21/07/2018

O ANTICRISTO

Eliani Gracez 

A teoria dos sonhos de Sigmund Freud vem despertando cada vez mais a atenção sobre o conteúdo vindo do nosso inconsciente. Sonhos são ricos em símbolos e emoções que ajudam o terapeuta a interpretar certas particularidades do inconsciente do seu analisando. Pode-se afirmar que “A interpretação dos Sonhos” de Freud, foi um marco na história. A partir dessa obra voltaram-se olhares para essa parte do nosso inconsciente, os sonhos. Esse assunto eu tratei com mais detalhe no artigo “Sonhos”, já publicado no blog. Mas, então, aonde eu quero chegar? Resposta: em um sonho.
O Anticristo
Sonhei que eu saí de uma aula e desci alguns degraus e entrei em uma catacumba que ficava embaixo de uma universidade católica. Uma enorme catacumba! Ali estavam reunidos os assassinos do Cristo, professores que me deram aula, padres, freis e teólogos. Eles estavam comendo e cantando e me convidaram para comer com eles. Fui convidada por aqueles homens a ficar morando naquele lugar, tinha um quarto amplo me esperando. Eu amava aquelas pessoas que estavam ali reunidas, e aquelas pessoas tinham amor por mim, por isso queriam que eu ficasse com eles. Um aluno que saiu da aula pediu para eu abrir o portão para ele sair. Eu abri o portão, o aluno saiu e chaveei novamente o portão. A chave para sair daquele lugar estava comigo. Caminhei mais um pouco e fui até uma parte não coberta da catacumba, ali haviam incontáveis diminutos fogos, semelhante a chama de vela, espalhados no chão de terra por toda parte. Quando eu percebia que um pequeno fogo estava apagando, eu encostava nele um pedacinho de lenha seca e o fogo não apagava. E assim eu mantinha todas as pequeninas chamas acesas. Cada pequena chama era um Cristo morto e Dele só restava a diminuta chama, por isso os religiosos pensavam cultuar o Cristo vivo, por causa da pequena chama. Mal sabendo que o fogo crístico havia morrido e confundiam o que sobrou, um diminuto fogo, com a totalidade da grandeza do fogo de um Cristo. Estava eu diante da ignorância de moradores, parafraseando Platão, morador da caverna.  Então, o mais incrível aconteceu, o telefone tocou e eu corri para atender, e a voz de um padre ecoou dentro de mim como se aquela voz estivesse no meu quarto, ao meu redor. Eu já não sabia mais se estava acordada ou dormindo. Ao atender ao telefone o padre disse: aqui é o padre fulano de tal, mas eu, ao acordar, não trouxe na memória seu nome. O padre perguntou o que eu estava fazendo naquele lugar, respondi que estava cantando com os religiosos. Então ele fez a pergunta que me fez parar no sonho, ele perguntou, e o Cristo? Eu silenciei ao telefone procurando entender a pergunta. Ele perguntou novamente o que eu iria fazer com o Cristo? Respondi rapidamente – vou dançar com o Cristo assim como Nietzsche dançou com Deus. Nietzsche necessariamente não dançou com Deus, mas dizia que não acreditava em um Deus que não soubesse dançar. Acordei com a voz daquele padre na minha mente. Pensei em tudo e, sobretudo, nas duas perguntas. O que eu estava fazendo naquele lugar? E o que eu faria com o Cristo? Ficaria eu naquele lugar, junto com religiosos e homens que foram meus professores e assassinos do Cristo ajudando a manter vivas aquelas diminutas chamas me iludindo, assim como eles, pensando ser isso  a totalidade de um Cristo, ou sairia dali e dançaria com a chama crística ao sol? A chave do portão estava comigo. Semanas se passaram e eu ainda pensava sobre esse sonho!
Nietzsche e o Anticristo
Nietzsche dizia que o cristianismo aniquilou os instintos do homem superior. Tornando o homem forte um degradado e o homem fraco um virtuoso. O Cristianismo se colocou ao lado de tudo o que era fraco, baixo, fracassado. Matando os instintos necessários a uma vida saudável, ensinando que certo tipo de valores são apenas pecado, tentação ou descaminhos. O cristianismo manteve as pessoas prisioneiras ao medo de pecar, e ao mesmo tempo se apresentou como sendo a solução. Dessa forma o cristianismo encontrou a forma de frear a potência que reside na vontade. Seres sem vontade se tornam cordeiros obedientes. Segundo Nietzsche a moral cristã é antinatural porque não permite dar vazão aos sentidos naturais do Homem, valorizando a fraqueza humana. Nietzsche nos convida a perguntar pelas verdades mudas, ele nos convida a questionar as verdades do nosso tempo. Para Nietzsche todos os valores nos quais a humanidade apoia seus anseios mais sublimes são valores de decadência. Um animal está corrompido quando perde seus instintos. O mesmo aconteceu com o Homem, perdeu seus