A teoria dos sonhos de Sigmund Freud vem
despertando cada vez mais a atenção sobre o conteúdo vindo do nosso
inconsciente. Sonhos são ricos em símbolos e emoções que ajudam o terapeuta a
interpretar certas particularidades do inconsciente do seu analisando. Pode-se
afirmar que “A interpretação dos Sonhos” de Freud, foi um marco na história. A
partir dessa obra voltaram-se olhares para essa parte do nosso inconsciente, os
sonhos. Esse assunto eu tratei com mais detalhe no artigo “Sonhos”, já
publicado no blog. Mas, então, aonde eu quero chegar? Resposta: em um sonho.
O Anticristo
Sonhei que eu saí de uma aula e desci alguns
degraus e entrei em uma catacumba que ficava embaixo de uma universidade
católica. Uma enorme catacumba! Ali estavam reunidos os assassinos do Cristo,
professores que me deram aula, padres, freis e teólogos. Eles estavam comendo e
cantando e me convidaram para comer com eles. Fui convidada por aqueles homens a
ficar morando naquele lugar, tinha um quarto amplo me esperando. Eu amava
aquelas pessoas que estavam ali reunidas, e aquelas pessoas tinham amor por
mim, por isso queriam que eu ficasse com eles. Um aluno que saiu da aula pediu
para eu abrir o portão para ele sair. Eu abri o portão, o aluno saiu e chaveei
novamente o portão. A chave para sair daquele lugar estava comigo. Caminhei
mais um pouco e fui até uma parte não coberta da catacumba, ali haviam
incontáveis diminutos fogos, semelhante a chama de vela, espalhados no chão de
terra por toda parte. Quando eu percebia que um pequeno fogo estava apagando,
eu encostava nele um pedacinho de lenha seca e o fogo não apagava. E assim eu
mantinha todas as pequeninas chamas acesas. Cada pequena chama era um Cristo
morto e Dele só restava a diminuta chama, por isso os religiosos pensavam
cultuar o Cristo vivo, por causa da pequena chama. Mal sabendo que o fogo
crístico havia morrido e confundiam o que sobrou, um diminuto fogo, com a
totalidade da grandeza do fogo de um Cristo. Estava eu diante da ignorância de
moradores, parafraseando Platão, morador da caverna. Então, o mais incrível aconteceu, o telefone
tocou e eu corri para atender, e a voz de um padre ecoou dentro de mim como se
aquela voz estivesse no meu quarto, ao meu redor. Eu já não sabia mais se
estava acordada ou dormindo. Ao atender ao telefone o padre disse: aqui é o
padre fulano de tal, mas eu, ao acordar, não trouxe na memória seu nome. O
padre perguntou o que eu estava fazendo naquele lugar, respondi que estava
cantando com os religiosos. Então ele fez a pergunta que me fez parar no sonho,
ele perguntou, e o Cristo? Eu silenciei ao telefone procurando entender a pergunta.
Ele perguntou novamente o que eu iria fazer com o Cristo? Respondi rapidamente
– vou dançar com o Cristo assim como Nietzsche dançou com Deus. Nietzsche necessariamente
não dançou com Deus, mas dizia que não acreditava em um Deus que não soubesse
dançar. Acordei com a voz daquele padre na minha mente. Pensei em tudo e,
sobretudo, nas duas perguntas. O que eu estava fazendo naquele lugar? E o que
eu faria com o Cristo? Ficaria eu naquele lugar, junto com religiosos e homens
que foram meus professores e assassinos do Cristo ajudando a manter vivas
aquelas diminutas chamas me iludindo, assim como eles, pensando ser isso a totalidade de um Cristo, ou sairia dali e
dançaria com a chama crística ao sol? A chave do portão estava comigo. Semanas
se passaram e eu ainda pensava sobre esse sonho!
Nietzsche e o
Anticristo
Nietzsche
dizia que o cristianismo aniquilou os instintos do homem superior. Tornando o
homem forte um degradado e o homem fraco um virtuoso. O Cristianismo se colocou
ao lado de tudo o que era fraco, baixo, fracassado. Matando os instintos
necessários a uma vida saudável, ensinando que certo tipo de valores são apenas
pecado, tentação ou descaminhos. O cristianismo manteve as pessoas prisioneiras
ao medo de pecar, e ao mesmo tempo se apresentou como sendo a solução. Dessa
forma o cristianismo encontrou a forma de frear a potência que reside na
vontade. Seres sem vontade se tornam cordeiros obedientes. Segundo Nietzsche a
moral cristã é antinatural porque não permite dar vazão aos sentidos naturais
do Homem, valorizando a fraqueza humana. Nietzsche nos convida a perguntar
pelas verdades mudas, ele nos convida a questionar as verdades do nosso tempo.
