A
esperança não teve um lugar de destaque na tradição filosófica, raros foram os filósofos
que falaram em algo que se possa remeter a esperança, e os poucos que falaram
sobre o assunto o fizeram de forma subjetiva. Por isso, fundamentar
racionalmente a existência ou a importância da esperança, é uma tarefa
considerada não muito fácil, embora não seja ela impossível. Nos primórdios da
filosofia existiam crenças em mitos, um deles era de que as Moiras traçavam o
destino dos homens, até mesmo os deuses estavam sujeitos ao destino traçado por
elas, e no destino não havia lugar para esperança. Nem mesmo Aristóteles, em
sua Ética a Nicômaco, que tratou das virtudes, nada falou sobre esperança.
Possivelmente Aristóteles não tenha considerado a esperança como sendo uma
virtude, e talvez não seja mesmo. Os antigos textos gregos que falam sobre
esperança estão ligados à religião e culto aos mistérios de Eleusis e culto aos
mortos. O hino homérico para a Deusa Deméter cultuada em Eleusis e que perdeu
sua filha sacerdotisa para Hades, o Deus da morte, fala da purificação pelos
rituais sagrados e a esperança de ter uma sorte melhor no mundo dos mortos.
Nesse caso, a esperança está na morte e não na vida. Com o cristianismo a
esperança ganhou status de virtude, virtude esta que os filósofos não deram a
ela. A “virtude” da esperança, para os fiéis, é a força motriz para a salvação
na vida eterna. A fé sustenta a esperança na salvação após a morte, isso
pressupõe que não haja salvação em vida. Nesse caso, a vida está perdida e só
existe esperança na morte. Para conseguir a salvação após a morte é preciso
sacrificar a vida atual, e regras morais rígidas devem ser cumpridas, e aqueles
que vivem intensamente, ou buscam a vida na vida, são vistos como imorais e
perderão a vida eterna. Tanto os mistérios de Eleusis como o cristianismo nos
levam a ter esperança após a morte de uma vida plena de felicidade, tornando a
vida carnal ou material uma pulsão de morte. Também é preciso lembrar que Buda
dizia que não existe felicidade fora do Nirvana. Esse discurso de uma vida
melhor somente após a morte nos leva a querer a morte e a ver a morte como
solução para essa vida. Só morrendo é que seremos felizes. Tal pensamento
aniquila com a vida e nos leva a esperar somente a morte. Esperança não é
esperar, esperança é caminhar, esperança é movimento, esperança é ir atrás dos
sonhos e acreditar que eles são possíveis de se realizar. A esperança, nesse
caso, é uma força que sustenta a vontade de caminhar e de ir adiante. Segundo a
psicanálise, a esperança é uma das forças motrizes que sustenta o desejo de
continuar vivendo. O desejo conduz ao prazer e não ao desprazer. Buscamos o
prazer para que não se tenha uma vida de desprazeres. Mas o cristianismo e até
mesmo alguns filósofos tentam tirar do caminhante até mesmo seu desejo em
caminhar, nesse caso, cortar os pulsos torna-se inevitável. O que algumas
religiões e filosofias e o próprio Buda tentam fazer é o mesmo que alguns
remédios para doenças psíquicas fazem, deixam a pessoa sem vontade, sem desejo,
sem vida autêntica. Não quero nesse
momento negar a importância dos fármacos. Mas quem já trabalhou em um manicômio
sabe como os remédios agem, tiram a voracidade e a libido da pessoa, tiram a
vontade e o desejo. Esse é o sonho de muitas religiões: uma vida sem libido, sem
desejo e sem vontade. Em contra partida, a pessoa não sofre, mas também não
vive. Tudo isso por temer o sofrimento. Felicidade e sofrimento são dois lados
da mesma moeda. Se a felicidade é passageira, também o sofrimento é passageiro.
Se a felicidade é passageira isso significa que podemos perdê-la a qualquer
momento. O medo da perda leva muitos a afastar a felicidade, o prazer, o desejo
e a vontade, e assim não se perde o que não se tem. Somente quem é feliz pode
perder a felicidade. Encontrar a paixão pelo que é possível talvez seja uma boa
sabedoria. Sem paixão não há esperanças, ou, como dizia Roberto Freire, sem
tesão não há solução. Mas existe um pensador que fala que o passado não pode
ser definido como “um nunca mais”, porque o passado não perde a força de um dia
ter sido algo. O passado está presente naquilo que somos agora. Temos então um
passado-presente. Dessa dialética entre o passado e o presente nasce o que “está
por vi” e que já está no presente como projeto de um futuro, assim como o
passado está no presente, o presente estará no futuro. Há no presente algo que já estava no passado e,
nesse sentido, há a esperança naquilo que “está por vir”, e entre o que eu sou
e o que posso ser ou vir-a-ser, reside um conflito existencial. Assim o homem
aceita ou recusa o projeto existencial que o define como um ser aí no mundo. Ou
assume o projeto ou se perde na desesperança de uma vida inautêntica e a pulsão
de morte torna-se inevitável, e, nesse caso, somente a religião pode ajudar,
dando esperança em dias melhores após a morte, onde a autenticidade da vida
perde a sua potência para a esperança em uma vida melhor no pós-morte. Nesse
caso, o homem se transforma em um ser para a morte, ou, algo que não mais “pode
ser”, em oposição ao “vir a ser” que nos fala de uma vida autêntica e repleta
de força vital. Quando o homem não se vê como um projeto que está em
desenvolvimento, seja por medo do “de vir” ou por outros motivos, seu ser, sua
vontade, seus desejos, deixam de se manifestar, permanecendo na vida o
desprazer de viver. Eis aqui a pulsão de morte e a pulsão de vida descrita por
Freud. Na clínica analítica, o analista leva a pessoa que está em pulsão de
morte para a pulsão de vida. Levando ela a ver que existe um projeto de vida
que está no presente, e que existe vida que flui e pulsa em seus desejos, em
sua vontade, em sua libido... O ser é um ser de vontade, por isso, abrir mão da
vontade é abrir mão de nós mesmos, ou do ser que carregamos e que trouxe seu
corpo a este mundo. Afinal, somos um ser em experiência corpórea. Ou trazemos
nosso ser para o mundo e nos afirmamos como um ser de vontade, e na vontade
está o nosso poder, ou então assumimos nossa falência e passamos a viver a
morte em vida e tentamos de novo na próxima. Minha visão é de vida na vida e
não de viver a morte em vida. Somos seres para a vida. Somos seres de vontade
no mundo, embora alguns tragam a morte para a vida, mas isso não cabe no meu
conceito de vida.
Um comentário:
Com poucas ressalvas, reflexo do meu pensamento leigo.
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