instintos e por isso está corrompido. O cristianismo corrompeu o Homem tirando dele a vontade de poder, acabando com o Homem superior. Nietzsche valoriza o Homem e sua pulsão, com instintos e capacidade de criação, e o cristianismo corrompeu tudo isso para acabar com a potência do Homem. Nietzsche chama de animal essa espécie de Homem corrompido pelo cristianismo. E assim é contra esse instinto teológico que Nietzsche guerreia. Para ele todo aquele que possui sangue teológico em suas veias é cínico e desonrado em todas as coisas, uma falsidade incurável. As pessoas constroem todo um conceito de moral e virtude em cima dessa falsidade. Tornando tais conceitos sacrossantos e não aceitando qualquer outro ponto de vista. Tudo o que um teólogo considera verdadeiro é falso, aqui, diz Nietzsche, temos um critério de verdade. A razão foi delegada a uma aparência.
            Voltando ao sonho          
Em Mateus 3,11. Marcos 1,7-8. Lucas 3,16. João 1,33, temos algo mais ou menos assim, “eu vos batizo com água para o arrependimento, mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. De fato, eu não sou digno nem mesmo de tirar-lhe as sandálias. Ele vos batizará com fogo e o Espírito Santo.” Eis o fogo corrompido ao longo dos séculos pela ignorância de uma teologia cavernosa que não compreendeu onde reside a cristificação, no fogo da vontade que é muito mais forte. Por isso Nietzsche disse que o cristianismo morreu na cruz. As águas são as nossas emoções, o fogo é o fogo da vontade. Vontade esta considerada feia e pervertida. Ser um ser de vontade foi considerado uma perversão pelos teólogos. O Cristo que batiza com fogo é o próprio fogo. Eis a chama da vontade divina e que Nietzsche considerou como sendo vontade de potência. A potência é uma chama inesgotável e está em nós na vontade, que os teólogos castraram, aniquilara, corromperam ao longo dos séculos. A pergunta do sonho, o que eu faço naquele lugar? Resposta: nada, ali não é o meu lugar. Meu fogo não será corrompido e nem vai se tornar uma diminuta e insignificante chama. O convite para morar com aqueles homens está recusado, minha morada não é com esse tipo de teólogo. Minha teologia, se é que eu tenho alguma, é outra. Não aceito migalhas! A pergunta, o que eu vou fazer com o Cristo foi muito bem respondida no sonho, vou dançar com minha potência que não será corrompida. Quanto a chave, essa eu demorei um pouco mais para entender. Se eu tinha a chave daquele lugar, por que então eu não saía de lá? No início do sonho estava a resposta, eu amava aquelas pessoas e aquelas pessoas me amavam. A chama do Cristo, que não morre, é a chama do amor, mas o cristo é maior do que isso. Sua potência criadora é inesgotável. O Anticristo reside na potência destruidora, e o Cristo na potência criadora. Teólogos consideraram toda potência destruidora, por não terem sabedoria para esquartejar direito a questão, e colocaram tudo no mesmo saco e queimaram vivo. Aliás, de queimar vivo eles entendiam muito bem, porque a potência destruidora, ou, o Anticristo era forte neles. Foi então que eu me dei de conta que eu amava corruptos, assassinos do Cristo, assassinos da minha própria potência, eles teriam que de alguma forma me corromper para que eu continuasse ali, naquela catacumba. O amor foi um golpe baixo, muitas pessoas, sobretudo mulheres se deixam aniquilar por amor. Se deixam mutilar, abrindo mão de si mesmas. Seria eu uma dessas? O projeto dos Anticristos com relação a mim, em me manter calada, adestrada, obediente, falhou. Desde o inicio não foi um projeto inteligente. Mas Anticristo se tivesse inteligência não seria Anticristo, seriam Cristos de potência criadora. Eu não me deixo adestrar, eis a chave que estava comigo e por isso somente eu poderia abrir aquele portão e sair daquele lugar sombrio. A escolha estava nas minhas mãos. Qual caminho seguir, do Cristo ou do Anticristo. Então eu pensei, amor que corrompe, que aniquila, que tenta domesticar a potência, a liberdade, domesticar instintos, pulsões, não é amor, é antiamor, é Anticristo. O amor tem que estar ligado a vontade de potência criadora e não a vontade de potência destruidora. Projetamos uma sombra, não é com a sombra que devemos trabalhar, é com a luz do fogo. Aquele fogo que Platão fala e que está nas costas dos prisioneiros da caverna, é o fogo da vontade. Somente esse fogo pode nos tirar da caverna, o fogo da potência da vontade criadora.  Por isso não saímos da caverna, porque o fogo da potência destruidora venceu nesse planeta. O fogo do Anticristo!

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