Viajei algumas vezes para a Austrália, um pais de primeiro mundo, só perdendo em qualidade de vida para a Suíça, no entanto, o que chama a atenção é que a Austrália, em uma medida da felicidade, está muito abaixo do esperado. Os australianos são organizados de forma que nada falte para uma boa vida. Uma mulher, depois de ganhar nenê, o estado paga para ela ficar em casa só cuidando do filho por alguns anos. Eu disse por alguns anos, e eu não me equivoquei ao escrever. Mas então, por que em uma medida da felicidade o australiano fica tão abaixo do esperado? Embora a sociedade seja estruturada com bases éticas, igualdade social e financeira, onde o trabalhador mais simples e o trabalhador mais graduado, ganham quase a mesma coisa, ainda assim o australiano não é feliz. A felicidade não está tão somente em conceber racionalmente a vida, embora, a concepção racional faça parte. A felicidade está em uma plenitude que a razão, com suas limitações, não consegue alcançar. O estado deve se organizar de forma ética, garantindo liberdade, igualdade e uma vida digna de um ser humano. Mas, nas relações interpessoais devem ser levadas em consideração não somente a ética, mas também as coisas do coração. Um equilíbrio entre razão e emoção. Um equilíbrio entre aquilo que o Estado pode nos dar em termos de organização social e as nossas subjetividades. A vida tem que ser organizada externamente, mas também internamente. Organizar a vida interna com suas subjetividade como se ela fosse um país de primeiro mundo, levando em consideração tão somente a razão, não é garantia de felicidade.

03/06/2018

A ESPERANÇA

Eliani Gracez

            A esperança não teve um lugar de destaque na tradição filosófica, raros foram os filósofos que falaram em algo que se possa remeter a esperança, e os poucos que falaram sobre o assunto o fizeram de forma subjetiva. Por isso, fundamentar racionalmente a existência ou a importância da esperança, é uma tarefa considerada não muito fácil, embora não seja ela impossível. Nos primórdios da filosofia existiam crenças em mitos, um deles era de que as Moiras traçavam o destino dos homens, até mesmo os deuses estavam sujeitos ao destino traçado por elas, e no destino não havia lugar para esperança. Nem mesmo Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, que tratou das virtudes, nada falou sobre esperança. Possivelmente Aristóteles não tenha considerado a esperança como sendo uma virtude, e talvez não seja mesmo. Os antigos textos gregos que falam sobre esperança estão ligados à religião e culto aos mistérios de Eleusis e culto aos mortos. O hino homérico para a Deusa Deméter cultuada em Eleusis e que perdeu sua filha sacerdotisa para Hades, o Deus da morte, fala da purificação pelos rituais sagrados e a esperança de ter uma sorte melhor no mundo dos mortos. Nesse caso, a esperança está na morte e não na vida. Com o cristianismo a esperança ganhou status de virtude, virtude esta que os filósofos não deram a ela. A “virtude” da esperança, para os fiéis, é a força motriz para a salvação na vida eterna. A fé sustenta a esperança na salvação após a morte, isso pressupõe que não haja salvação em vida. Nesse caso, a vida está perdida e só existe esperança na morte. Para conseguir a salvação após a morte é preciso sacrificar a vida atual, e regras morais rígidas devem ser cumpridas, e aqueles que vivem intensamente, ou buscam a vida na vida, são vistos como imorais e perderão a vida eterna. Tanto os mistérios de Eleusis como o cristianismo nos levam a ter esperança após a morte de uma vida plena de felicidade, tornando a vida carnal ou material uma pulsão de morte. Também é preciso lembrar que Buda dizia que não existe felicidade fora do Nirvana. Esse discurso de uma vida melhor somente após a morte nos leva a querer a morte e a ver a morte como solução para essa vida. Só morrendo é que seremos felizes. Tal pensamento aniquila com a vida e nos leva a esperar somente a morte. Esperança não é esperar, esperança é caminhar, esperança é movimento, esperança é ir atrás dos sonhos e acreditar que eles são possíveis de se realizar. A esperança, nesse caso, é uma força que sustenta a vontade de caminhar e de ir adiante. Segundo a psicanálise, a esperança é uma das forças motrizes que sustenta o desejo de continuar vivendo. O desejo conduz ao prazer e não ao desprazer. Buscamos o prazer para que não se tenha uma vida de desprazeres. Mas o cristianismo e até mesmo alguns filósofos tentam tirar do caminhante até mesmo seu desejo em caminhar, nesse caso, cortar os pulsos torna-se inevitável. O que algumas religiões e filosofias e o próprio Buda tentam fazer é o mesmo que alguns remédios para doenças psíquicas fazem, deixam a pessoa sem vontade, sem desejo, sem vida autêntica.  Não quero nesse momento negar a importância dos fármacos. Mas quem já trabalhou em um manicômio sabe como os remédios agem, tiram a voracidade e a libido da pessoa, tiram a vontade e o desejo. Esse é o sonho de muitas religiões: uma vida sem libido, sem desejo e sem vontade. Em contra partida, a pessoa não sofre, mas também não vive. Tudo isso por temer o sofrimento. Felicidade e sofrimento são dois lados da mesma moeda. Se a felicidade é passageira, também o sofrimento é passageiro. Se a felicidade é passageira isso significa que podemos perdê-la a qualquer momento. O medo da perda leva muitos a afastar a felicidade, o prazer, o desejo e a vontade, e assim não se perde o que não se tem. Somente quem é feliz pode perder a felicidade. Encontrar a paixão pelo que é possível talvez seja uma boa sabedoria. Sem paixão não há esperanças, ou, como dizia Roberto Freire, sem tesão não há solução. Mas existe um pensador que fala que o passado não pode ser definido como “um nunca mais”, porque o passado não perde a força de um dia ter sido algo. O passado está presente naquilo que somos agora. Temos então um passado-presente. Dessa dialética entre o passado e o presente nasce o que “está por vi” e que já está no presente como projeto de um futuro, assim como o passado está no presente, o presente estará no futuro.  Há no presente algo que já estava no passado e, nesse sentido, há a esperança naquilo que “está por vir”, e entre o que eu sou e o que posso ser ou vir-a-ser, reside um conflito existencial. Assim o homem aceita ou recusa o projeto existencial que o define como um ser aí no mundo. Ou assume o projeto ou se perde na desesperança de uma vida inautêntica e a pulsão de morte torna-se inevitável, e, nesse caso, somente a religião pode ajudar, dando esperança em dias melhores após a morte, onde a autenticidade da vida perde a sua potência para a esperança em uma vida melhor no pós-morte. Nesse caso, o homem se transforma em um ser para a morte, ou, algo que não mais “pode ser”, em oposição ao “vir a ser” que nos fala de uma vida autêntica e repleta de força vital. Quando o homem não se vê como um projeto que está em desenvolvimento, seja por medo do “de vir” ou por outros motivos, seu ser, sua vontade, seus desejos, deixam de se manifestar, permanecendo na vida o desprazer de viver. Eis aqui a pulsão de morte e a pulsão de vida descrita por Freud. Na clínica analítica, o analista leva a pessoa que está em pulsão de morte para a pulsão de vida. Levando ela a ver que existe um projeto de vida que está no presente, e que existe vida que flui e pulsa em seus desejos, em sua vontade, em sua libido... O ser é um ser de vontade, por isso, abrir mão da vontade é abrir mão de nós mesmos, ou do ser que carregamos e que trouxe seu corpo a este mundo. Afinal, somos um ser em experiência corpórea. Ou trazemos nosso ser para o mundo e nos afirmamos como um ser de vontade, e na vontade está o nosso poder, ou então assumimos nossa falência e passamos a viver a morte em vida e tentamos de novo na próxima. Minha visão é de vida na vida e não de viver a morte em vida. Somos seres para a vida. Somos seres de vontade no mundo, embora alguns tragam a morte para a vida, mas isso não cabe no meu conceito de vida.

