03/06/2018

A ESPERANÇA

Eliani Gracez

            A esperança não teve um lugar de destaque na tradição filosófica, raros foram os filósofos que falaram em algo que se possa remeter a esperança, e os poucos que falaram sobre o assunto o fizeram de forma subjetiva. Por isso, fundamentar racionalmente a existência ou a importância da esperança, é uma tarefa considerada não muito fácil, embora não seja ela impossível. Nos primórdios da filosofia existiam crenças em mitos, um deles era de que as Moiras traçavam o destino dos homens, até mesmo os deuses estavam sujeitos ao destino traçado por elas, e no destino não havia lugar para esperança. Nem mesmo Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, que tratou das virtudes, nada falou sobre esperança. Possivelmente Aristóteles não tenha considerado a esperança como sendo uma virtude, e talvez não seja mesmo. Os antigos textos gregos que falam sobre esperança estão ligados à religião e culto aos mistérios de Eleusis e culto aos mortos. O hino homérico para a Deusa Deméter cultuada em Eleusis e que perdeu sua filha sacerdotisa para Hades, o Deus da morte, fala da purificação pelos rituais sagrados e a esperança de ter uma sorte melhor no mundo dos mortos. Nesse caso, a esperança está na morte e não na vida. Com o cristianismo a esperança ganhou status de virtude, virtude esta que os filósofos não deram a ela. A “virtude” da esperança, para os fiéis, é a força motriz para a salvação na vida eterna. A fé sustenta a esperança na salvação após a morte, isso pressupõe que não haja salvação em vida. Nesse caso, a vida está perdida e só existe esperança na morte. Para conseguir a salvação após a morte é preciso sacrificar a vida atual, e regras morais rígidas devem ser cumpridas, e aqueles que vivem intensamente, ou buscam a vida na vida, são vistos como imorais e perderão a vida eterna. Tanto os mistérios de Eleusis como o cristianismo nos levam a ter esperança após a morte de uma vida plena de felicidade, tornando a vida carnal ou material uma pulsão de morte. Também é preciso lembrar que Buda dizia que não existe felicidade fora do Nirvana. Esse discurso de uma vida melhor somente após a morte nos leva a querer a morte e a ver a morte como solução para essa vida. Só morrendo é que seremos felizes. Tal pensamento aniquila com a vida e nos leva a esperar somente a morte. Esperança não é esperar, esperança é caminhar, esperança é movimento, esperança é ir atrás dos sonhos e acreditar que eles são possíveis de se realizar. A esperança, nesse caso, é uma força que sustenta a vontade de caminhar e de ir adiante. Segundo a psicanálise, a esperança é uma das forças motrizes que sustenta o desejo de continuar vivendo. O desejo conduz ao prazer e não ao desprazer. Buscamos o prazer para que não se tenha uma vida de desprazeres. Mas o cristianismo e até mesmo alguns filósofos tentam tirar do caminhante até mesmo seu desejo em caminhar, nesse caso, cortar os pulsos torna-se inevitável. O que algumas religiões e filosofias e o próprio Buda tentam fazer é o mesmo que alguns remédios para doenças psíquicas fazem, deixam a pessoa sem vontade, sem desejo, sem vida autêntica.  Não quero nesse momento negar a importância dos fármacos. Mas quem já trabalhou em um manicômio sabe como os remédios agem, tiram a voracidade e a libido da pessoa, tiram a vontade e o desejo. Esse é o sonho de muitas religiões: uma vida sem libido, sem desejo e sem vontade. Em contra partida, a pessoa não sofre, mas também não vive. Tudo isso por temer o sofrimento. Felicidade e sofrimento são dois lados da mesma moeda. Se a felicidade é passageira, também o sofrimento é passageiro. Se a felicidade é passageira isso significa que podemos perdê-la a qualquer momento. O medo da perda leva muitos a afastar a felicidade, o prazer, o desejo e a vontade, e assim não se perde o que não se tem. Somente quem é feliz pode perder a felicidade. Encontrar a paixão pelo que é possível talvez seja uma boa sabedoria. Sem paixão não há esperanças, ou, como dizia Roberto Freire, sem tesão não há solução. Mas existe um pensador que fala que o passado não pode ser definido como “um nunca mais”, porque o passado não perde a força de um dia ter sido algo. O passado está presente naquilo que somos agora. Temos então um passado-presente. Dessa dialética entre o passado e o presente nasce o que “está por vi” e que já está no presente como projeto de um futuro, assim como o passado está no presente, o presente estará no futuro.  Há no presente algo que já estava no passado e, nesse sentido, há a esperança naquilo que “está por vir”, e entre o que eu sou e o que posso ser ou vir-a-ser, reside um conflito existencial. Assim o homem aceita ou recusa o projeto existencial que o define como um ser aí no mundo. Ou assume o projeto ou se perde na desesperança de uma vida inautêntica e a pulsão de morte torna-se inevitável, e, nesse caso, somente a religião pode ajudar, dando esperança em dias melhores após a morte, onde a autenticidade da vida perde a sua potência para a esperança em uma vida melhor no pós-morte. Nesse caso, o homem se transforma em um ser para a morte, ou, algo que não mais “pode ser”, em oposição ao “vir a ser” que nos fala de uma vida autêntica e repleta de força vital. Quando o homem não se vê como um projeto que está em desenvolvimento, seja por medo do “de vir” ou por outros motivos, seu ser, sua vontade, seus desejos, deixam de se manifestar, permanecendo na vida o desprazer de viver. Eis aqui a pulsão de morte e a pulsão de vida descrita por Freud. Na clínica analítica, o analista leva a pessoa que está em pulsão de morte para a pulsão de vida. Levando ela a ver que existe um projeto de vida que está no presente, e que existe vida que flui e pulsa em seus desejos, em sua vontade, em sua libido... O ser é um ser de vontade, por isso, abrir mão da vontade é abrir mão de nós mesmos, ou do ser que carregamos e que trouxe seu corpo a este mundo. Afinal, somos um ser em experiência corpórea. Ou trazemos nosso ser para o mundo e nos afirmamos como um ser de vontade, e na vontade está o nosso poder, ou então assumimos nossa falência e passamos a viver a morte em vida e tentamos de novo na próxima. Minha visão é de vida na vida e não de viver a morte em vida. Somos seres para a vida. Somos seres de vontade no mundo, embora alguns tragam a morte para a vida, mas isso não cabe no meu conceito de vida.

Um comentário:

Jorge orlaOrl disse...

Com poucas ressalvas, reflexo do meu pensamento leigo.