09/07/2017

Análise do Eu em Freud - Eliani Gracez Nedel

 
          A moral constituída ao longo do tempo interfere diretamente no principio de prazer, alterando o aparelho psíquico e reprimindo o prazer, com isso o indivíduo cai no desprazer, tornando-se uma bomba prestes a explodir a qualquer momento. A noção de “Eu” em Freud pode ser entendida a partir de sua teoria do funcionamento mental.  Do ponto de vista da teoria freudiana, os processos mentais são regulados pelo princípio de prazer. Esse princípio decide o propósito de vida. Freud comparou o funcionamento da mente humana com uma ameba.
“Freud comparou o funcionamento da mente, o mais complicado órgão, com o funcionamento do mais simples organismo, a ameba. A vida é mantida através da admissão num organismo da matéria estranha, mas útil, e da descarga da sua própria, mas perniciosa matéria. Admissão e descarga são os mais fundamentais processos de qualquer organismo vivo. A mente, que também faz parte de um organismo vivo, não constitui exceção a essa regra: realiza a adaptação e o progresso mediante o emprego, ao longo de toda sua existência, dos processos fundamentais de projeção e introjeção. As experiências de introduzir alguma coisa no Eu e de expelir alguma coisa do Eu são eventos psíquicos de primeira grandeza”. (HEIMANN, 1969, p. 143)
          Freud entendeu que os processos mentais são regulados pelo princípio de prazer. A mente, nesse caso, regula a quantidade de excitação nesse aparelho. A  isso Freud nomeou de pulsão. A pulsão, na busca pela supressão, precisa de um objeto. E assim temos um limite entre o psiquismo e o somático. O corpo como objeto das pulsões.  Encontramos aqui o ponto onde tudo converge para a repressão. O moralismo na forma com que a criança é criada, religião, influências do lugar onde vivemos etc, tendem a negar as pulsões no corpo, muitas vezes tratando como pecado, falha de caráter, desajuste social, uma descarga pulsional. São exemplos de descargas pulsionais a sexualidade, a dança, o cigarro entre outros.
          O aparelho mental tem importante papel na formação do Eu, ele distingue o mundo interior do mundo exterior, ou seja, ele distingue a subjetividade da objetividade. No entanto o Eu não é somente constituído pela subjetividade e nem tão somente pela objetividade, existe mais do que isso no aparelho psíquico.
          Segundo Freud, o ser humano possui um inconsciente onde estão contidas nossas frustrações, medos, angústias, emoções aprisionadas que ainda não foram trazidas a luz da consciência. Para Freud o inconsciente governa nossa respiração, digestão e batidas do coração. Segundo Freud não somos senhores de nós mesmos, não nos autoafirmamos na consciência, mas sim naquilo que é inconsciente. Sem falar, que a civilização exige sacrifícios. A civilização é o que diferencia o homem dos animais. Ele afirma que o homem valoriza mais o que o outro tem e menos o que realmente é importante em sua vida, e assim vive o homem em busca de riqueza, poder e sucesso. Já a cultura causa um mal estar nos homens, e este paga o preço da renúncia da satisfação pulsional. Freud também afirma que a religião é uma busca por amparo.
          Olhando uma cena comum em um parque, é possível ver crianças que se lançam do alto de brinquedos nos braços de seus pais. A certeza do amparo e da mão firme e da confiança em seu pai dá a segurança para a criança. E assim ela se lança confiante, e o braço forte do pai a ampara. No entanto, nem todos receberam o amparo necessário na infância para se tornarem adultos seguros de suas decisões. O desamparo pode gerar insegurança pela vida a fora. Não foram todos que tiveram o braço firme e o olhar amoroso que dá a segurança de sermos amados, ou uma estrutura familiar e os cuidados da mãe. Quantos não tiveram isso?! Pelo contrário, tiveram o olhar de quem sabia que a punição viria. Quantos cresceram sem amparo. E a insegurança hoje toma conta de pessoas que nem se deram de conta do seu desamparo. A fragilidade humana começa quando nascemos, pois o nenê necessita ser amparado e ser cuidado. E com isso começa a dependência na formação de cada pessoa. Portanto, a posição natural do ser humano é de desamparo, e precisa do amparo para sobreviver. Precisa do cuidado do outro. Para Nietzsche (1844-1900), o homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem, uma corda sobre o abismo. O caminho do homem passa pelo abismo! Isso nos diz que o caminho é inseguro e perigoso. Nietzsche anuncia a morte de Deus, e assim o homem fica desamparado até mesmo daquilo que lhe é sagrado, Deus. Para Freud, é no desamparo que as religiões encontram seu lugar. Um porto seguro, uma mão invisível, uma moral que garanta estar fazendo a coisa certa, uma fé, uma crença em algo, uma certeza mesmo que ilusória, um pai protetor.