02/06/2018

DA RETÓRICA À VERDADE

Eliani Gracez 

            A Retórica é o uso da linguagem para argumentar de forma persuasiva. A Retórica formou oradores, políticos, advogados, filósofos e escritores que defendem sua razão, paixão e crenças. A Retórica tem sua origem por volta do século V antes de Cristo, com o sofista Górgeas, Protágoras, Empédocles, Sócrates entre outros. Na antiga Grécia, os sofistas eram contratados para defender acusados de algum crime ou de um roubo ou coisas do tipo. Embora a relação dos sofistas com a verdade fosse outra, um bom discurso ou uma boa retórica pode não ter nada a ver com a verdade. Nos dias de hoje, quando dizemos que uma pessoa tem “boa Retóriaca”, embora o termo pareça redundante, mas o fato é que ele é usual, ou, que o discurso de alguém é retórico, estamos dizendo que o discurso não tem nada a ver com a verdade. Em termos de psicanálise, uma Retórica pode ser usada para esconder uma verdade. Nesse momento eu sempre me pergunto, o que a pessoa está escondendo atrás de um belo discurso decorado?! Em muitos casos, pela Retórica vê-se aquilo que o retor quer ocultar. A verdade pode estar inversamente proporcional ao discurso. Mas isso já é uma questão de lógica, lógica esta tão estudada quanto a Retórica para se obter um bom discurso. Para ocultar uma verdade uma lógica deve permear o discurso, onde uma argumentação leva a outra argumentação com conceitos bem explicitados. Muitos confundem lógica com verdade, e ainda dizem: tem lógica, ou, faz sentido, esquecendo-se de que a falsidade ou a mentira também contém lógica e raciocínio, assim como contém inteligência na maldade. Portanto, só porque contém lógica e inteligência, e muitas vezes a lógica da Retórica é a própria inteligência, não quer dizer que seja um bem. Não vamos confundir bem com bom. Afinal, nem tudo que é bom faz bem.  Por isso existe divergência entre os filósofos sobre se os sofistas são ou não são filósofos. Seja como for, a Retórica é fundamental para comunicar uma sabedoria. E assim a Retórica não é boa nem má, depende da índole de quem a usa, depende dos objetivos que uma pessoa de boa ou má índole quer alcançar. Um bom exemplo disso é Hitler que encantou pessoas com um discurso forte acompanhado de gestos de quem já venceu. Me contem, venceu o quê? Licença poética a parte, entre os medievais a Retórica passou a fazer parte das artes liberais ou Trivium, estudos sobre lógica, gramática e retórica, e mais tarde a Retórica passou a ser usada também no discurso escrito.

