31/05/2018

Gênio Indomável

Eliani Gracez

Segundo Clarissa Pinkola Estés, Toda mulher tem anseio pelo que é selvagem. “Não importa onde estejamos, a sombra que corre atrás de nós tem decididamente quatro patas.” A mulher é indomável, mesmo que ao longo do tempo tenha sofrido um excessivo adestramento. Meu gênio é indomável, pavio curto, instintiva, farejadora, gosto do olho no olho! A terra espiritual da mulher selvagem é minha terra. Não tenho medo da morte, temo viver sem ela, o que seria da vida sem mudança. Mas quem compreende uma loba?, todos preferem a adestrada criatura, afinal, ela é dócil e obediente. Eu...obediente?! Nem pensar! Está para nascer quem irá me adestrar. A mulher selvagem e os lobos foram temidos pelos homens, temidos pelo seu poder, o poder da noite, da lua, do uivo e do olhar hipnótico. A mulher loba desobedece as regras, ela tem uma vida vibrante no mundo interno e externo. A força da mulher vem dessa loba interior. A mulher selvagem luta por outras mulheres, ela resgata o feminino, mesmo sendo rotulada, violentada e chamada de louca. A loba encontra sua matilha e ocupa seu corpo com segurança e orgulho, e sabe cuidar de si. De mim cuido eu! A mulher selvagem está por trás de toda escritora, pensadora, dançarina... Nossa arte é visceral. A mulher selvagem sabe sentir, pensar e amar. Ela é quem se enfurece diante da injustiça, ela é quem traz um filho ao mundo, ela é quem nos mantém vivas. Mas tem quem prefira a outra, adestrada e polida


19/05/2018

O MENTIROSO


Eliani Gracez

            Na psicanálise a mentira é uma distorção do conteúdo psíquico a ser analisado. Contar uma verdade requer coragem para o enfrentamento com a realidade da vida, coragem essa que nem todos possuem, por isso, aparentemente, é mais fácil mentir. Nem todos estão preparados para o enfrentamento nu e cru com a verdade. Nietzsche se perguntava: quanta verdade sou capaz de suportar?  A mentira pode se tornar patológica quando o analisando tende a se expressar pela mentira compulsivamente. Essa compulsão pode se manifestar em pequenas ou complexas inverdades. Muitas vezes, a pessoa não tem o menor controle sobre a compulsão, mentindo até mesmo nas coisas mais banais do dia a dia. Por trás dessa compulsão pode ser encontrada uma baixa autoestima ou até mesmo uma onipotência narcísica. No narcisismo, mãe e bebê estão em uma situação psíquica onde persiste um forte grau de fusão, uma não diferenciação um do outro por parte do bebê. Quando o bebê sai da fase simbiótica, ele inicia a fase de separação e diferenciação do eu com relação ao outro. Uma diferenciação entre o bebê e sua mãe. Desta forma se dá o nascimento psicológico da criança. Na fase simbiótica o bebê acredita que os atos de sua mãe é fruto do seu desejo. E assim se forma no bebê a ilusão de que todos estão ali para ele e somente para ele. Uma ilusão se forma onde o bebê é a majestade e os outros seus súditos. Essa onipotência, em alguns casos, permanece até a fase adulta, onde as pessoas que rodeiam a pessoa onipotente estão ali para servi-la. O narcisista não lida bem com a frustração e se torna agressiva quando confrontada. Outro tipo de mentiroso é aquele que mente para sustentar um status que, por vezes, ele não possui. Mente para parecer ser aquilo que de fato não é. O mentiroso também pode mentir pelo prazer de ver uma pessoa se dar mal. Uma psicopatia onde pessoas assim não têm pudor algum. Tratando o outro como objeto para impor sua vontade. O mentiroso, na maioria dos casos, trava uma luta para manter sua autoestima e o medo de ser rejeitado. A necessidade de autoafirmação, de ser aceito em um grupo social ou de ser popular entre colegas de uma escola são motivos para uma pessoa insegura mentir. No setting analítico (consultório) é preciso diferenciar o que é mentira, fantasia e delírio, daquilo que de fato está acontecendo. A fantasia é um processo de imaginação de como poderia ser a realidade. Uma pessoa pode imaginar que um fato aconteceu de uma forma quando na realidade aconteceu de outra forma bem diferente. Já o delírio é fruto de uma confusão mental, podendo ser acompanhado de alucinações visuais. Nesse caso, a pessoa não está mentindo, ela apenas retrata visões ilusórias existentes somente em seu psiquismo. Mas voltemos ao mentiroso. A mentira pode ser uma resistência que a pessoa tem em aceita a realidade ou em trabalhar o problema em si. Uma fuga do enfrentamento com a realidade. O fenômeno da resistência tem sido observado desde os primórdios da psicanálise e continua sendo considerado a pedra angular na prática analítica. Motivo pelo qual, a resistência ainda continua sendo estudada em seus mais variados prismas. O pensamento lógico e organizado pressupõe um ego forte e capaz de tolerar tensões, mas nem todos possuem essa força. E sempre que a realidade impõe eventos desagradáveis, aquele que não possui um ego forte, prefere a mentira ao enfrentamento com sua realidade. Nesse caso, a mentira torna-se um mecanismo de defesa onde a realidade é negada. E assim temos a mentira como um mecanismo de defesa e de negação da realidade. Alguns mentem por compulsão, outros mentem para tirar vantagens de uma situação. Na política é possível encontrar a mentira como uma atuação profissional. Verdadeiros atores que fazem a mentira ter o valor de uma verdade. A mentira usada politicamente pode ser fundamentada em Platão e Maquiavel. Platão, no livro A república, dizia que o governante poderia mentir para o bem coletivo. Em o príncipe, Maquiavel afirma que o governante deve agir segundo a moral sempre que possível, mas deve infringi-la quando for necessário para a manutenção do poder. Assim a mentira pode ter várias causas: receio das consequências, insegurança, maldade, baixa da autoestima, isenção de culpa, razões patológicas etc.