Para Nietzsche todos os valores nos quais a humanidade apoia
seus anseios mais sublimes são valores de decadência. Um animal está corrompido
quando perde seus instintos. O mesmo aconteceu com o Homem, perdeu seus
instintos e por isso está corrompido. O cristianismo corrompeu o Homem tirando
dele a vontade de poder, acabando com o Homem superior. Nietzsche valoriza o Homem
e sua pulsão, com instintos e capacidade de criação, e o cristianismo corrompeu
tudo isso para acabar com a potência do Homem. Nietzsche chama de animal essa
espécie de Homem corrompido pelo cristianismo. E assim é contra esse instinto
teológico que Nietzsche guerreia. Para ele todo aquele que possui sangue
teológico em suas veias é cínico e desonrado em todas as coisas, uma falsidade
incurável. As pessoas constroem todo um conceito de moral e virtude em cima
dessa falsidade. Tornando tais conceitos sacrossantos e não aceitando qualquer
outro ponto de vista. Tudo o que um teólogo considera verdadeiro é falso, aqui,
diz Nietzsche, temos um critério de verdade. A razão foi delegada a uma
aparência.
Voltando ao sonho
Em
Mateus 3,11. Marcos 1,7-8. Lucas 3,16. João 1,33, temos algo mais ou menos
assim, “eu vos batizo com água para o arrependimento, mas aquele que vem depois
de mim é mais forte do que eu. De fato, eu não sou digno nem mesmo de tirar-lhe
as sandálias. Ele vos batizará com fogo e o Espírito Santo.” Eis o fogo
corrompido ao longo dos séculos pela ignorância de uma teologia cavernosa que
não compreendeu onde reside a cristificação, no fogo da vontade que é muito
mais forte. Por isso Nietzsche disse que o cristianismo morreu na cruz. As águas
são as nossas emoções, o fogo é o fogo da vontade. Vontade esta considerada
feia e pervertida. Ser um ser de vontade foi considerado uma perversão pelos
teólogos. O Cristo que batiza com fogo é o próprio fogo. Eis a chama da vontade
divina e que Nietzsche considerou como sendo vontade de potência. A potência é
uma chama inesgotável e está em nós na vontade, que os teólogos castraram,
aniquilara, corromperam ao longo dos séculos. A pergunta do sonho, o que eu
faço naquele lugar? Resposta: nada, ali não é o meu lugar. Meu fogo não será
corrompido e nem vai se tornar uma diminuta e insignificante chama. O convite
para morar com aqueles homens está recusado, minha morada não é com esse tipo
de teólogo. Minha teologia, se é que eu tenho alguma, é outra. Não aceito
migalhas! A pergunta, o que eu vou fazer com o Cristo foi muito bem respondida
no sonho, vou dançar com minha potência que não será corrompida. Quanto a
chave, essa eu demorei um pouco mais para entender. Se eu tinha a chave daquele
lugar, por que então eu não saía de lá? No início do sonho estava a resposta, eu
amava aquelas pessoas e aquelas pessoas me amavam. A chama do Cristo, que não
morre, é a chama do amor, mas o cristo é maior do que isso. Sua potência
criadora é inesgotável. O Anticristo reside na potência destruidora, e o Cristo
na potência criadora. Teólogos consideraram toda potência destruidora, por não
terem sabedoria para esquartejar direito a questão, e colocaram tudo no mesmo
saco e queimaram vivo. Aliás, de queimar vivo eles entendiam muito bem, porque a
potência destruidora, ou, o Anticristo era forte neles. Foi então que eu me dei
de conta que eu amava corruptos, assassinos do Cristo, assassinos da minha
própria potência, eles teriam que de alguma forma me corromper para que eu
continuasse ali, naquela catacumba. O amor foi um golpe baixo, muitas pessoas, sobretudo mulheres
se deixam aniquilar por amor. Se deixam mutilar, abrindo mão de si mesmas.
Seria eu uma dessas? O projeto dos Anticristos com relação a mim, em me manter
calada, adestrada, obediente, falhou. Desde o inicio não foi um projeto
inteligente. Mas Anticristo se tivesse inteligência não seria Anticristo,
seriam Cristos de potência criadora. Eu não me deixo adestrar, eis a chave que
estava comigo e por isso somente eu poderia abrir aquele portão e sair daquele
lugar sombrio. A escolha estava nas minhas mãos. Qual caminho seguir, do Cristo
ou do Anticristo. Então eu pensei, amor que corrompe, que aniquila, que tenta
domesticar a potência, a liberdade, domesticar instintos, pulsões, não é amor,
é antiamor, é Anticristo. O amor tem que estar ligado a vontade de potência
criadora e não a vontade de potência destruidora. Projetamos uma sombra, não é
com a sombra que devemos trabalhar, é com a luz do fogo. Aquele fogo que Platão
fala e que está nas costas dos prisioneiros da caverna, é o fogo da vontade. Somente
esse fogo pode nos tirar da caverna, o fogo da potência da vontade criadora. Por isso não saímos da caverna, porque o fogo
da potência destruidora venceu nesse planeta. O fogo do Anticristo!
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