          A vida psíquica é constituída pelo id, super ego e ego. O id é o que está no insciente de uma pessoa. São os instintos, desejos, impulsos e libido. O id é a estrutura de pensamento original e básica. As leis da lógica não se aplicam ao id, por isso estão contidos nele os impulsos irracionais que não estão a luz da consciência. Se o id é aquilo que está no inconsciente, o ego é o que está em contato com a realidade externa, é uma parte do id que se desenvolveu ao entrar em contado com a realidade e por isso se tornou aparente. Uma das funções do ego é estabelecer uma conexão entre a percepção sensorial e a ação muscular. Os acontecimentos internos pertencem ao id, mas cabe ao ego satisfazer os instintos ou suprimi-los. O ego é a parte executiva da consciência. O ego é quem dá vazão aos impulsos oriundos do id, e assim o ego se origina do id e o superego se origina do ego. É o superego quem a partir da moral, tradição, costumes, religião etc., emite um julgamento, ideais e metas. O superego é que decide o que está certo ou errado. A infância e o conceito de infantil, sempre estiveram presentes na obra de Freud. A infância é um período de tempo na vida de uma pessoa, já o infantil é atemporal. A psicanálise valoriza não somente as recordações da infância, mas também a infância esquecida. O infantil remete ao conceito de recalque, pulsão e inconsciente. Em linhas gerais, a meta fundamental da psique é maximizar o prazer e minimizar o desprazer, retendo ou trazendo a consciência dados do inconsciente. Freud, desde o início de sua carreira, desenvolveu um determinismo que o levou a encontrar a causa das neuroses. Para tanto, passou toda sua vida debruçada sobre a alma dos neuróticos. A psicanálise, tem sido, desde então, uma busca pelas causas ulteriores para o comportamento e angústia do ser humano, uma busca por compreender a si mesmo e o outro, e com isso adquirir um equilíbrio psíquico.   O adoecer e a reorganização da psique tornaram-se uma possibilidade terapêutica que encoraja o neurótico a superar seus conflitos, entre a pulsão e a saúde psíquica, ao trazer a luz os impulsos inconscientes reprimidos ou recalcados. O adoecer do neurótico está vinculado a uma situação patológica de frustração das pulsões e repressão da libido, sendo assim, o adoecer é consequência e não a causa de um transtorno patológico. Causas prováveis de neurose são, em geral, rigidez moral que causam recalque na infância, frustrações, falta de amor, desestrutura familiar, rigidez ética imposta pela sociedade. A repressão e mecanismos coercitivos da sociedade são fomentadores de conflitos, por exemplo, a libido versus ideal acético. E assim se instala uma luta entre dois impulsos gerando a doença ou neurose. Não vamos aqui confundir a luta entre duas polaridades que acontece na hora em que o indivíduo tem que fazer uma escolha, mas sim entre o ego e aquilo que muitas vezes ficou recalcado no inconsciente, uma verdadeira luta entre a doença e sua causa. A luta só pode ser vencida quando os dois oponentes se encontram em campo de batalha, onde um pode ver o outro, a luta acontece no consciente. E assim a neurose e sua causa se encontram para a solução do conflito instalado. Desse confronto surge, de alguma forma, uma solução para o neurótico. Uma luta consciente da causa e seu subsequente efeito. A psicanálise se esforça em compreender o Eu na sua luta pelo desenvolvimento. O recém nascido não se diferencia da mãe, não separa seu eu com o mundo exterior. Quando pela primeira vez ele percebe o mundo exterior é pelo desprazer quando é retirado o seio da mãe. O seio é o primeiro objeto que separa o recém nascido do mundo exterior. Uma luta constante do Eu com o desprazer leva o Eu ao isolamento de tudo o pode levar ao desprazer. Surgindo assim um Eu que busca o prazer e foge do desprazer. E assim chegamos aos dois princípios que regem o funcionamento mental: o princípio de prazer responsável pelos processos inconscientes, e o princípio de realidade responsável pelos processos conscientes. O principio de prazer é um direcionamento de energia ou de descarga punsional que tem por objetivo a satisfação ou o prazer. Tendo em vista o principio de realidade, nem sempre o principio de prazer atinge a satisfação desejada, seja por conta de uma realidade de castração na infância, de uma realidade sociocultural ou moralismo. O principio de realidade se manifesta na censura interna que impede o sujeito a desobedecer a questões éticas e morais para atingir a satisfação e desejos internos. O princípio de prazer descrito por Freud direciona a ação psíquica e orgânica para atingir um prazer idealizado. Enquanto isso o princípio de realidade se manifesta na relação sociocultural e na formação de conceitos morais e éticos, onde o indivíduo passa a respeitar os limites impostos pela moralidade. No princípio de realidade a moral controla o princípio de prazer.




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