18/05/2018

COISAS DO CORAÇÃO


                                                                                                                                        Eliani Gracez

Desde que Nietzsche disse que errar era humano, demasiado humano, nos valemos dessa prerrogativa para justificar nossos erros, esquecendo-nos, ainda, que em Nietzsche, o homem tem que superar o próprio homem. O homem, nesse caso, é o ser humano, limitado, falível, que vive de aparência. O homem é aquele que vive de ilusão, com ou sem estudo, analfabeto ou doutorado. Sendo um prisioneiro da caverna de Platão ou pensando já ter se livrado da sua caverna. Mas, para que aconteça a superação proposta por Nietzsche, tem o homem que conhecer sua verdadeira essência. Devemos sempre perguntar pela essência, pois atrás da aparência reside a essência, sobretudo a essência do mal travestida de bom samaritano. Conhecendo a essência é que vemos com quem estamos lidando. Mas o grande problema é que a essência se esconde atrás da aparência e da personalidade. Ela se esconde atrás do moralismo das instituições, atrás da educação ou falta de educação, ela se esconde atrás da formação religiosa e familiar. Tudo isso molda a personalidade, ou, o jeito de ser de cada pessoa.  A aparência ilusória, finita e mutável, esconde a verdade sobre a essência de potencial ilimitado, seja para o bem ou para o mal, é possível não se ter limites para a maldade, assim como não se pode botar um limite para o amor. Limitar o amor é estabelecer o que pode ser amado e o que não pode, bem como estabelecer a intensidade do amor, isso seria o mesmo que dizer que só se pode amar um pouco, mas não intensamente.  Para piorar a situação, a criatura humana não se importa com seus erros, achando tudo simplesmente humano. Não se importa com o sofrimento daqueles que vêm ao mundo para fazer a diferença, Buda, Jesus... Confunde o problema com a solução. Confunde anjo com demônio. Isso tudo porque a razão serve a dois senhores, o senhor do bem e o senhor do mal. Afinal, o mal tem lá sua razão de ser. O ser humano é um ser de razão com possibilidade de superar a própria razão e se tornar um ser de amor. A razão divide em dois opostos. O amor une duas metades. A razão separa, quantifica e qualifica o humano. A mente trabalho como um computador a partir de uma lógica. Pessoas prontas para amar aceitam as diferenças entre ele e o outro com tranquilidade. Pessoas sem amor contabilizam as diferenças e apoiam somente quem pensa como eles e sente como eles. O diferente é o outro, é o “não eu”, é tudo aquilo que eu não sou. Colocando assim um abismo entre ele e quem ele pensa estar do outro lado, somente porque não é igual a si mesmo. A razão é o que nos separa, o amor é o que nos une. A razão faz uma lista das diferenças. O amor só quer amar e pronto. Essa humanidade ainda não aprendeu o que nos une, mas aprendeu o que nos separa, somo diferentes uns dos outros sim, ainda bem. Já imaginaram se todos fossem semelhantes a uma frota de carros da mesma marca e da mesma cor? A humanidade não mudou, continua a mesma desde o passado até hoje, não está pronta para o diálogo educado e fraternal, como se diz por aí, com a mente aberta e sem pré-juízos moldados por aparência ilusória. Não está preparada para sentir o coração do outro pulsando, muito menos para respeitar os sentimentos do outro. A humanidade teme o diferente e o desconhecido, por isso se apega as suas certezas e crenças,  muitas vezes, limitantes. No entanto, podemos dizer que do texto à ação existe uma longa estrada a ser percorrida. Por mais otimista que eu seja não vejo um futuro promissor para a humanidade. A essência da maldade e do separatismo continua a ser espalhada desenfreadamente. ”E assim caminha a humanidade, com passos de preguiça e sem vontade”. Todas as chances que foram dadas para a mudança na essência e não somente na aparência, foram colocadas no lixo. O homem se recusa a aprender com seus erros. O homem se recusa vencer o próprio homem, se recusa a vencer a si mesmo. O homem olha para a sombra no fundo da caverna e ama a sombra. Ama tudo o que é sombrio, e por isso não conhece o sol, a luz, e muito menos o amor, mas conhece a paixão e o apego, sombras do amor. Por outro lado, talvez, Nietzsche tenha se esquecido de uma coisa, para que o homem supere o próprio homem, primeiro é preciso construir o homem, que, por enquanto, é tão somente um animal.