01/06/2018

CRENÇAS LIMITANTES


Eliani Gracez

Nossas crenças determinam nossas ações. Para mudar o comportamento é preciso primeiro mudar de crença. A formação de crenças está diretamente ligada ao lugar onde fomos criados, a família, a sociedade, e, nos dias de hoje, a mídia entre outros. Em muitos casos, nossas crenças foram construídas de forma inconsciente. Cremos em algo sem nem mesmo questionar o impacto da crença na nossa vida. Uma criança com dificuldade no aprendizado pode ter ouvido de alguém que ela é burra, e por isso cresceu acreditando ser incapaz de aprender. Formamos crenças quando acreditamos ser verdade algo que em muitos casos a pessoa nem se quer parou para pensar sobre o assunto, em outros casos, a pessoa parou, pensou e encontrou uma justificativa para considerar a crença verdadeira, ou seja, encontrou bons motivos para crer. A verdade está muito além de bons motivos ou de uma justificativa para crer. Devido a necessidade de certezas, porque admitir nossos erros dá muito trabalho, permanecemos na mesmice e limitados por falsas crenças. Esse é um entre outros motivos pelo qual o prisioneiro da caverna de Platão não consegue se libertar de suas amarras. Falamos sobre o prisioneiro da caverna no artigo intitulado “A caverna de Platão”. Platão defende que o conhecimento parte de uma crença. Segundo ele não é possível ter conhecimento sobre algo que não cremos ser verdadeiro. Portanto, crer na existência de uma verdade é princípio primeiro para o conhecimento desta verdade. Vamos lá...pensem comigo: se existem crenças verdadeiras, e se isso for uma verdade, o oposto também é verdadeiro, portanto, é verdade que existem crenças falsas. Assim sendo, os dois opostos são verdadeiros. Continuando com o nosso raciocínio, a crença tem que estar justificada pela razão. Nesse momento eu paro e penso: “santa paciência!” Já imaginaram se cada crença minha eu tivesse que submetê-la a esse processo longo e racional para descobrir se minhas crenças são falsas ou verdadeiras? Como está entre as minhas crenças que somos maiores do que nossa razão, embora muitos ainda sejam limitados pela razão, a pergunta que não quer calar é: estaria a verdade limitada a razão? Nesse caso, somente o que contém lógica seria verdadeiro ou existe a verdade do irracional e do inconsciente? Poderiam existir verdades invisíveis à razão? E se nossa razão estiver atrelada a pequenez humana e por isso verdades maiores que nossa pequenez não possam ser vislumbradas e por isso ainda o pequeno ser humano em sua soberba pense que só existe aquilo que ele pode conceber racionalmente ou ainda perceber com os sentidos? Okay, voltemos as nossas crenças limitantes, como eu disse anteriormente, somos maiores que nossa razão. Seria esta afirmação uma crença falsa ou verdadeira? Como a verdade é relativa, porque a verdade de uma pessoa pode ser a falsidade de outra, tudo é possível. Mas pensar que tudo é possível seria uma crença falsa ou verdadeira? Como o que está em questão são as crenças limitantes, esta é uma crença não limitante que está aberta ao mundo das possibilidades. Esse é o cerne da nossa questão, crenças limitantes impedem o crescimento e a possibilidade de crescer, impedem a felicidade, a liberdade, inclusive liberdade de expressão. Crenças limitantes impedem o fluir da vida. Vamos então dividir em dois grupos nossas crenças. Crenças limitantes ou limitadoras e crenças facilitadoras. Crenças facilitadoras são aquelas que impulsionam o sucesso pessoal e profissional, onde o indivíduo acredita no seu potencial e na capacidade de aprender e crescer, acredita na capacidade de superação das dificuldades do dia a dia. Enquanto isso, crenças limitadoras limitam o potencial e reduzem o mundo das possibilidades a um caroço de amêndoas. Portanto, a crença de que somos maiores do que nossa razão não é uma crença limitante, mas sim uma crença que leva a conhecer cada vez mais e mais coisas, e conduz ao crescimento pessoal, profissional, intelectual etc. Seriam crenças limitantes ou limitadoras verdadeiras? Se elas limitam pessoas impedindo o crescimento, aprendizado, limitam a pessoa uma ignorância muitas vezes sem fim e a falta de conhecimento até mesmo sobre a falsidade ou a veracidade, nesse caso, então, as crenças limitadoras são crenças falsas. Questione-se em que área de sua vida você gostaria de melhorar seu desempenho, mas não consegue. Por trás disso tem uma crença limitante, uma crença que impede seu crescimento, uma crença que te nivela por baixo. Seria esse o teu lugar ou só estás nivelado por baixo por que crês nisso?