14/05/2018

A NOVA ERA NA POLÍTICA BRASILEIRA

Eliani Gracez

Muito se falou sobre New Age (nova era), mas pouco se fez para de fato viver uma nova era. New age é um movimento de contracultura e contra dogmas que surgiu entre as décadas de 1960 e 1970, e pede por uma nova ordem global, um novo modelo de consciência moral, social, enfim, pede por uma nova psicologia onde haja uma simbiose com a natureza e o cosmo em todas as suas dimensões. No entanto, a nova ordem tem como base princípios teosóficos do século XIX e princípios metafísicos do passado. Uma tentativa de estabelecer uma nova ordem global a partir do velho. Isso significa uma troca de seis por meia dúzia. Tiraram a velharia que não servia mais e colocaram o velho considerado mais adequado a liberdade de jovens daquela época. Talvez, por isso, uma nova era, ou nova ordem global, tenha sido apenas um idealismo a mais. A guerra continua e cada vez mais cruel. Irmãos nascidos para o amor matam-se simultaneamente. Que nova era é essa? O paz e amor, tão anunciado, sucumbiram em meio a violência e ao ódio que tomaram conta do planeta. No Brasil a corrupção aniquilou com a confiança do povo que, descrente, não sabe em quem votar, ou, ainda, se faz diferença votar. Afinal, tirar um corrupto e eleger outro, assim como a New age, também é trocar seis por meia dúzia. O brasileiro não confia mais na política brasileira, que possui, desde o passado, os pés na lama. E agora, como estabelecer uma nova ordem em meio a tanta desordem? Seria isso possível? Seria possível confiar de novo em quem se depositou a confiança e o voto e depois se demonstrou ser uma decepção? Diz o ditado popular que confiança uma vez perdida não tem como ter de volta. No passado eu votei no Lula e posteriormente na Dilma, meus ideais se identificavam com a classe trabalhadora e oprimida. Quando Dilma foi eleita fiquei feliz por ter uma mulher no poder. Acreditei em uma nova era próspera. Ver Dilma governando o Brasil na sombra de Lula foi decepcionante. O poder estava com ele e não com a presidente. Mas voltemos a nossa questão: seria possível confiar novamente em uma “instituição chamada política” que tanta decepção causou? Confesso, não tenho a resposta, mas deixo a questão aberta ao debate civilizado, para que não se caia na ilusão de uma nova ordem. Talvez, uma nova ordem só possa ser estabelecida por quem nunca tenha participado de uma guerra e não tenha emporcado a natureza de sangue, ou, quem sabe, a nova ordem tenha que ser estabelecida por aqueles que já participaram de uma guerra e sabem o que é ver sangue inocente derramado em campo de batalha. Possivelmente décadas se passem antes que a nova ordem se instale nesse planeta, se é que um dia isso irá acontecer. E tudo isso por termos confiado em quem nunca deveria ter sido merecedor da nossa confiança. Nas urnas posso dar meu voto, mas não serei depositária da minha confiança.


04/05/2018

A CAVERNA DE PLATÃO - Eliani Gracez



Segundo a alegoria da caverna de Platão, existem homens prisioneiros em uma caverna, acorrentados pelos pés e pelo pescoço. O olhar dos prisioneiros está voltado para uma parede que fica no fundo da caverna. Atrás dos acorrentados tem um muro e homens carregam figuras, atrás do muro tem um fogo. Pessoas e objetos passam atrás do muro, e por causa da luz do fogo, projeta imagens na parede onde estão voltados os olhares dos prisioneiros. Prisioneiros acorrentados só veem sombras da realidade, e não a realidade em si. Convido você, que está lendo este texto agora, a pensar junto comigo sobre a alegoria da caverna de Platão. Imaginemos que nós somos os prisioneiros da caverna e que as sombras alimentam os nossos cinco sentidos. Segundo Schopenhauer, os sentidos fazem uma coleta de dados para o nosso entendimento formar uma representação dos objetos. Nosso entendimento usa dos sentidos para o conhecimento imediato. A partir dessa coleta de dados, os prisioneiros pensam entender a realidade, ou, como diz Schopenhauer, a representar os objetos. Mas é com a carência de entendimento que acontece a “estupidez”, mediante a incapacidade de reunir causa e efeito. Falta, nesse caso, argúcia, rapidez, dificuldade no uso da lei de causa e efeito. Mas deixemos Schopenhauer de lado e voltemos a nossa caverna, visto que o objeto do nosso estudo, especificamente, são as sombras projetadas no fundo da caverna, e a influência delas em nós. A sombra é um vulto, é ausência de luz, no caso da alegoria da caverna, a sombra é uma projeção obscura da realidade, um vulto da realidade. Desse vulto os prisioneiros alimentam seus sentidos que levam material para o entendimento, que em um próximo passo, formam representações e conceitos a partir de uma “visão” distorcida que conduz ao erro, ao preconceito, a uma ética que não visa ao bem coletivo e nem a felicidade. O prisioneiro da caverna forma um conteúdo interior a partir das sombras que ele vê, e ama seu “saber”. Por isso é tão difícil sair da caverna. O prisioneiro ama uma ilusão acreditando ser a única realidade existente. Desse amor ao “saber” surgem a fé e a crença. Como o prisioneiro da caverna não vê a realidade, ele ama uma sombra. Mas, a pergunta que não quer calar é: seria esse amor verdadeiro? Se pensarmos que a sombra é o não ser e a luz o ser, na sombra reside aquilo que não é o amor, reside o “não amor”, nesse caso, o amor vem do oposto, vem da luz, vem do ser. Na alegoria platônica fica claro que sombra e luz são dois opostos. A sombra está na frente do prisioneiro, no fundo da caverna. Já o fogo que ilumina está no oposto, nas costas do prisioneiro. Na caverna os prisioneiros se apegam as sombras e pensam ser amor verdadeiro. Confundem amor com apego. O amor é libertador, o apego aprisionador (aprisionar+dor). Os prisioneiros da caverna precisam se apegar a alguma coisa para conseguir sobreviver, do contrário eles teriam que admitir o nada interior, eles teriam que admitir a própria ignorância, o desafeto, a angústia etc. Teriam que admitir que seu conteúdo interior é formado por tudo que não é luz. Os prisioneiros da caverna vivem o desprazer e não o prazer, origem de algumas neuroses. Pobres criaturas! Prisioneiros não vivem e sim sobrevivem, afinal, o conceito de vida não inclui prisão e sim libertação. Os prisioneiros nem mesmo se dão de conta de sua prisão, não se dão de conta de que seus conteúdos foram formados a partir de sombras daquilo que poderia ter sido e não foi. Numa relação de causa e efeito os prisioneiros não ligam a sombra com o fogo. Falta de argúcia, diria Schopenhauer, afinal, sem a luz do fogo não poderia haver projeção da sombra no fundo da caverna. Por mais perfeita que seja a visão, para que um homem veja, é preciso que haja a luz (Platão).